Leitura de Onda

O voo de Griffin

Tulio Brandão destaca turning point na carreira de Griffin Colapinto, ressalta vitória de Tati West e traça análise completa da etapa portuguesa do Circuito Mundial.

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Griffin Colapinto conquista primeira nota 10 da temporada.

Um aéreo muda tudo. Griffin Colapinto, o campeão da boa etapa do CT de Portugal, finalizada na segunda-feira em Peniche, parece ter incorporado os significados literais e metafóricos da ideia de alçar voos mais altos na elite.

O que possivelmente será chamado de turning point da carreira do estadunidense, natural de Mission Viejo, na Califórnia, aconteceu numa pouco concorrida bateria caseira de quartas de final, entre ele e o amigo compatriota Kolohe Andino.

Na penúltima onda surfada de uma bateria que até ali era não mais que mediana, Griffin acertou um enorme full-rotation, de costas para a onda, caindo no seco, e sólido na base sobre a sua prancha. Não havia alternativa a não ser uma nota 10 unânime.

Um dia a ciência dará conta de dimensionar os efeitos motivacionais de uma nota máxima na cabeça de um competidor. Enquanto não sabemos, intuo que é como se uma chave virasse no cérebro e, por tabela, no corpo.

Até ali, Griffin não estava no grupo que poderia vencer o evento, nem no que produzia as maiores médias. Depois da manobra, entrou para o time.

Com brasileiro Filipe Toledo como vice, norte-americano Griffin ergue troféu no pódio.

Ainda sob o efeito do aéreo na véspera, ele atropelou John John Florence na semifinal e venceu o favoritíssimo Filipe Toledo na final. Pouca gente, muito pouca gente mesmo, é capaz de derrotar o ubatubense nas condições apresentadas no dia decisivo.

Griffin é um cara novo, aos 23 anos, mas desde que chegou ao CT vinha sofrendo com o peso de ser tachado como um surfista pronto para devolver aos Estados Unidos e, mais especificamente, à Califórnia, o merecido protagonismo no esporte.

Com a vitória, ele alça um voo metafórico ainda maior na carreira. Sai finalmente da condição de eterna promessa para, depois de bater na trave em 2021, com o sexto posto, posicionar-se definitivamente como um americano com credenciais para chegar à decisão de Trestles. Kelly Slater? Sobre ele, escrevo algumas linhas adiante.

Filipinho no trilho, Italo brabíssimo

O vice da etapa, Filipinho, acelera para ser o grande favorito nas finais de Trestles. É cedo? Claro. Mas, caso não aconteça um inesperado desastre, ele estará em casa, na onda-mamão de San Clemente, em busca do título.

O garoto de Ubatuba, em condições normais de temperatura e pressão, seria pule de 10 no meio metrinho da final de Peniche. Só perdeu porque caiu da prancha muito mais do que sugere seu histórico. Ainda assim, fez médias consistentes em quase todas as baterias, repetindo a boa fase da etapa de Sunset, onde perdeu na melhor bateria do campeonato.

Muito pouca gente é capaz de derrotar Filipe Toledo nas condições apresentadas no dia decisivo.

Havia a expectativa de vê-lo novamente na melhor bateria do evento, desta vez numa semifinal, contra o novamente em forma Italo Ferreira, que oficializou o “brabo” no fundo da prancha. Só que, infelizmente, as ondas estavam mais bonitas do que boas.

Os dois melhores brasileiros mais bem colocados de 2021, na ausência de Gabriel Medina, encenaram um festival de estranhos wipeouts, incomuns à dupla. Italo ainda fez a maior nota da bateria, com um violento full-rotation que lhe custou uma prancha, mas não encontrou a segunda onda. Acabou derrotado por duas ondas medianas.

Pelo que fez antes da prova, durante os treinos, e pelo ataque durante o evento, o potiguar deu mostras de que está de volta, mais forte, acelerado e brabo do que nunca. É sempre bom lembrar do banheiro de Bells e da cadeira de Keramas – a essência do campeão mundial de 2019, para mim, estava naquela alegria incontida.

John John X swell fraco

John John Florence foi outro gigante a reaparecer depois de uma perna havaiana sem bons resultados. Falar do bicampeão, aliás, é um gancho perfeito para tratar das condições do mar no dia decisivo: um swell débil, sem pulso para surfistas acostumados a lidar com ondulações potentes, como JJ.

Nos primeiros dias, em curtos intervalos de casamento entre swell e vento, os melhores do mundo encontraram tubos em quantidade suficiente para fazer valer o charmoso nome do pico. Nenhum dia clássico, como na semana anterior ao evento, mas muitos momentos com concavidade suficiente para apresentações bonitas.

John John Florence reaparece depois de uma perna havaiana sem bons resultados.

Na decisão, a ondulação perdeu muita força, comprometendo as performances. A escolha de não esperar o swell previsto para o meio da semana não foi uma surpresa. A tática tem sido encerrar antes do fim da janela com as ondas que estão disponíveis, para reduzir riscos e custos. Se os semifinalistas envolvidos concordaram com a diretriz, o que sinceramente não sei se aconteceu, não há nada a criticar.

Brilha a brasileira

Tatiana Weston-Webb encarna uma alma cada vez mais brasileira. Defende a bandeira, incorpora a vibração, sofre e comemora com seus novos patrícios. É dela o primeiro título de evento da elite do país na estranha temporada de 2022.

Antes de vencer Lakey Peterson na final, Tatiana passou sem sustos por Luana Silva, India Robinson e, na semifinal, empacotou a melhor surfista do mundo, Carissa Moore, em decisão apertada. Tati se encaixou bem no fundo de Peniche: ora em direitas, com suas reconhecidas batidas rápidas de costas para a onda, ora em esquerdas, com rasgadas e finalizações difíceis.

O resultado foi essencial para ela voltar a se posicionar bem na corrida para Trestles. Depois de uma perna havaiana surpreendentemente apagada, Tati escala 10 postos para assumir a quarta posição no ranking mundial.

Tatiana Weston-Webb conquista primeiro título para o Brasil na temporada 2022.

No masculino, um ranking ainda provisório

A etapa de Portugal trouxe de volta ao holofote alguns dos melhores surfistas. Foi boa surpresa notar que, nas quartas de final, todos, à exceção do campeão, Griffin, já estiveram, no mínimo, entre os cinco melhores do mundo do ranking.

Um dos surfistas da chave era Kanoa Igarashi, mais consistente do que nunca, e, agora, líder do ranking. Ter um surfista de bandeira japonesa japonesa no topo do mundo é uma esperada benção para as pretensões de mercado da WSL, mas seria injusto dizer que ele não está lá pelos próprios méritos.

Até acho difícil o japonês sustentar o posto por muito tempo, diante dos resquícios ainda existentes de seu surfe de fundo de prancha, mas eu ficaria surpreso se estivesse de fora da etapa decisiva este ano. Pela evolução demonstrada, pela capacidade de fazer sempre o melhor diante de suas limitações, pela evolução tática e técnica ininterrupta, Kanoa será sempre um possível exemplo para o esporte.

De um jeito ou de outro, muita coisa deve mudar até a decisão do ano. Tudo indica que os melhores do mundo inevitavelmente alcançarão o pelotão da frente.

Kanoa Igarashi demonstra capacidade de fazer sempre o melhor diante de suas limitações.

O enorme desafio de um vice-líder

Agora, Kelly Slater, que apesar do nono lugar, está na vice-liderança do ano.

Sei do risco infame de questionar o maior surfista de todos os tempos, o cidadão que quebrou todos os recordes do esporte – inclusive o de surfista mais velho a vencer uma etapa do circuito mundial. Mas as múltiplas condições de onda oferecidas na temporada despontam como um obstáculo à presença do americano em Trestles.

Kelly não terá facilidade para voltar às primeiras posições em ondas de manobras de alta performance, longe de arenas afeitas a tubos. A última vez que ele chegou às semifinais em ondas com essas características foi em Keramas, em 2019, naquela etapa que ele venceu Filipe Toledo nas quartas. Ainda assim, é preciso dizer, surfou ondas que combinavam tubo com manobras progressivas.

Das sete etapas restantes na temporada, Kelly terá boas janelas de oportunidade em Teahupoo e G-Land. Caso dê sorte, há ainda The Box, em Margaret River, que no entanto não costuma sustentar uma janela inteira. Ele terá que ir muito bem nessas etapas para compensar a provável pontuação baixa em ondas que exigem surfe progressivo. Isso sem falar no fato de que estará competindo contra os melhores do mundo, mais novos que ele, em todas as ondas, e em condições distintas de mar. Apesar de ter vencido Pipeline este ano, ele perdeu diversas etapas seguidas nessas mesmas ondas de consequência, para quase os mesmos surfistas de 2022.

Kelly Slater não terá facilidade para voltar às primeiras posições em ondas de manobras de alta performance, longe de arenas afeitas a tubos.

Seria uma história belíssima ver Kelly Slater de volta a Trestles. Torço, apenas, que caso ele alcance a vaga, que seja pelos próprios méritos. Há um evidente risco da pressão imposta à WSL para sustentar os sonhos de Kelly e uma grande odisseia.

Em Portugal, vi um resultado controverso contra o Caio Ibelli, no round dos 32. O tubo de Kelly que rendeu 8,17 seria incompleto se em seu lugar estivesse qualquer outro surfista. E a última onda de Caio – um canudo extenso e bem surfado – causou, no mínimo, um desconforto nos juízes. Era como se ele não pudesse vencer.

A WSL, aliás, precisa de uma revisão de olhar sobre o surfe de Caio. O paulista, talentoso e versátil, já perdeu algumas vezes para julgamentos imprecisos.

Agora, vamos à Austrália.

Em mais um resultado controverso, Caio Ibelli cai no round dos 32. WSL precisa de uma revisão de olhar sobre o surfe de Caio, que já perdeu algumas vezes para julgamentos imprecisos.