Surfe nas Olimpíadas

Um raio X de JJ Florence

Drs. Gustavo Arliani e Gustavo Korte avaliam aspectos médicos e psicológicos da lesão sofrida por John John Florence, com exclusividade para o Waves.

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Dr. Gustavo Arliani e Dr. Gustavo Korte avaliam aspectos médicos e psicológicos da lesão sofrida pelo surfista John Florence.

Uma lesão recente surpreendeu e gerou apreensão no mundo do surfe. A dois meses dos jogos olímpicos de Tóquio, o surfista havaiano John John Florence sofreu um entorse no joelho esquerdo, durante a execução de uma forte manobra na etapa do campeonato mundial de surfe na Austrália, no dia 7 de maio.

O bicampeão mundial abandonou a etapa e foi submetido a cirurgia no joelho lesionado no dia 11 de maio pelo ortopedista Warren Kramer.

Conversamos com os Drs. Gustavo Arliani e Gustavo Korte, para entendermos um mais sobre os aspectos médicos e psicológicos envolvidos no caso. Confira a seguir.

John John Florence durante o Margaret River Pro 2021.

Aspecto médico da lesão

Por Dr. Gustavo Arliani

Não se sabe ao certo qual foi a exata lesão e cirurgia sofrida pelo atleta, mas suspeita-se, analisando o vídeo publicado pelo atleta nas redes sociais, que tenha ocorrido uma lesão do Ligamento Cruzado Anterior (LCA) do joelho.

Sendo o atleta submetido a um reparo do ligamento associado ao uso de um fio de alta resistência (Internal Brace®), com função de “cinto de segurança” para proteger o ligamento reparado.

O surfista já tem histórico de lesão semelhante, visto que rompeu o LCA do joelho direito em 2020, quando ficou afastado das ondas por cinco meses. O que surpreendeu e causou espanto em todos nesta lesão e cirurgia recentes foi a velocidade de retorno ao esporte: 47 dias!

Prazo totalmente fora dos padrões atuais para este tipo de lesão e após reconstrução ou reparo do ligamento. Existem relatos na literatura médica de retorno ao esporte (futebol) após quatro meses desta cirurgia, em atleta que objetivava disputar Copa do Mundo.

No entanto, sabemos que este retorno precoce costuma envolver vários riscos, inclusive de re-ruptura do enxerto do ligamento, devido ao curto tempo biológico para cicatrização / remodelação do enxerto.

Atualmente, os trabalhos científicos mais recentes têm justamente defendido o oposto, um retorno mais tardio à prática esportiva, sete a nove meses após o procedimento cirúrgico.

O fato é que JJF está de volta e deverá disputar as Olimpíadas no Japão. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos.

O ligamento cruzado anterior (LCA) é uma estrutura fundamental para estabilidade do joelho. A ruptura desta estrutura é a lesão ligamentar mais comum do joelho quando incluídas somente as roturas ligamentares completas.

No meio esportivo esta lesão é vista cada vez com mais frequência. Diversos são os exemplos de atletas que apresentaram esta lesão, como: Paulo Henrique Ganso, Jade Barbosa e Mick Fanning.

A lesão do LCA acomete principalmente indivíduos jovens e ativos, e caracteriza-se especialmente pela sensação de falseio do joelho observada em movimentos de mudança brusca de direção, aterrissagem e corrida em terrenos irregulares.

A reconstrução cirúrgica (cirurgia) é hoje o tratamento padrão em atletas, com a utilização de um enxerto, que pode ser retirado do próprio paciente ou até mesmo enxertos de banco (aloenxertos), para substituição do ligamento rompido e sem função.

O Dr. Gustavo Arliani é coordenador geral e da Ortopedia do Prevent Senior Sports, além de professor afiliado da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

John John Florence volta pra água com proteção no joelho.

Aspecto Psicológico da Lesão Esportiva

Por Dr. Gustavo Korte

Quanto maior o nível de competição dos atletas, maior é a influência dos aspectos psicológicos no rendimento esportivo. Com relação à lesão esportiva para o atleta profissional, a sua ocorrência, é sempre um grande desafio. Existem alguns aspectos a serem considerados na avaliação dos aspectos psicológicos relacionados à lesão esportiva:

1 – Gravidade da lesão – Como bem comentou o Dr. Arliani, não sabemos exatamente qual a lesão e sua gravidade, mas, em função do processo de reabilitação, pode indicar que não tenha sido muito grave.

2 – Situação psicológica atual do atleta no momento da lesão – Se estava ansioso, estressado, problemas com a equipe ou com relacionamentos afetivos, etc. Não temos acesso ao momento anterior, mas posteriormente, o JJF posta um comentário de como está se sentindo, o que nos permite uma avaliação superficial.


Nesse primeiro post, logo após a lesão, ele comenta o que aconteceu: “Lesionei meu joelho no final da sessão do round de 16 dois dias atrás. Eu consegui terminar o resto da bateria mais já estava sentindo que alguma coisa estava errada. Não era o mesmo joelho que machucou no ano passado, o que já é bom, mas com as Olimpíadas acontecendo nesse verão, eu vou focar em me curar e ficar forte. Agradeço ao suporte e à Austrália por nos receber. Estamos muito agradecidos e tivemos um bom momento”.


Não tinha muita consciência do processo que ia enfrentar. Estava processando o que tinha acontecido. No segundo, JJF comenta que: “desde que machuquei meu joelho, eu tenho passado por uma variedade de emoções. Foi muito difícil para mim, aceitar a lesão no início. Mas estou me conscientizando que é parte da vida que em alguns momentos somos derrubados e que passamos por momentos difíceis. Então, aqui vamos nós superar mais um desafio. Eu recebi muitas mensagens legais de pessoas preocupadas comigo. Agradeço a todas elas. Tem muitas coisas que precisam ser feitas e sou grato por todo o apoio/suporte. Eu devo ter mais detalhes em breve e estarei compartilhando com cada um, no momento que receber.”

3 – A capacidade de se adaptar e aceitar positivamente o processo de recuperação reabilitação da lesão esportiva – JJF já comenta no seu post que vai “superar mais um desafio”. Demonstra uma perspectiva positiva, num momento que ainda não tem o resultado dos exames e nem realizou a cirurgia.


4 – O apoio psicossocial que o atleta recebe após o momento da lesão e durante todo o processo de reabilitação – Observem o comentário de JJF na sua postagem de como o apoio dos fãs e amigos foi importante nesse momento, “agradecendo” e “sendo grato” duas vezes.

JJF parece ser uma pessoa muito família, quando posta uma foto da mãe e irmãos e parabeniza pelo Dia das Mães em suas redes sociais. Se não desse tanta importância, mandaria uma mensagem particular. A mídia social pode fazer o bem, quando a pessoa recebe o apoio, mas, quando existe um questionamento muito grande de todos se vai ficar bem, se vai para as Olimpíadas, pode fazer com que a pessoa, em algum momento, se questione se vai conseguir ficar bem ou não.

5 – O momento de ocorrência da lesão, com relação ao momento da carreira esportiva – a lesão aconteceu próximo à competição ou ao auge da carreira. Ele sofreu duas lesões muito próximas e semelhantes, sendo que a outra foi em novembro de 2020, nas classificatórias para as Olimpíadas e em Maio de 2021. Pode ser um indicador de que a questão Olimpíadas está gerando algum estresse diferente na sua carreira.

Não é a questão de competições internacionais, porque ele já foi campeão mundial duas vezes. Outro fator que pode ainda ser significativo é fazer parte do seleto grupo de surfistas que participarão da primeira vez que o surfe está nas Olimpíadas e fazer parte da história do esporte. Para qualquer atleta pode ser mais um fator gerador de emoções mais fortes, positivas e ou negativas e pode desenvolver ansiedade e estresse.

O estresse é sempre um fator que pode gerar lesões ou prejudicar no processo de recuperação de lesões.

6 – Nível de comprometimento com o esporte – se está motivado com a carreira e com o processo de recuperação. Como o JJF teve duas experiências recentes com o mesmo tipo de lesão, e que a recuperação foi positiva, tem uma tendência a ser mais positivo e ter mais motivação para a sua recuperação. O que é possível observar nos seus posts e vídeos no Instagram.

O Dr. Gustavo Korte é coordenador da equipe de psicologia do Esporte da Prevent Senior Sports.

JJ foi o vencedor do Billabong Pipe Masters, etapa que abriu a temporada 2021 do Circuito Mundial.

John John nas Olimpíadas depois da cirurgia

Por Dr. Gustavo Arliani

Após a cirurgia inicia-se um intenso programa de reabilitação / fisioterapia visando atacar a dor do paciente, retomada do arco de movimento da articulação, fortalecimento muscular e equilíbrio / propriocepção.

Fatores estes fundamentais para um retorno seguro do atleta ao esporte. É muito provável que tenha um psicólogo acompanhando esse processo e dando o apoio no processo de recuperação e retorno aos treinos para se preparar para as Olimpíadas.

Mas, durante o processo de recuperação e fisioterapia, ainda acontecerão muitas dúvidas, gerando falta de confiança e medo de nova lesão. E nesse momento, a participação da equipe multidisciplinar (médicos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas) é extremamente importante para transmitir segurança e confiança de que o atleta estará bem.

Para reduzir a ansiedade, JJF deve estar treinando mentalmente, através da visualização, que permitirá ele visualizar que vai conseguir surfar como surfava antes da lesão. Mas, só o tempo vai mostrar se vai conseguir ou não.

No caso de John Florence, claro que a gente não sabe exatamente o que aconteceu, a gente fala baseado no que a gente leu em artigos, e também do nosso conhecimento que a gente tem de cirurgia de joelho e da traumatologia no esporte.

John John celebra o sucesso da cirurgia.

Pela descrição toda que eu vi, parece que ele teve uma lesão parcial, ou até mesmo total do ligamento cruzado anterior. Mas, se optou não por uma reconstrução convencional do ligamento, em que você tira o enxerto do próprio joelho e o utiliza pra construir o ligamento rompido.

Essa recuperação às vezes demora até seis meses, às vezes até mais, o que aconteceu com o outro joelho dele, na outra ruptura.

Desta vez, parece que foi utilizado um reforço, um internal brace, uma espécie de um cinto de segurança, um fio de alta resistência, para colocar junto com a reconstrução do ligamento cruzado, ou, neste caso e ser uma lesão parcial, usa como um reforço, de maneira que ele funciona como um cinto de segurança.

Se o surfista tiver um entorse no joelho, este fio pode suportar este leve entorse, ou até mesmo romper o fio e proteger o enxerto, ou parte do ligamento que ficou lá.

Então, esta foi a ideia e o retorno dele foi muito rápido. Isso não é usual. O usual quando se faz uma reconstrução, até pela biologia do próprio ligamento, é um retorno de seis meses pra cima. Ele retornou em 45 dias, o que é bem estranho e bem diferente do usual.

Em relação aos Jogos Olímpicos, ele já voltou a surfar e já está no Japão. Então, deve participar da competição. O que acontece é que ele tem riscos. Como foi um retorno bem precoce, talvez não tenha sido feita a reconstrução como normalmente se faz, nos casos de convencionais de lesão no cruzado.

Ele pode ter um novo entorse, com ruptura do enxerto colocado, ou mesmo deste internal brace, e ter uma nova contusão. Estes retornos mais acelerados podem causar este tipo de problema.