O seu ombro sai do lugar? O seu ombro dói? Duas perguntas frequentes realizadas por todos os profissionais de saúde ao atender qualquer praticante de surfe. Uma vez que mais de 65% do tempo do surfe é remando, o ombro é a articulação que mais demanda atenção nesse esporte. Juntamente com a coluna são as regiões do corpo que mais produzem lesões crônicas.
No evento de Pipeline, após completar um tubo para Backdoor, o surfista costa riquenho Carlos Munhoz rodou com a onda e traumatizou o ombro direito. Carlos relata ter sentido uma dor muito grande, mas suportou e persistiu no campeonato. Durante remada forte numa bomba seguinte, ele sentiu novamente uma dor forte acompanhada do deslocamento do ombro, e dessa vez já não conseguia mais continuar na competição. Foi retirado com auxilio da equipe de jet ski.
Durante a transmissão, algumas informações foram passadas equivocadamente, muito provavelmente porque naquele momento também pouco se sabia. Vou aproveitar esse episódio para trazer na coluna desse mês, mais detalhes técnicos sobre o ocorrido.
Assim como aconteceu em Pipeline, outros atletas já tiveram o ombro luxado (deslocado, desarticulado) como: Jordy Smith, Leonardo Fioravanti e Kieren Perrow. Mas porquê o ombro é uma articulação suscetível a esse tipo de lesão? Para responder é preciso entender um pouco sobre a anatomia e biomecânica do local.
O ombro é a articulação do corpo que permite maior amplitude de movimento, podendo girar em praticamente todas as direções. Isso só é possível porque temos uma superfície esférica (cabeça do úmero) se articulando com uma superfície côncava muito rasa (glenóide), diferente do quadril, onde existe uma esfera articulando com uma superfície profunda. Dessa forma, o ombro depende de muitas outras estruturas, além da superfície óssea, para manter-se no lugar.
A capsula articular, os ligamentos, os tendões do manguito rotador e o labrum são alguns dos estabilizadores do ombro. Existem pessoas que apresentam frouxidão capsular constitucional, e assim a articulação pode deslocar-se com maior facilidade sem traumatismo no local, é o chamado instabilidade multidirecional. Em situações como as dos surfistas mencionados anteriormente, existe um evento traumático de alta energia que levou a luxação (desarticulação) do ombro. Quando isso ocorre, além de uma dor insuportavelmente forte, algumas das estruturas estabilizadores se lesiona e mesmo ao reduzir (recolocação) o ombro na sua posição normal, ele facilmente sai fora do lugar. A esse evento chamamos de instabilidade traumática unidirecional.
Tradicionalmente, um único evento de luxação traumática era passível de tratamento não cirúrgico. Hoje em dia com o avanço dos exames radiológicos, podemos avaliar a dimensão das estruturas lesionadas e prever a possibilidade de cicatrização efetiva ou não. Mas, mais importante que isso, é saber que hoje na medicina, principalmente naquela voltada ao surfe, entender um pouco sobre as peculiaridades do esporte e do seu praticante é extremamente importante na tomada da decisão terapêutica mais adequada.
A dificuldade do Carlos Munhoz naquele episódio foi minimizada pela presença de jet-ski de resgate no local devido a competição. Provavelmente a situação iria ser muito mais difícil se ele estivesse sozinho, podendo ter até tido um desfecho trágico como um afogamento. Por isso, no caso de surfistas, o tratamento cirúrgico deve ser mais considerado. Eu já tive em minha prática médica como cirurgião de ombro, um paciente paraquedista com o mesmo problema. Consegue imaginar? E se esse ombro luxar durante a queda livre? Chance grande de um final infeliz.
Por isso, estudar a medicina do surfe não significa estudar somente o surfista paciente, e sim, como ele interage com todos os fatores que o envolvem ao esporte.
O ombro do surfista, é um assunto complexo que demanda muitas páginas nessa coluna. A dor crônica que muitos sentem durante ou após o surfe, é um mecanismo biomecânico diferente do explicado acima e que iremos trazer no próximo mês dessa coluna.
Prevenção das lesões através de exercícios é a maneira mais fácil de manter-se com a remada em dia e sem dor. Fortalecer de forma adequada a musculatura da região também pode evitar eventos de luxação traumática. No app gratuito do SID -Surf Information Data (em breve com uma nova versão) , existem algumas dicas de exercício, vale conferir.
