De competidor a shaper

Exclusivo: as pranchas do Fia

Fábio Gouveia, ídolo do surfe nacional, concede entrevista exclusiva para falar do seu início, carreira competitiva na elite mundial e atual fase como shaper.

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Fabinho nas Maldivas.Arquivo pessoal Fábio Gouveia
Fabinho nas Maldivas.

Escrever sobre Fábio Gouveia não é tarefa fácil. Ao recordar que o paraibano foi o primeiro brasileiro a conquistar o título de Campeão Mundial Amador, em Porto Rico 1988, podemos seguir enfileirando os feitos do Fia. Entre eles, destacam-se a primeira vitória de um brasileiro em Sunset, o pioneirismo ao tornar-se Top 16 da ASP e seu protagonismo e irreverência registrados com maestria no documentário Fábio Fabuloso, um clássico da filmografia do surfe nacional.

 

Após uma carreira sem precedentes no surfe brasileiro, Gouveia, que desde jovem tinha intimidade com o universo das pranchas e sua construção, empreendeu na carreira discreta, ao melhor estilo Fia, mas ao mesmo tempo produtiva, de shaper. Antes de começar a desenvolver modelos no computador, o paraibano que hoje reside em Floripa, estabeleceu como meta fabricar mil pranchas à mão, algo característico de Fabinho.

 

“Se os shaper ralaram, eu também tenho que ralar”, diz ele.

Durante sua trajetória como shaper, embora relativamente curta em termos oficiais, mas longa na experiência em si ele já colocou à prova alguns de seus modelos:

 

“Fiz quarenta e cinco pranchas e com algumas delas fiz finais, venci campeonatos. Mas depois, com o casamento ainda jovem, e a chegada dos filhos, precisei parar e me dedicar às competições”, relembra.

 

Gouveia produziu pranchas campeãs, patrocinou alguns atletas e atualmente dedica-se a desenvolver seus próprios modelos, além de firmar parcerias,= como a mais recente com a Magic Surf, responsável pela fabricação da linha de pranchas Power Light.

 

De acordo com informações da empresa, a Magic Surf e empresa será responsável pela produção das pranchas em carbono, madeira, bem como carbono e madeira, projetadas por Fabinho.

 

Fábio Duarte, CEO da Magic Surf.Larissa Thomas
Fábio Duarte, CEO da Magic Surf.

 

“Fabinho é um ícone do surfe brasileiro, e conseguimos absorver as peculiaridades de cada cliente, produzindo a prancha ideal para suas necessidades”, afirma Fábio Duarte, CEO da Magic Surf.

 

Confira abaixo uma entrevista exclusiva na qual Fabinho fala sobre seu atual momento como shaper, planos para o futuro, experimentos, planejamento, pranchas, entre outros temas. Vale muito o drop!

 

Como você vê essa sua transição de surfista profissional para shaper?
Desde que me envolvi com o universo do surfe, sempre tive afinidade com as oficinas de pranchas e os consertos. Na época, precisava me virar para ter meu equipamento, já que meu pai me deu minha primeira prancha, mas depois tive que me virar sozinho. Comecei a consertar pranchas e aprendi muito com o Paulo Bala, que infelizmente não está mais entre nós. Ele me ensinou a consertar, lixar e eu o via shapeando. A parte de shaping, por sua vez, aprendi com o Rogério Bastos, da Custom Surfboards.

 

Fabinho com seu primeiro patrocinador, Paulo Bala.Arquivo pessoal.
Fabinho com seu primeiro patrocinador, Paulo Bala.

 

Com ele, o processo era mais profissional, e ele me levava para a sala de shape, onde eu observava e debatíamos as mudanças, eu passava feedback para ele. Foi aí que meu interesse real por pranchas começou. Cheguei a fazer muitas pranchas em miniatura, como chaveiros. Fazia todo o processo, só que em miniatura. Vendia na escola e ia tocando, surfando nas praias locais, competindo. Quando a Teccel foi criada no Brasil, que era a Surf Blanks com matriz australiana, por volta de 1991, coincidiu de eu ter o patrocínio e estar de mudança para Recife.

 

 

 

Meu cunhado tinha uma fábrica de surfe perto da do Rogério Bastos, então eu vivia nas fábricas de pranchas. Aliado a esse patrocínio, me ajudou bastante porque eu tinha os blocos, as oficinas, a assessoria do Rogério, e aí comecei, por volta de 1991. Cheguei a fazer 45 pranchas nessa época. Lembro que cheguei a ficar em terceiro na etapa brasileira do CT, o Alternativa Pro em 1992, acho que perdi para o Damien Hardman. Surfei em algumas etapas da Europa, surfei em eventos no Japão, inclusive em um que fui campeão na piscina.

 

Mas chegou um momento em que precisei parar, pois casei cedo, tinha os filhos, tinha que treinar, minha carreira estava crescendo. Eu morava em Recife, tinha que ir para Porto de Galinhas para surfar, e perdia pelo menos duas horas no trânsito. E não estava fluindo. Mas sempre curti prancha, sempre olhando o material de um competidor de outro. Em determinado momento, comecei a trabalhar com vários shapers do mundo todo. Chegava no Havaí, por exemplo, e era super importante ter o feedback de um shaper havaiano, que sabe fazer pranchas grandes.

 

Depois ia para a Austrália e fazia o mesmo processo. Então, fui fazendo prancha com muita gente. Parei de shapear naquela época, mas o processo ficou dentro de mim. Nesse contexto, eu ia guardando as pranchas. Guardei pranchas diferentes, que funcionavam, e ia tirando outlines, sempre visitando as fábricas no Havaí, na Austrália, na Califórnia, Europa. Sempre tive em mente que quando parasse de competir, voltaria a shapear. No final da minha época como competidor, em 2008, com a máquina entrando forte, comecei a me interessar de novo por prancha.

 

Consertar prancha, sempre tive oficina em casa, pois sempre cuidei das minhas pranchas. Nunca abandonei a resina, nunca abandonei o bloco, e sempre fazia um experimento ou outro. Em 2008, fiz o curso para saber desenvolver o design na máquina, mas de imediato não curti porque a máquina às vezes deixava uma diferença muito grande.

 

Fabio Gouveia, Waimea, North Shore de Oahu, Havaí.Nancy Geringer
Fabio Gouveia, Waimea, North Shore de Oahu, Havaí.

Eu fazia na máquina e depois tinha que medir, e saía um lado maior que o outro, dava diferença às vezes de meia polegada porque às vezes tinha a longarina que estava torta.Aí, depois disso, continuei shapeando na mão, até porque queria resgatar um processo que vivi lá atrás e queria readquirir aquilo.

 

Além disso, eu pensava que tinha que ralar, pois todo shaper ralou fazendo pranchas à mão, porque eu não vou ralar? Eu curtia. Então, minha meta era fazer mil shapes manualmente para depois focar na máquina, e foi isso que fiz. Mil shapes na plaina, e depois segui com a máquina porque comecei a evoluir, a galera começou a procurar, alguns competidores também.

 

Fabinho confecciona uma alaia.Arquivo pessoal.
Fabinho confecciona uma alaia.

 

Alguns caras surfavam bem e queriam pranchas repetidas, e repetir prancha na mão é difícil, é muito mais fácil na máquina. E aí começou a correria. Eu pensei que fosse parar, mas a correria das viagens em alguns momentos até aumentou. Então, tive que ir para a máquina. Hoje, 95% das pranchas que faço, que não são muitas, são feitas na máquina. E algumas poucas na mão, mas quando quero fazer um experimento e fica difícil na máquina, eu faço à mão.

 

Passamos por um período de pranchas cada vez mais high-performance, e hoje estamos tendo uma redescoberta das pranchas alternativas como biquilhas, assimétricas, mini-simmons. O que você pensa desse momento?
Quando eu competia, sempre admirei muito essa vertente. Eu ia para Austrália, África do Sul, Estados Unidos, e a gente sempre via muita gente surfando com pranchas diferentes, o que para eles sempre foi normal, os gringos sempre surfaram também com esses tipos de pranchas diferenciadas. Lembro que tinha uma galera que trabalhava no Tour: fotógrafos, juízes, dirigentes, jornalistas, e os caras carregavam essas pranchinhas diferentes com eles, e a gente surfava lado a lado.

 

 

Lembro do Derek Hynd, do Jesse Faen, e eles surfavam com fishes, e eu sempre ficava amarradão. Mas, se você saísse do nicho das pranchas de competição, você perdia o foco e o pé das pranchas. Então, eu sempre ficava pensando: quando parar de competir, vou usar todos os tipos de pranchas, fishes, mini simmons, longboards, etc. E no Brasil demorou para chegar essa tendência, eram poucos que usavam pranchas diferenciadas. Lembro que quando parei de competir, passei praticamente 1 ano surfando só de fish.

 

Engraçado que lembro até de uns fotógrafos amigos chegarem pra mim falando: “pô cara, você só está surfando com essas pranchas agora? Elas não têm bico!” Então você não via praticamente ninguém surfando com essas pranchas.

 

Derek Hynd, sem quilhas sem Jeffreys Bay, África do Sul.Axel Piperno
Derek Hynd, sem quilhas sem Jeffreys Bay, África do Sul.

Aqui no Sul acho que só o Machucho. Acho que isso demorou pra pegar aqui no Brasil. Talvez tenha começado em São Paulo, talvez Rio, depois veio para o sul, agora no Nordeste está entrando forte também, mas a região demorou a aceitar essa vertente.

 

Hoje, com o surfe crescendo, todo mundo assiste tudo nas mídias sociais, sites, e a galera vê que é legal ter outras formas de se divertir com pranchas diferentes. Vou até citar uma frase que não sei de quem é: “não existe prancha ruim, existe a prancha errada para aquele tipo de mar.” Hoje eu me divirto em qualquer tipo de onda: uma marola mexida com vento, fraca, você pega uma fish. Quando está pequeno demais, gosto de pegar o pranchão.

 

Fabinho no Pipe Masters, Havaí, 1991

 

Eu até gosto de pranchão em onda boa, gosto de fish em onda boa, gosto de SUP também. Mas são brinquedos para me ajudarem a fazer com que aquele momento que seria ruim em termos de condições, se torne bom. Então dificilmente eu me sinto entediado no mar, até porque meu tempo não é fácil, não surfo como gostaria de estar surfando, não permaneço na água pelo tempo que queria. Então todo tempo na água é precioso e eu saio procurando os brinquedinhos para me divertir corretamente.

 

Sobre Epóxi e PU, como é sua relação com os materiais, nas suas pranchas e nas dos clientes?
Sempre achei o epóxi muito interessante e, lá no passado, em 1988, eu já tinha uma prancha de epóxi. Fui apresentado à fábrica da Surf Project, que era em Biarritz, na França. Quem me mostrou essa fábrica foi um dos meus ídolos, o Felipe Dantas, que me levou lá quando eu estava ingressando no Circuito Mundial. Ele já competia e usava essas pranchas lá. Eu usei uma prancha de epóxi, com carbono e kevlar. Lembro que eram pranchas extremamente fortes e leves, por volta de 1,800 Kg.

 

Fabio Gouveia e prancha Swell Lines, do shaper Paulo Bala, OP Pro 1986, Santa Catarina.Arquivo pessoal Fábio Gouveia
Fabio Gouveia e prancha Swell Lines, do shaper Paulo Bala, OP Pro 1986, Santa Catarina.

 

Eu usava essas pranchas nas marolas, eram minhas maroleiras. Inclusive, tive ótimos resultados na época. O que era difícil nesse tempo era que não tinha material para consertar. Hoje, mesmo não sendo tão simples assim consertar epóxi, você vai para um lugar inóspito, quebra algo na prancha e não consegue consertar. Para levar no avião não é tão fácil, pois é inflamável. Então, basicamente, parei de usar esse tipo de prancha pela dificuldade em fazer reparos.

 

Para você ter uma ideia, eu levava Araldite (cola especial) e com ele eu cobria parte do isopor e conseguia remendar com resina poliéster normal. Quando começou essa nova era do epóxi, acho que há dez anos, voltei a surfar com epóxi e no primeiro dia que surfei na marola curti bastante. Mas lembro que no segundo dia, que fui usar em um mar mexido de um metro, com vento, eu não gostei da prancha, odiei. E odiei ainda mais em uma vez que fui para um campeonato em Porto de Galinhas.

 

Murillo Brandi, Rodolfo Lima, Jorge Pacelli, Taiu, Fabinho Gouveia e Anésio, Kuilima, Hawaii,Arquivo pessoal
Murillo Brandi, Rodolfo Lima, Jorge Pacelli, Taiu, Fabinho Gouveia e Anésio, Kuilima, Hawaii,

 

Comecei surfando com minha prancha de PU, mas como eu tinha essa prancha de epóxi que flutuava bem, era mais cheinha, eu decidi trocar para correr a bateria. Estava um vento muito forte. Entrei na bateria e me dei mal. Lembro que eu precisava de dois e pouco para passar e não consegui porque eu errava o tempo da manobra, ia bater e caía para trás, enfim, me arrasei e pensei: “meu irmão, não quero mais saber dessa porcaria de epóxi” (risos).

 

Aí encostei essa prancha, mas depois fui fazendo pranchas de epóxi para os clientes, tendo um bom retorno. Acabei voltando a usar e hoje em dia estou bem adaptado com esse material. Surfo com elas de meio a dois metros. Mas prefiro o desempenho do epóxi nas marolas. Por exemplo, fiz algumas viagens para Maldivas, México, Indonésia e lembro que em alguma ocasião levei só pranchas de epóxi por ter vendido todas as de PU e naquela hora era o que tinha.

 

Fábio Gouveia, North Shore de Oahu, HawaiiArquivo pessoal
Fábio Gouveia, North Shore de Oahu, Hawaii

 

Em mar grande, com vento terral forte, eu via que faltava prancha, que ficava fofa. Então, geralmente, hoje em dia, basicamente as maroleiras do quiver são epóxi e em ondas maiores eu prefiro PU. Parece que o epóxi, em uma onda mais forte, com vento terral principalmente, ela fica fofa, ela não vai. Mas é um material que veio para ficar, ao que parece. Sempre temos tendências, modas, etc. A competição dita muito esse ritmo. Mas o legal é você experimentar as coisas e ter sua percepção. Sempre falo para os clientes: eu acho isso, mas você tem que pegar a prancha e sentir.

 

Quais são os shapers que influenciaram seu trabalho?
Foi o Paulo Bala, lá atrás, dono da Swell, em João Pessoa, na Paraíba. Ele foi o cara que me levou para as fábricas. Na época, era comum os caras descascarem a prancha e reshapear, e foi assim que tive minha primeira prancha nova. Mas a influência de shape mesmo, forte, foi a de Rogério Bastos, da Custom, Realce Nordeste, em Recife. Eu ia para a sala de shape com ele e aprendi muito. Um pouco de influência também veio do Ronaldo Barreto, da Radical.

 

 

Depois, com as viagens, fiz pranchas com muita gente e sempre admirava o trabalho de diferentes shapers. Quando estava na Xanadu, tive um contato constante com ele, apesar de não entrar na sala de shape porque ele mora na Califórnia e eu estava sempre viajando. Cheguei a entrar algumas vezes, mas não para ficar olhando os shapes e sim para trocarmos informações. Ele foi importante na minha evolução porque, na época que entrei na Xanadu, o Kelly Slater estava em plena ascensão, chegando no circuito com aquelas pranchas muito estreitas.

 

Fabinho e Xanadu na Califórnia (EUA).

 

Você via o Kelly surfar e se empolgava, queria surfar como ele, o cara tinha uma forma totalmente diferente de surfar, com pranchas totalmente diferentes. Então, na época que entrei na Xanadu, estava na época das pranchas palito, finas, estreitas, com bico aladim, e não me dei bem no início com essas pranchas. Ele percebeu isso e eu comecei a ter as minhas pranchas boas, e comecei a não ter problemas de pranchas. Porque você, como profissional, passa por várias fases. Tem a fase da pranchofobia, em que você não gosta de nenhuma prancha, fica naquela indecisão de qual é a melhor.

 

 

E o Xanadu, quando percebeu que eu estava tendo dificuldades com essas pranchas mais estreitas, ele criou uma prancha mais cheinha, mais gordinha. No começo foi um pouco difícil de eu me acostumar: eu tinha uma prancha gordinha, para marola, boa; mas não tinha uma prancha suficientemente boa para ondas acima de 1 metro.

 

Porque eu tinha medo de fazer esse tipo de prancha com mais volume para ondas maiores. Então nesse tipo de mar eu permanecia surfando com pranchas mais finas. E eu só comecei a melhorar mesmo quando colocamos volume também nas pranchas maiores. Então esse lance de volume de pranchas, que na época nem era uma medida, eu descobri ali com esse trabalho junto ao Xanadu. Nessa época o Kelly andava muito com os espetinhos, mas poucos caras conseguiam andar com aquele tipo de prancha.

 

Fábio Gouveia é novo parceiro da Power Light, fábrica de pranchas da Magic Surf.

 

Como você se inspira para criar seus modelos?
Eu tenho muitas pranchas antigas que guardei e tirava muitos outlines delas. Mas hoje em dia, depois desse tempo experimental, eu vou surfando e criando. Faço a prancha, vou viajar, surfo aqui em Santa Catarina, um lugar com várias ondas diferentes, onde você pode testar pranchas em ondas grandes, beach break, fundo de pedra… e vou criando a partir das minhas percepções.

 

Também quando faço prancha para um competidor, para um grommet, que está almejando surf de competição, vou me inspirando ali naquela troca. Teve um momento em que fiquei focado em shapear gunzeiras para pegar ondas maiores.

 

Barca do Fia, El Salvador

 

Parei um pouco porque comecei a me machucar e dei um tempo do big surf, mas espero voltar. Então, fiquei um bom tempo fazendo muita gunzeira, o que me deu um know-how muito grande nesse tipo de prancha.

 

Tem a época da fish… sei lá, estou ali, faço uma fish, as ideias vão fluindo… Trabalho muito nas coisas que vêm à minha cabeça. Não tenho muito tempo para olhar tudo no trabalho dos outros shapers, eu vou criando minhas coisas e o trabalho acaba fluindo do meu jeito. Mas é isso, as criações vêm muito do momento.

 

Às vezes vêm à noite e eu estou na cama, levanto, vou no computador. Às vezes o cara acorda, está com insônia na madrugada, e já está pensando naquele boi lá e já cria para não esquecer…

 

Fábio Gouveia, Salina Cruz, México.

 

Pra onde você acha que caminha a evolução das pranchas: design ou material?
No design, as pranchas estão evoluindo sempre, principalmente no que diz respeito a fundos e quilhas. Sobre os outlines em si, penso que ainda há espaço para ajustes finos. Eu nunca mais acompanhei o circuito mundial de perto como acompanhava, faz uns cinco anos que não tenho muito contato, e não tenho olhado tanto as pranchas, mas é claro que vejo uma ou outra.

 

E não vejo tanta diferença assim de design grotesca como a gente viu a criação do concave utilizado como conhecemos hoje, pranchas com bastante curva, com concaves fundos. Acho que hoje em dia é o material que puxa a evolução. Teve essa mudança da inclusão do volume nas medidas de uma década e meia pra cá, mas acho que essa questão do material em si, do epóxi, do carbono, das quilhas, é o que mais está evoluindo e o que vai mais evoluir.

 

Pranchas Power Light utiliza madeira e fibra de carbono em seus modelos.Divulgação.
Pranchas Power Light utiliza madeira e fibra de carbono em seus modelos.

 

Sempre aparecem materiais diferentes, mais sustentáveis, mais leves, mas não necessariamente são coisas que ficam. Às vezes é mais aquele lance de propaganda.

Qual é o seu modelo que faz mais sucesso?
Eu gosto muito de fish, sempre gostei. E acho que passo isso, pois surfo bastante com esse tipo de prancha. É aquela coisa, quando você começa a pegar onda de fish, se você não é competidor brother, focado, putz, já era. Porque é muito bom e muito difícil o cara não gostar. Só aqueles puristas mesmo, que o cara quer sempre, pra vida inteira, o espetinho. E não descobre outra forma de se divertir.

 

Fabinho com uma prancha Custom, ao lado de  seu pai Marcos Lúcio no Alternativa Pro, etapa do Circuito Mundial realizada no Rio de Janeiro.Reprodução do livro a História do Surf no Brasil
Fabinho com uma prancha Custom, ao lado de  seu pai Marcos Lúcio no Alternativa Pro, etapa do Circuito Mundial realizada no Rio de Janeiro.

 

Mas, claro, eu respeito o gosto de todo mundo. Então, respondendo, acho que são as fish e as semi fish, que é o modelo future twin, que é um modelo bem versátil e eu acabo usando a plataforma dele pra usar com quad, com tri. Então eu sigo competindo e gosto de usar quilhas diferentes como a S Wings, da França, que são quilhas interessantíssimas. Você vê o Tom Curren usando um skimboard, taca essas quilhas doidas, e sai surfando, testando.

 

 

Você ganhou campeonatos na Piscina. Fale sobre o que representa o surfe em piscinas em termos de evolução de equipamentos:
No Japão, eu ganhei dois campeonatos e fiquei em segundo em outro. Na Flórida, fiquei em terceiro no Tyfon Lagoon. Quando eu competi no Japão, a gente achava que tudo seria muito rápido, que o futuro das piscinas estava logo ali. Porém, a tecnologia era muito cara, e hoje em dia essa tecnologia foi barateada e tem sido mais fácil de ser comercializada. Mas é um laboratório muito bom, tanto para a evolução do esporte em termos de manobras quanto para as pranchas.

 

Ali você tem a possibilidade de testar uma prancha, sair, trocar de quilhas, em uma mesma onda. Esse lance de densidade da água, doce ou salgada, eu não sinto, é um negócio que passa despercebido pra mim. Não sei se é porque eu surfo com pranchas mais volumosas e elas, tanto faz epóxi ou PU, flutuam bem. Mas claro, na piscina a gente tem vários artifícios, porque às vezes você faz uma prancha volumosa pra remar melhor no mar, pra disputar onda, pra entrar na onda mais no fundo.

 

 

Na piscina, como a onda está ali no lugar exato, não tem crowd, é tudo com hora marcada, você não tem necessidade de usar uma litragem maior, você pode até usar uma prancha com menos litragem porque a onda pode ser cavada, em pé. Às vezes você tem força, mas não tem explosão. Enfim, são vários tipos de ondas e você pode escolher a que mais se encaixa com seu momento e seu equipamento. Então, é um laboratório incrível, a piscina veio para ficar e, como falei, com essa facilidade em termos de custo, a tendência é democratizar cada vez mais.

 

Fabinho se prepara para a bateria no Geribá Masters, Búzios (RJ).

 

Vejamos a Wave Garden, que tem lançado várias piscinas ao redor do mundo, mas as tecnologias não param de evoluir, a todo momento surgem novas ideias. E com o custo baixando cada vez mais, ainda temos muito que evoluir nas ondas artificiais. Surfei na onda da Perfect Wave, na Fazenda Boa Vista, uma onda incrível, uma diferença grande das que eu surfei no Japão (risos), que aliás já eram boas e tiveram evolução depois.

 

Lembro que retornei ao Japão, três, quatro anos depois, e a onda já tinha melhorado, e é isso. Ainda não surfei na onda do Kelly, mas estou com uma barca para Maldivas e tentando ver se consigo dar uma fugida e surfar naquela de Abu Dhabi, mas não está liberada ainda, mas eu estou tentando.

 

Fabinho durante o Geribá Masters, Búzios (RJ).

 

Você acredita que haverá um momento no qual pranchas alternativas serão usadas na elite do surfe mundial?
Acho que já teve esse espaço em um passado recente. Acho que Kelly Slater e Dane Reynolds, na época que o Dane competia ainda, que ele começou a parar, ele já usava uns modelos diferenciados e quebrava, e não tinha como os caras não darem nota. Acho que o Kelly também fez a parte dele ali quando começou a diminuir o tamanho das pranchas, usar quad.

 

 

Mas nos anos 1990, se você chegasse com uma prancha sem bico, você não passava bateria, era outra parada, os caras queriam ver bico. Hoje em dia os caras querem ver rabeta (risos)… rabeta passando. Se o cara performar, a mente da galera está bem aberta, e acho que está mais para pranchas performance. Mas depois dessa virada aí, por volta de 2009, 2010… lembro até de um evento que o Kelly venceu em Pipeline, Backdoor, com a água marrom.

 

Ele estava com uma prancha pequena, se não me engano 5’9″ ou 5’8″… Mas enfim, hoje eu acho que os juízes estão com a cabeça muito mais aberta e se o cara quebrar, eles vão soltar a nota. Pode até ter um outro com esse pensamento, mas bem menos que no passado.

 

Quais atletas fazem parte da sua equipe?
Como eu te falei, eu não sou um fabricante de pranchas. Eu shapeio pranchas, e eu não fabrico muitas pranchas. Já tiveram mais atletas usando minhas pranchas, mas atualmente só o Junior Lagosta, que foi o primeiro e hoje o único. Mas eu fiz pranchas para a Monik dos Santos, outras para o Gabriel Sampaio, big rider de Itacoatiara. Faço pranchas esporádicas, para alguns atletas e para freesurfers também.

 

Fabinho se diverte de pranchão em Floripa.

 

Mas meu foco é mais a galera que quer se divertir mesmo. Já apoiei alguns atletas, mas é difícil, porque geralmente o atleta que está em busca de apoio não tem grana, e como não sou um fabricante de pranchas, não tenho grana pra reinvestir. O que eu consigo fazer é dar minha mão de obra e o cara paga o material. Mas atletas em início de carreira nem sempre têm um patrocínio que pague as pranchas.

 

Porque na real o fabricante de pranchas é o que menos ganha. Mas eu sempre estou aberto quando a galera precisa de uma força. Mas no momento, equipe só o Junior Lagosta mesmo. Eu cheguei a apoiar cinco, seis atletas, e às vezes coincidia de todos eles estarem precisando de pranchas ao mesmo tempo, e eram quatro ou cinco pranchas para cada um.

 

 

Então eu ficava na correria pra atender a galera e perdia uma sessão de surfe importante, ou deixava de ir para fisioterapia, pra academia (porque eu to sempre ferrado… risos), pra não deixar o cara na mão. Era sempre muito difícil. Pra esse tipo de relação fluir bem, você tem que ter uma equipe na fábrica. Eu sou o shaper solo.

 

Qual a primeira coisa que você olha quando pega uma prancha?
Geralmente, eu olho a curva, o posicionamento das quilhas. Se for para mim, vou olhar também a flutuação. Mas, em geral, observo a curva, o outline, as quilhas e o material também. O lance é dar aquela escaneada.

 

Foto clássica dos meados dos anos 1990: Fabio Gouveia, Teco Padaratz, Piu Pereira e Alberto Sodré

 

Já aconteceu de você olhar uma prancha linda, toda certinha, e quando ela entra na água, não funciona?
Já aconteceu! Inclusive, eu estava falando sobre isso com o Picuruta hoje… rs. Eu fiz uma prancha para ele recentemente, porque ele está fazendo um quiver de biquilha, e ele me mandou os feedbacks da prancha hoje. Eu estava falando exatamente sobre isso. Uma vez, eu fiz uma prancha com Greg Webber na Austrália, que a princípio era para ser uma cópia de uma prancha minha.

 

Foto rara de Fabinho (em pé): OP Pro 1987, praia da Joaquina, Florianópolis (SC).Arquivo pessoal
Foto rara de Fabinho (em pé): OP Pro 1987, praia da Joaquina, Florianópolis (SC).

 

Quando a prancha chegou, achei alucinante. Mas, quando coloquei na água, ficou ruim pra caramba. Mas essa mesma prancha, que ficou ruim naquele dia, eu guardei e fui usar seis meses depois. Cara, a prancha ficou mágica e acabei parcialmente vencendo um evento no Japão com ela. Acabei não ganhando o evento porque a parti na semifinal, mas acabei ganhando lá com a prancha do mesmo shaper, que comprei do atleta do cara, Shane Hering, que tinha abandonado a prancha na fábrica.

 

Resumindo: ganhei do Hering na semifinal e do Michael Romelse na final, ambos atletas da Insight, marca do Greg Webber. Eu estava até debatendo isso hoje com o Picuruta, que é um fera e tem o Almir Salazar ao lado dele, ou seja, entende tudo de prancha. Mas eu estava falando que às vezes você pega uma prancha que achava ruim, troca as quilhas e a prancha muda totalmente. Muita gente não tem a paciência de esperar um pouco, de usar a prancha no mar certo, são muitas vertentes que o cara precisa investir um tempo para entender melhor a prancha.

 

Fabio Gouveia no Four Seasons Maldives Surfing Champions Trophy 2014, Sultan’s.Divulgação
Fabio Gouveia no Four Seasons Maldives Surfing Champions Trophy 2014, Sultan’s.

 

Você acha que hoje o shaper brasileiro é reconhecido internacionalmente?
Sim, claro. E isso não vem de hoje. Mesmo antes da ascensão do Xanadu, do Marcio Zouvi, inclusive, eu usei muita prancha do Marcio e hoje meu filho Ian usa. Antes desses caras, eu via os shapers brasileiros arrebentarem no Havaí. Nosso amigo que está no Céu, Jorge Vicente, por exemplo, teve o título mundial com o Derek Ho.

 

Ele também ajudou no título do Sunny Garcia, que usava muito suas pranchas. Ele fazia pranchas para vários havaianos locais, como o Pancho Sulivan. Além dele, havia o Heitor Fernandes, Manuel Fernandez, além dos nossos lixadores, laminadores como o Horácio Seixas, o Murilão (falecido). Brasileiros rodaram mundo afora: Japão, Austrália, EUA, Europa. Acho que o que pegava para a gente era a questão do material nacional, que era sempre inferior ao gringo.

 

O quiver de Fabio Gouveia, Kuda Huraa, Maldivas.Ader Oliveira
O quiver de Fabio Gouveia, Kuda Huraa, Maldivas.

 

Mas hoje a turma exporta material brasileiro, temos a Teccel, por exemplo, que exporta bloco para o mundo inteiro. Essa ascensão da Brazilian Storm tem muito também dos shapers brasileiros. Temos que citar o Joca Secco, Ricardo Martins, Avelino Bastos, entre vários outros. Para mim, os shapers do Brasil sempre foram top shapers mundiais, posso falar isso com propriedade porque fiz prancha com Deus e o Mundo, ganhei campeonatos com pranchas estrangeiras, com pranchas nacionais, e fiz minha carreira com grande participação de shapers brasileiros. Agora, estamos na ponta e é mais que justo.

 

 

E Fábio Gouveia, vai passar um tempo viajando, shapeando?
Quando comecei a shapear, minha ideia era exatamente essa, ser um shaper freelancer e viajar o mundo fazendo pranchas. Mas aí veio a Pandemia e precisei adiar esses planos. No início de 2020, fui para uma feira de esportes com pranchas no Japão a convite da Teccel. Na época, tinha Teccel no Japão. A ideia seria eu voltar para lá, fazer umas pranchas, depois partir para a Indonésia.

 

Mas a pandemia atrapalhou tudo, depois rompi ligamento de joelho, agora já tô com problema de quadril. Mas depois que eu melhorar, pretendo fazer uma temporada na Indonésia. Porque acho que shapear é isso, você viajar, aprender. Eu também queria usar o artifício do shape para voltar aos lugares que eu ia como competidor: Austrália, Japão, América, ficar no Havaí dois, três meses fazendo pranchas.

 

O pernambucano Junior Lagosta é o test riders dos foguetes de Fabinho.

 

Essa é uma nova perspectiva para no Havaí porque hoje em dia, sou um freesurfer. Tenho meus patrocínios ainda, mas não tenho aquele compromisso de ficar o dia inteiro na praia, fazer fotos. Eu procuro outras coisas para procurar dar retorno de outra forma. Quero ingressar em alguma fábrica, pegar onda, curtir, aprender cada vez mais sobre prancha porque eu aprendendo vou satisfazer muita gente e principalmente a mim. Porque não tem instiga melhor do que você fabricar a prancha e ficar doido pra colocar ela na água.

 

Pra finalizar, queria que você falasse a respeito das polêmicas relacionadas ao julgamento do CT. Você acha que existe má vontade no julgamento dos brasileiros?
Acho que muitas vezes a gente presta mais atenção nos nossos surfistas do que nos gringos. Mas falando da bateria do Leo contra o Gabriel, ali o bicho pegou, ele surfou muito. Tinha onda ali que o cara merecia mais nota, mas se der mais nota, o cara vem de novo e faz melhor e vai ficar faltando espaço pra dar nota… Então acho que às vezes quando o cara surfa muito, quando ele é excepcional, acaba que atrapalha, porque os juízes ficam esperando mais e mais, e o cara já faz mais pra caramba só que quem tá julgando não dá a nota porque espera mais ainda!

 

Fábio Gouveia, Sunset, North Shore de Oahu, HawaiiBruno Lemos / Lemosimages.com
Fábio Gouveia, Sunset, North Shore de Oahu, Hawaii

 

Na bateria contra o Colapinto saíram dois scores ali que atrapalharam a bateria. Não estou dizendo que os caras roubaram, eles erraram. Aí eu fiquei imaginando: se o Colapinto pegasse aquela onda que o Gabriel pegou, quanto os caras não iriam dar? Será que os caras não iriam dar acima de oito? No meu feeling eu acho que sim. Então acho que naquela bateria os caras julgaram errado. Beleza, o Colapinto venceu ali, apertado, mas os caras erraram. Talvez se eles tivessem dado a nota correta para o Griffin nas duas ondas, não falo a primeira, mas a terceira e a quarta.

 

Aquela que ele deu uma primeira rasgada agarrada e depois deu uma batida na junção totalmente desconcertada, com os braços todos trocados, deram um seis alto. Jamais seria essa nota. Na outra ele caiu na terceira manobra… as duas primeiras foram boas, mas aquela terceira ele caiu e tecnicamente deixaria de ganhar um escore maior. Tem também o lance de você estar assistindo na Internet ou ao vivo. Eu sempre fico muito cuidadoso em falar algo nas minhas mídias sociais porque você não está na praia vendo… Sempre tem dez por cento a mais em tamanho de onda a mais.

 

Griffin Colapinto vencedor do Pro Portugal 2024, Supertubos, Peniche.

 

E aquela onda do Gabriel na final era grande, pode até ter sido julgada certa, mas as duas do Colapinto não. E aí você vê direto os caras mudarem o critério. Por exemplo, diversificação de manobras, o Gabriel vai lá, dá uma batida que inverte, dá um 360 no meio da batida, dá uma escorada boa que joga água… ou seja, muita variação de manobras. Mesma coisa o Ítalo na piscina, ano passado.

 

O cara fez uma variação de manobras incrível, ficou em tubo mais deep, e perdeu a bateria. Não existe isso. Então no critério tem variação, e não se julga bem a variação de manobra. Aí fica difícil. Penso que se você surfa uma onda ruim bem, é passível de mais nota. Agora, se você surfar uma onda clássica, fácil e arrebentar, lógico, merece uma boa nota. Mas como naquela final que o Gabriel perdeu para o Julian Wilson no ano que ele foi campeão mundial.

 

 

Na última onda do Gabriel ele fabricou a onda e o Julian veio na onda perfeita. Mas eu acho que a galera erra mesmo. E quando tem um cara que está muito em evidência, a parada vai ser derrubar esse cara. Eu via isso com o Kelly Slater. Eu vi o Kelly no passado perder uma bateria para o Shane Beschen em Huntington Beach que ele não perdeu de jeito nenhum. Não perdia nem com o cão, meu irmão. Ele precisava de uma onda alta, não sei se era um 10. Mas se ele precisasse de um 10, a onda era 10.

 

Porque ele pegou a onda, pegou um tubo, deu um rasgadão, e completou com uma muito forte na junção. Ou seja, o cara fez o impossível, era nota máxima e com certeza ele levou com certeza, mas deram pro Beschen. Mas eu tenho muita fé que o Brasil vai manter esse título. Infelizmente aconteceram coisas como o acidente do Chumbo, essa fase sabática do Filipe que entendo está cansado. É aquilo cara, os meros mortais que somos quando estão no circuito cansam. E quando o cara está no circuito cansado ele cai e quando ele cai vai ter um ano diferente, para recuperar a energia e voltar.

 

 

Acho justo a WSL dar o wildcard para o ano seguinte, porque realmente cansa muito. Senão a carreira dele pode ir para outro rumo e penso que a entidade é que perde. Porque você tem um superstar, no caso o Filipe, Medina, ou qualquer outro desse quilate e no final a WSL sairia enfraquecida sem esses nomes. Mas a gente comenta dos erros e tals e no passado tinha muito.

 

Mas hoje com o advento da internet que tem tudo registrado é muito mais difícil o cara dar uma nota ali absurda, fica feio. A galera que está lá é profissional, o que tem são erros e sei lá, às vezes a gente dá azar pois está vendo sempre pro nosso lado… Mas é isso, quando está o bicho na frente, os outros querem tomar o lugar.

 

Canais citados na matéria WSL, Pepe Cezar, Magic Surf, Fabio Gouveia, Surf Radio 5513