CEO da WSL

Erik Logan vem para o debate

Erik Logan concede entrevista exclusiva ao Waves e fala sobre as polêmicas da WSL sem cerimônias, além das estratégias de negócio em sua gestão, como CEO da liga.

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CEO da WSL, Erik Logan começou a surfar aos 40 anos, após superar medo do mar.

Uma série de mudanças constantes vêm acontecendo no lado competição do nosso esporte, desde que Erik Logan assumiu o cargo de CEO da WSL em 2020. Ex-presidente da Oprah Winfrey Network (OWN), o executivo encarou o desafio de tornar o Championship Tour (CT) da WSL um produto mais rentável em vendas de direitos e transmissão, porém algumas de suas decisões geram grandes polêmicas e discussões na comunidade do surfe.

Algumas dessas mudanças foram consideradas radicais por boa parte do público fiel. A final única em Trestles e o corte de atletas ao meio da temporada são alguns exemplos, além de outras novidades estruturais no calendário de competições, bem como o sistema de classificação para o CT. Muitos acreditam que estas novidades ajudam a expandir o esporte em nível global, enquanto outros questionam se são justas com os atletas. O público mais core, composto em sua maioria por sufistas praticantes e seguidores do Circuito de longa data, também diverge nas opiniões.

Como se não bastasse tantos motivos para discussão, a WSL ainda é alvo constante de críticas públicas no julgamento de baterias. A cada etapa é comum observar entre os espectadores questionamentos sobre os critérios do júri e a transparência deste processo. Muitas vezes essas discussões envolvem inclusive os próprios atletas, seja nos bastidores das competições ou publicamente, nas redes sociais.

Erik Logan nos recebeu cordialmente e com muita simpatia para um bate-papo e uma entrevista exclusiva ao Waves, em que todas essas e muitas outras questões foram abordadas e respondidas com naturalidade e sem cerimônias. O executivo não fugiu das perguntas e trouxe argumentos que podem enriquecer o debate, bem como proporcionar maior compreensão a partir de novos pontos de vista.

Convidamos os leitores para uma análise mais detalhada e um debate sobre os novos rumos do esporte que tanto amamos em nosso fórum. Confira a entrevista a seguir.

Jessi Miley-Dyer, Filipe Toledo, Stephanie Gilmore e Erik Logan, após decisão do título mundial de 2022.

Como você avalia as mudanças que fez na gestão da WSL, desde que você assumiu a posição de CEO em 2020?

Eu assumi esta posição no início de 2020. Italo Ferreira tinha acabado de vencer o seu primeiro título mundial em Pipeline, em uma final épica contra o Gabriel Medina. Com isso veio a percepção e a oportunidade de repensarmos o formato do título mundial, uma vez que tivemos uma rara bateria final valendo o título em muitos anos.

Quando me tornei CEO da WSL foi uma época emocionante e a companhia estava começando realmente a ganhar tração. Mas nove dias depois, a pandemia veio com tudo. Precisamos cancelar a etapa de abertura do Circuito Mundial em Snapper Rocks e por fim o Circuito inteiro em 2020.

A partir daí tive que navegar em conjunto com o meu time de gestão, para decidirmos como proceder em tempos de pandemia. Tivemos que fazer várias mudanças sob a perspectiva da organização e também dos formatos.

A pandemia causou uma série de impactos sobre todas as pessoas, em suas carreiras, em decisões a serem tomadas, mudanças de lugares e muitas outras coisas. Isso também trouxe oportunidades à nossa companhia, de estarmos em lugares diferentes e voltarmos a alguns outros.

O que posso dizer a respeito das mudanças de gestão que tivemos está principalmente no nível Sênior, com a Jessi Miley-Dyer como Vice-Presidente de Tours e Chefe de Competição da WSL, Sarah Swanson como CMO (Chief Marketing Officer), Dave Prodan como nosso Chief Strategy Officer e Jason Eckert como CFO (Chief Financial Officer) vindo da NBA. Essas mudanças foram muito positivas, porque nós encontramos uma maneira de especializar a entidade com mais expertises vindas de fora do surfe. A nossa CMO, por exemplo, trabalhou durante anos na NFL. A Jessi já foi campeã mundial Pro Junior de surf.

Eu acho que da perspectiva de gerenciamento, nós tivemos uma série de outras mudanças, o que é muito comum em todos os negócios. Nós tivemos um ótimo começo e eu não poderia estar mais feliz com o nosso time de lideranças. Com os gerentes gerais também, como o Ivan Martinho, que faz um ótimo trabalho no Brasil.

Nós realmente nos focamos no Championship Tour e trouxemos uma série de inovações, como começar a temporada em Pipeline, ter competição feminina em todas as etapas, inclusive em Pipeline, o corte no meio do ano, o novo formato para coroar o campeão mundial em Trestles, a chegada do Challenger Series, dentre outras.

Os surfistas e os executivos da WSL têm uma única intenção em comum: criar a maior plataforma para o surfe no mundo. E olhando para a nossa performance no decorrer deste ano, acho que estamos no caminho certo para atingir este objetivo.

Kelly Slater e Erik Logan.

Neste processo de criar a maior plataforma para o surfe do mundo, entendemos que a liga como uma empresa precisa dar lucro. Do outro lado temos o surfe como esporte e os atletas. Como vocês tentam buscar o equilíbrio entre desenvolver um negócio lucrativo sem perder os princípios do esporte e a essência do surfe?

Esta é uma discussão constante que nós temos. Sobre como equilibrar o progresso do esporte e o esporte como um negócio. Uma vez que iniciamos essa organização, penso que a coisa mais importante que fazemos na empresa é coroar o campeão mundial. Esta é a base a partir da qual todas as outras decisões vêm. Algumas coisas que pensamos juntos são sobre como amplificar e criar este momento não somente para os surfistas, mas também para os fãs, patrocinadores e a comunidade global do surfe, com momentos sólidos.

Se você olhar para o nosso Tour agora, o que acontece é que quando você começa em Pipeline, isso se torna um grande momento. O corte no meio da temporada e geralmente a parada antes dela como conhecíamos antes. Bells Beach foi um grande momento. Obviamente os cinco que tentam chegar às finais também é outro grande momento, até o Taiti, além do WSL Finals como último grande momento.

Então, o que acontece quando você cria essas narrativas nesses momentos?Estruturalmente, do ponto de vista competitivo, você começa a agregar milhões de pessoas. Assim, como falamos com o WSL Finals, tivemos cerca de 8,5 milhões de pessoas impactadas. E esse número continua a crescer. Em relação ao ano anterior aumentou 22%. Esse é um registro realmente bom de dados. E o que acontece quando você cria essas narrativas e nossos surfistas entendem do que somos capazes? Junto com a Sherie R. Cohen, nossa Diretora de Faturamento (Chief Revenue Officer), somos capazes de alavancar essas audiências agora para patrocinadores globais, porque no final das contas, os nossos patrocinadores estão procurando algumas coisas diferentes.

WSL Finals 2022 decidiu os campeões mundiais em etapa única na Califórnia (EUA).

Primeiramente, eles estão procurando uma maneira de se integrar ao esporte mais inspirador do mundo, que é o surfe. Depois, eles têm produtos para vender também, então estão procurando um público que possa aproveitar para comprar coisas. Quanto mais público e olhos tivermos, mais receita podemos gerar. Em terceiro lugar, eles estão procurando maneiras de realmente se integrar profundamente com o evento e com o nosso negócio.

A vila patrocinada que nós temos em Saquarema é um exemplo perfeito disso. Uma das maiores que temos em todo o Circuito. A presença que temos quando a gente vem para o Brasil é a maior de todas, e os patrocinadores veem isso. Parte da alquimia do negócio é sobre isso. Como utilizamos a estratégia para conduzir essa equação entre o lado profissional do surfe pela maior plataforma e ao mesmo tempo colocar nossos surfistas nas melhores ondas do planeta. Em seguida descobrir como alavancar isso de uma perspectiva de patrocínio. Tudo funciona em equilíbrio, mas no core, nós sempre colocamos o esporte em primeiro lugar.

Falando sobre esse crescimento de público na audiência de vocês, sabemos que aqui no Brasil, por exemplo, temos pelo menos 1 milhão de surfistas praticantes, de acordo com algumas pesquisas. Talvez até mais do que isso, se considerarmos todo mundo que já teve contato com o esporte na prática. Nós os chamamos de público core, que é muito importante para nós e com quem nós conversamos diariamente.

Nesta busca por novos públicos e novos fãs, como que vocês fazem para encontrar o equilíbrio e não deixarem também de atender ou de se comunicar com este público core de surfistas? Qual a estratégia de vocês para encontrar este equilíbrio sem abandonar os antigos fãs?

Se sairmos um pouco do universo do surfe, vamos olhar para futebol, para o beisebol. Olhe para o futebol americano, beisebol Americano, basquete americano. Olhe para o críquete. Olhe para o rúgbi. Todos os esportes. Eles estão focando em dois vetores muito semelhantes.

O primeiro é impulsionar o público, se dirigir e alcançar as pessoas onde quer que elas estejam. E isso através da distribuição de conteúdo e outras coisas dessa natureza, sempre expondo o esporte. Porque quanto mais todas as ligas, incluindo a nossa, expuserem os seus esportes, mais receita podem gerar.

Mas o segundo, que eu acho que é o que fica realmente interessante, é que todos eles estão impulsionando as inovações para o esporte também. Todo esporte que você olhar tem níveis e áreas de inovação, seja a introdução ou não de um relógio de tiro, se é ou não uma introdução da maneira como eles mudam as regras de horas extras, a maneira como eles mudam as regras dos playoffs.

Todo esporte, até mesmo a Fórmula 1, se você olhar para ela, está sempre mudando não só para modificar o esporte em si, mas para tentar melhorar a dinâmica competitiva ou criar algo mais emocionante para os fãs.

O que geralmente acontece diante disso é que você tem um grupo core de pessoas apaixonadas que amam o esporte, como eu também amo, mas que não gostam de mudanças. E normalmente as pessoas não gostam de mudanças. Isso gera um debate, porém não necessariamente uma discórdia. Discussões do tipo, se devemos ou não ter uma linha de 3 pontos na NBA, se o ponto extra no futebol americano deve ou não ser chutado da linha de três jardas. O nosso esporte não é inoculado a partir disso. Nós certamente sabemos disso e abraçamos isso.

Mas quando voltamos como uma liderança em si, e isso é o que sempre dizemos, a nossa intenção é criar a maior plataforma do mundo para o surfe profissional e colocar os melhores surfistas do planeta em cima dela, para impulsioná-los em suas carreiras no esporte para a frente. Essa estratégia é o que permite que o esporte continue a crescer. Continue marchando em direção à sua sustentabilidade como um negócio.

Essa tensão que fica no meio de tudo isso é algo em que eu presto muita atenção também. É uma pergunta que eu escuto muito também, tanto das pessoas, como em outras entrevistas que já participei. Eu só tento destacar e dar mais contexto porque sei que são muitos fãs. E nem todos eles se sentam em nossos lugares no escritório, nem sempre sentam ao lado dos negócios do esporte. Eles se concentram no que devem se concentrar, que é apenas o que está acontecendo no oceano ou o que está acontecendo com os nossos surfistas. Há muitas outras dinâmicas que nos fazem informar ou ter decisões melhores, e trazer isso ao conhecimento do público.

Jessi Miley-Dyer (à esquerda) é vice-presidente sênior de Tours e chefe de competição da WSL.

Em meio a todo esse processo de inovação, como vocês equilibram as mudanças necessárias com a opinião, as necessidade e os desejos dos atletas? Os atletas participam de todas as decisões em consenso sempre? Ou a WSL toma as decisões e apenas comunica os atletas? E sobre a escolha do calendário e das ondas que podem favorecer mais aos regulars ou goofy footers, como funciona esta parte?

Os atletas também são nossos acionistas. Nós conversamos o tempo todo. Eu, pessoalmente, falo muito com eles. Vou a muitos dos eventos, inclusive estive na etapa do Brasil este ano. De fato temos um grande diálogo. A Jessi Miley-Dyer também faz um grande trabalho nesta parte, não apenas falando sobre tópicos e modificações que temos que fazer na temporada, mas também sobre outras mudanças que precisaremos fazer para 2023. Até mesmo conversas sobre o planejamento de longo prazo. Imagine como que é surfar por quatro a cinco anos fora de casa. Por sinal, isso é algo que o surfe como nunca fez antes, tendo uma visão muito a longo prazo em termos de como estamos dirigindo esporte.

Temos um ótimo sistema que a maioria das pessoas conhece, que são os representantes dos surfistas. Temos dois homens e duas mulheres. Do lado dos homens temos o Connor O’Leary e o Jadson André, que eu diria que é o brasileiro favorito de todos (risos). Do lado feminino temos a australiana Tyler Wright e a francesa Joanne Defay. Então os representantes dos surfistas têm uma linha direta. E têm intensificado não só a defesa de opiniões dos atletas, mas também trabalham em uma coordenação mais rigorosa com a Jessi, com o Renato Hickel, com o Travis Logie e todas as outras pessoas com as quais você está muito familiarizado, sobre um monte dessas questões.

Então, quando nós como liga dizemos que precisamos tomar uma decisão no futuro, sempre temos uma conversa com os surfistas e eles nos dão suas opinões. Você sabe, que só no CT, entre competidores e convidados nós temos quase 50 surfistas. Então, nem sempre 100% deles estarão 100% de acordo sobre 100% das coisas. Não é assim que as coisas são.

Mas o que tentamos fazer e o que eu pessoalmente faço, como fiz em Bells Beach, é sentar com eles e explicar as realidades e os desafios dos negócios que temos no mundo hoje, bem como o cenário econômico global e tentar fornecer todo o contexto aos nossos surfistas, para que eles possam ter o mesmo conjunto de dados que nós temos, em termos de desempenho da audiência, retorno econômico e viagens. Todos os fatores necessários para se montar um calendário.

Então passamos muito tempo juntos. Acho que a melhor maneira de enquadrar isso é sempre tendo conversas muito abertas, nas quais compartilhamos com eles as informações. De todos esses surfistas, há alguns que estão muito engajados com todos os temas, que querem falar sobre isso. E alguns são do tipo “apenas deixe-me saber o que eu preciso fazer”. Tentamos equilibrar isso juntos. Mas é assim que funciona com os surfistas.

Já do ponto de vista dos fãs, acho que o feedback é sempre ótimo saber. Não importa a decisão que a gente tome, geralmente ouvimos pontos positivos e negativos. Mas o que sabemos olhando para os números é que a maior parte das pessoas estão consumindo o esporte. E no meio de tudo isso é o que está impulsionando o negócio na verdade.

Algumas pessoas amam algumas coisas, outras odeiam outras coisas. Nós tentamos ouvir a todos, porque você nunca sabe. Quando você ouve as pessoas descobre que algumas têm críticas e outras têm pontos bons. E às vezes elas apontam, como já aconteceu comigo algumas vezes, que há coisas que eu não tinha pensado antes. E esses são bons pontos. Levo em consideração para as próximas decisões. Então eu realmente acho que toda a equipe e a empresa têm uma forma muito aberta e transparente de ouvir feedbacks e de se comunicar.

Última antes do corte, etapa de Margaret River contou com fortes emoções, como a eliminação precoce de João Chianca, promessa brasileira no Circuito Mundial.

Falando sobre o formato escolhido para o WSL Finals. Obviamente sabemos que o surfe é um esporte que depende da condição das ondas e da natureza para acontecer. Nem sempre temos a melhor condição no dia esperado ou agendado. Um exemplo disso é o que vimos nas finais em Trestles neste ano.

Tomemos como exemplo o que aconteceu com a Carissa Moore. O atleta compete o ano inteiro em condições diversas e consegue ser o melhor de todos com consistência, dentro da variação de condições no decorrer da temporada, para então perder o título mundial em apenas um dia, em condições de ondas como as que vimos, devido a este novo formato.

Como que a WSL vê uma situação como esta? Na tua opinião, o que é mais emocionante de assistir, uma final em Trestles ou em Pipeline? E Por quê?

Bem, há muito o que desmembrar dentro dessas perguntas. Então vamos começar com o formato. Estamos nele há dois anos. Nesse tempo tivemos quatro atletas que conquistaram o seed nº1, sendo dois homens e duas mulheres. Três ganharam o título mundial. A Carissa perdeu para a Steph neste ano, mas também ganhou da Tatiana no ano anterior.

De acordo com o feedback que recebemos da grande maioria dos surfistas, da grande maioria dos fãs, da grande maioria de tudo o que vimos como evidência e a propósito os números que indicam isso, a ideia de criar um dia de finais para os campeões mundiais ganharem o título na água é uma coisa muito especial e significativa.

Veja a declaração da Stephanie Gilmore sobre o que significou para ela vencer o seu 8º título mundial, porém pela primeira vez dentro do oceano. Nós ouvimos muitas opiniões sobre isso. Ouvimos opiniões de campeões como Kelly Slater, Mick Fanning e outros, sobre a oportunidade de vencer um título no dia e dentro do oceano. E isso é esporte. E vamos ser honestos, podemos passar por uma lista de exemplos de pessoas que se saem bem o ano todo e ainda assim têm que ganhar no dia decisivo.

Acontece com pilotos de F1, acontece com times de futebol, acontece nas Olimpíadas, acontece o tempo todo. Quando as pessoas falam sobre ganhar um título mundial em um único dia, se olharmos para isso… Veja o Italo Ferreira. Como sabemos, ele treinou toda sua vida para conseguir ganhar uma medalha de ouro nas Olimpíadas. E eu certamente diria que as ondas que tivemos em Chiba eram muito inferiores ao que vimos este ano em Trestles, por exemplo. E se ele não tivesse ganhado sua medalha de ouro, teria que esperar quatro anos para tentar de novo.

Então eu não concordo necessariamente com essa percepção. Acho que é uma grande coisa para o esporte e que os surfistas e todo mundo vêem isso. Em termos de qualidade de onda, a minha resposta para isso é bastante simples. Todo mundo tem que competir nas mesmas condições e você sabe que não podemos escolher também um dia grande e perfeito em Pipeline. Veja em quantos anos, por exemplo, nós tivemos que colocar a competição na água em Pipeline sem a melhor das condições esperadas pra esse pico. O nosso esporte está sujeito a estas condições o tempo todo.

Olhe para G-Land, por exemplo. Este ano nós não tivemos nenhum dia de ondas boas por lá durante a janela. Mas se você diminuir o zoom e olhar para os 10 eventos, mais as finais, e olhar para cada ano, os dados diriam que você tem eventos que deram certo e eventos que não deram tão certo em termos de ondas. Isso é exatamente o que acontece quando você compete no oceano.

Trestles ainda oferece a uma pista mais justa e versátil para não condicionar a vitória apenas aos tubos ou a um determinado modo de surfar, a não distorcer de uma certa maneira. E vimos dois tipos diferentes de surfe nos últimos dois anos em Lowers. Vimos uma onda de alta performance e mais previsível este ano. No anterior foi onda maior, porém quase que passando do ponto, se você bem se lembrar. Então acho que essa é a dinâmica que pensamos quando olhamos para essas duas coisas.

Mas voltando ao teu ponto sobre Pipeline, você sabe que nós melhoramos a janela. Sabemos que historicamente as melhores ondas em Pipeline sempre aconteceram mais pro final de janeiro, e fazíamos a nossa etapa em dezembro. Então você sabe que não é surpresa que quando fizemos a etapa em Pipe no início deste ano, tivemos ondas melhores, por estarmos em uma janela melhor.

Pipeline oferece condições épicas para a abertura da temporada 2022. Nesta foto, a brasileira Tatiana Weston-Webb durante a primeira etapa feminina que aconteceu integralmente neste pico.

Falando agora sobre o julgamento, que é um tema polêmico em muitos esportes. Muitas vezes o público e os fãs não concordam com as decisões dos juízes, principalmente em um esporte com critérios de avaliação tão subjetivos, como o surfe.

Gostaria de abordar contigo não a mudança de critérios, mas a discussão é sempre sobre como tornar as decisões dos juízes mais transparentes a cada dia de competição, tanto para o público, quanto para os competidores, que muitas vezes saem insatisfeitos com os resultados.

Vendo de fora, às vezes temos a sensação de que nem sempre a adaptação do critério é esclarecido pelos juízes nos diferentes dias de uma competição, principalmente em decisões polêmicas, ou a cada mudança de tipo de onda.

O que você acha que poderia ser feito para que a transparência fosse trabalhada melhor nessas situações?

Acho que uma das grandes coisas do nosso esporte é a subjetividade. Eu acho que é uma parte muito importante do que fazemos e acontece em muitos esportes, como no skate, na patinação e em muitos outros esportes olímpicos, por exemplo.

Eu não tenho nada além da maior consideração, respeito e confiança na integridade da nossa equipe e de todos os nossos juízes, liderados pela Jessi e pelo Pritamo (Ahrendt). Eles têm um trabalho extraordinariamente difícil. Eles ficam sentados por horas e horas, observando onda após onda após onda. E têm a capacidade de utilizar a tecnologia para realmente comparar ondas do início do dia, para que as escalas se construam.

Há diversas coisas que tentamos fazer sobre o julgamento. Uma delas é sobre o Richie Porta, que já foi nosso Head Judge, aparecer cada vez mais em nossa transmissão ao vivo, explicando não somente sobre os critérios, mas também outras situações do surfe que os fãs possam não saber apenas lendo o livro de regras, como situações específicas de prioridades e outras coisas bem específicas. Ele também pode comparar as ondas entre as baterias e as escalas de notas entre elas.

O que mais me impressiona em nossos juízes é a consideração e o tempo que eles levam para atribuir uma pontuação. Uma das coisas que os fãs sempre perguntam repetidamente após uma onda é sobre qual é o placar. Acho que é importante destacar o fato de que a razão pela qual essas pontuações levam algum tempo é porque as ondas estão realmente sendo avaliadas. Os juízes estão realmente julgando todos os detalhes das ondas e para isso utilizando também o replay. Neste meio tempo, obviamente você vê escrito em nosso placar: “esperando por pontuação”.

Isso é porque há o cuidado, a integridade e o foco em acertar. Não importa se essa pontuação sai cinco segundos ou cinco minutos depois da onda. As reações serão sempre as reações, mas a parte mais importante para nós é a integridade do processo. Como você pode ver na nossa série na Apple TV, Make or Break. Nós permitimos câmeras lá dentro.

Então você sabe que tentamos fazê-lo de uma forma muito autêntica para que todos possam vê-la. Temos também cinco juízes numa bateria, que atribuem 5 notas. A maior e a menor são cortadas e uma média entre as outras 3 é feita. Então eu acho que é uma boa nota final, mas também acho, de uma perspectiva do processo, que estamos continuamente tentando encontrar maneiras de educar os fãs.

Julgamentos de baterias ainda são tema de constantes controvérsias em eventos da WSL, tanto entre o público, quanto entre os atletas.

Sobre o corte do meio da temporada no CT. Por um lado vocês inovam, criam um drama e trazem mais emoção para os fãs. Por outro lado isso muda o plano de carreira de muito atletas, assim como a introdução do CS entre o QS e o CT. Como você analisa os pontos positivos e os negativos de todos esses novos fatores?

Uma das coisas mais importantes que tentamos fazer com este novo sistema de 3 níveis, que envolvem o Championship Tour, o Challenger Series e os QS regionais, é criar e estimular mais surfe em nível regional, além de tentar organizar e torná-lo mais eficiente para os surfistas se qualificarem. Ao fazer isso, também estamos tentando fazer mais campeonatos e descobrir uma maneira de melhorar a qualidade das ondas.

Como um fã apaixonado pelo surfe, você sabe que temos um time completo pré-corte com 50 surfistas, entre homens e mulheres. Sendo assim, um evento leva cerca de 4 dias e meio para ser concluído, enquanto a maioria dos swells dura cerca de três dias. Pós-corte, quando já temos uma quantidade menor de surfistas, podemos correr e finalizar tudo em torno de 3 dias.

Então, quando você olha para as performances e para as ondas que temos na segunda metade da temporada, especificamente em J-Bay ou no Taiti, fomos capazes de acelerar e nos concentrarmos nas melhores ondas, mantendo os surfistas competindo em ótimas condições. Por exemplo, em J-Bay, se estivéssemos com todos os surfistas do início da temporada, as finais teriam acontecido em outras condições e provavelmente em ondas com vento maral, porque o swell basicamente acabou.

Isso é um grande benefício que poucas pessoas estão cientes. Estamos apenas lidando com padrões que acompanhamos há cinco décadas, então temos uma boa compreensão do que é isso. Se você olhar os dados e as performances verá isso. Essa é a primeira coisa que eu acho que melhora o nível.

A segunda é se você olhar para os surfistas que historicamente competiam nas etapas do QS de 10 mil pontos. Eles tinham que competir no CT e ainda dar um jeito de viajar para competir também nessas etapas de alta pontuação. E então eles estavam cruzando o mundo, ou seja, competindo em duas turnês. Uma logística difícil para competir ao mesmo tempo.

O corte do meio da temporada é uma pausa limpa, que permite aos nossos surfistas começarem a surfar o Challenger Series em maio, em Snapper Rocks. A propósito, a melhor época do ano para Snapper, como sabemos, pois até os australianos chamam de “maio mágico”.

Challenger Series atrai atletas do CT para Saquarema, como é o caso de Gabriel Medina, que venceu a etapa na semana passada.

Em paralelo uma outra plataforma voltando à nossa intenção de aumentar a exposição para as pessoas requalificarem, sendo dez homens e cinco mulheres pelo Challenger Series. Acho que é importante também falar que apenas o Challenger nos trouxe um crescimento na audiência digital de 25% em 2021, por exemplo, em comparação com 2020.

E continua crescendo, porque agora os fãs acompanham. Costumávamos ter etapas de 10 mil pontos em cima dos CTs, e o fã não tinha certeza sobre qual assistir, era muito confuso. Mas se você é um fã, agora é muito claro quais são as prioridades. Você sabe onde está o CT, onde está o Challenger, onde está o Tour de Longboard, etc. Nós facilitamos as coisas para o fã. Acho que esses são os principais pontos positivos.

Sobre os pontos negativos, acho que são óbvios. Você tem atletas do CT que não continuam competindo na segunda metade da temporada, como o Leo Fioravanti, que é um exemplo fantástico. Léo não escapou do corte em Margaret River, foi para o Challenger e se re-qualificou em primeiro lugar.

Ele voltará ao CT na primeira etapa em Pipeline e deve ir longe, pois voltará ainda mais poderoso e com mais confiança para o CT. Então acho que há uma série de pontos positivos, mas os negativos são o fato de ser novo, ter mais viagens e ter mais baterias para disputar, porque tem bem mais surfistas competindo. São essas coisas que estamos olhando no esporte, mas acho que os pontos positivos são enormes.

A última coisa que vou te dizer sobre os três níveis, é sobre a força que os eventos regionais ganham. Tivemos há pouco um evento regional do QS em Saquarema e foi emocionante. Nós temos esses eventos regionais em todas as nossas sete regiões. Eles são realmente fundamentais, porque agora os surfistas locais não têm que gastar tanto dinheiro viajando pelo mundo para se qualificarem ao Challenger Series. Eles podem ficar em casa.

Os brasileiros podem competir em sua região, ao invés de terem que viajar em busca de um evento de 5.000 ou 10.000 pontos, do outro lado do mundo, onde eles podem não ter grana suficiente para ir.

Acho que este é nosso primeiro ano completo para ser justo com a empresa. Acho que houve um monte de aprendizados e que à medida que avançarmos vamos continuar a modificar e ajustar o que for necessário.

Minha resposta foi um pouco longa (risos), mas você fez uma pergunta muito boa, então eu tinha que ser atencioso com isso.