Leitura de Onda

Um líder blindado

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Adriano de Souza durante o Billabong Rio Pro 2011, prova em que assume a liderança do circuito mundial. Foto: Fábio Minduim

Adriano de Souza foi sabatinado pela Stab Magazine, publicação aussie, e saiu ileso. Mineiro está blindado, como um caveirão do Bope que entra em território inimigo sabendo que vai ser alvejado. Ninguém garante que até o fim da temporada ele vai manter o comando diante do ataque dos adversários, mas é certo que sairá vivo e muito bem de cabeça.

 

Os jornalistas da Stab – a entrevista não está assinada – abriram a entrevista com elogios ao brasileiro, mas logo lembraram da fatídica disputa com Owen Wright nas quartas-de-final do Billabong Pro, no Rio, chamando-a de a mais “controversa bateria desde a puxada de cordinha do Dean Morrison no Pipe Master de 2009”. Opa! Eles compararam um ato de suposta má-fé de um australiano com uma bateria apertada envolvendo um brasileiro.

 

Pode ser que tenha sido apenas uma analogia infeliz, como tantas outras. Na primeira pergunta, a revista quer saber se Mineiro se sente como número um do mundo. Casca de banana, mas façamos justiça: a pergunta é clichê, feita a todos os novos líderes de circuito, da bocha ao surf.

 

Adriano foi honesto: “Nada mudou. Ainda parece que sou o número 10 ou 12. Minha mente, meu corpo, meu surf, nada mudou, à exceção que estou realmente motivado por poder surfar do jeito que eu quero (…).”

 

Adriano saltou bem sobre a primeira armadilha clássica: a soberba. Na resposta seguinte, ainda emendou que muita gente lembra a importância de ele estar no topo. “Mas não posso me sentir assim. É muito cedo para me sentir como um número um”, respondeu.

 

Stab perguntou: quem é seu surfista preferido? Outra pergunta obrigatória nos manuais mais enfadonhos, feita a Adriano, me surpreendeu pela resposta. Está no mesmo manual: se a resposta surpreende, a pergunta é pertinente.

 

O surfista preferido de Mineiro é Mick Fanning. O brasileiro falou da influência que Kelly Slater teve em sua vida de competidor, mas marcou na categoria de predileto um surfista bicampeão mundial com alguns atributos em comum com ele, como a determinação e a disciplina.

 

Os jornalistas da Stab perguntaram então se ele achava que seus adversários no tour o viam como um candidato ao título. Mineiro disse que não, ainda que saiba que é absurdo alguém não ver um líder do circuito mundial como candidato – não favorito, mas candidato – ao título. Mineiro acertou de novo ao driblar qualquer tentativa de pressão sobre seus ombros.

 

Os jornalistas não desistiram, e miraram em seu histórico com Slater: “Você acha que pode bater Kelly? Você acha que pode ser campeão mundial este ano?” Mineiro respondeu, irônico: “Esta é uma boa pergunta. Não vou respondê-la. Só quero avançar passo a passo (…).

 

Os australianos aproveitaram para levantar todos os selos que tentam colar no brasileiro. Primeiro, atribuíram a ele reclamações sobre derrotas, embora Mineiro sempre tenha tido um comportamento exemplar em derrotas, diferente de muitos saxões. Em resposta, o brasileiro afirmou que confia plenamente no profissionalismo dos juízes. Luva de pelica.

 

Falaram também do tal floater na bateria contra Wright. Adriano explicou, mas não acho que valha mais a pena escrever novamente sobre uma polêmica analisada por tantos ângulos. 

 

Na sequência, os aussies levantaram a lebre das comemorações de ondas, como se dissessem “ei, você não pode comemorar tanto”.  Adriano foi de uma sinceridade desconcertante: “Realmente gosto do que faço. Se estou feliz, vou mostrar isso, não há outro motivo. Minha opinião é que os juízes estão lá para julgar o que você faz na onda, e não as comemorações. Se julgam comemorações, é uma competição de comemorações, e não de surf”.

 

Demonstrações de emoção não fazem mesmo parte da cultura dos saxões. Talvez por isso eles tenham ficado tão aturdidos quando Adriano revelou ter comemorado uma nota 3,5 em Portugal. Adriano, legítimo representante do sangue latino, respondeu, sem deixar a bola cair: “Eu quero ser genuíno, não quero ser uma farsa. Este sou eu.”

 

Adriano é mais forte porque é original. E os outros começaram a perceber essa diferença.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".