Larry Bertlemann

Um divisor de águas

Poucos surfistas em todos os tempos foram tão influentes quanto havaiano Larry Bertlemann, pioneiro da progressividade no esporte.

Nos anos 70, as transformações faziam do surfe um laboratório a céu aberto em termos de estilo de vida, comportamento, experimentalismo na moda, nas manobras e nos equipamentos.

Grandes nomes da Austrália e África do Sul chamavam a atenção nas revistas Surfer e Surfing, mas ninguém era mais transgressor do que um havaiano da Big Island.

Ninguém inspirou e pirou mais do que Larry Bertlemann, um cara que já fazia a diferença com sua cabeleira black power, mas sobretudo com o seu surfe agressivo, intenso, sem jamais perder o romantismo das linhas clássicas.

À vontade em qualquer mar, das ondas mais fun de Ala Moana aos buracos mais sinistros de Pipeline, Bertlemann destacava-se pela naturalidade e causava meio que um espanto ao ser notado no crowd, em manobras nunca vistas e que eram possíveis graças aos foguetes teleguiados desenvolvidos pelo master shaper Ben Aipa.

Drops atrasados ao máximo, cutbacks extremos, rasgadas e pauladas no limite mais fora da curva já vistos naquela época, um surfe totalmente expressivo, criativo e monumental em força, equilíbrio e espontaneidade.

Cada onda tinha uma linha imprevista, sempre no style máximo, certamente a maior influência do surfe no skate.

Se Gerry Lopez era o cara em termos de estilo, Larry Bertlemann, pela atitude inovadora e progressiva, tornou-se a ruptura mais radical num momento de transição do surfe clássico para o que viria a ser considerado modernidade do surfe, isso durante o auge transformador, inclusive pela então invasão australiana na cena do North Shore lá pelo início até a metade dos anos 70.

Enquanto a revista Surfer, mais tradicionalista, arrebentou nas bancas com a edição especial Lopez, the classic hawaiian surfer, traduzida no Brasil por Carlos Lorch, lançada pela Fluir, por outro lado a  Surfing, mais arrojada, teve uma edição que celebra Larry Bertlemann, the rubberman, com o artigo Anything is Possible.

O certo é que tanto Lopez como Bertlemann dividiam a idolatria entre as novas gerações despencadas na paixão pelo surfe. Bem depois vinham os bronzed aussies ou o sul-africano Shaun Tomson, outro que ficava de ponta cabeça na saída dos tubos em Pipeline.

Poucos surfistas foram tão marcantes como Larry Bertlemann, um dos primeiros a dar aéreo ou trocar de base como se trocasse de prancha.

A manobra dele era até chamada de “larryels”. Daí em diante, uma galera de Christian Fletcher a Kelly Slater, de Tinguinha a Gabriel Medina, toda essa gente inspirada incorpora traços marcantes da progressividade de Larry Bertlemann.

Se hoje o surfista decola, aterrissa e faz tudo ser possível e ao mesmo tempo impossível na onda, isso tem muito a ver com o surfe de Larry Bertlemann. Simplesmente o cara que lá atrás já fazia um surfe com muitas remadas à frente de seu tempo.

Isso com uma outra concepção, uma outra leitura de onda, uma perspectiva que poderia ser chamada de a verdadeira psicodelia nas ondas, em que as manobras saíam somente da imaginação criativa de Larry Bertlemann, e que poucos se atreviam a ir na cola, como por exemplo outros legítimos havaianos: Buttons Kaluhiokalani e Dane Kealoha, este já nos anos 80.

Guardadas as proporções, assim como o Black Sabbath deixa sua digital na história do rock ao estabelecer as bases do que viria a ser o heavy metal, Larry Bertlemann é o pai, o filho e o espírito do surfe progressivo, o surfista que simplesmente divide o esporte entre antes e depois dele.

O vídeo acima, Revert To Bert, conta essa história ultra radical do surfe moderno.

Assista mais vídeos no canal Larry Bertlemann.

Esse artigo foi originalmente publicado em março de 2023