Leitura de Onda

O armazém de tubos

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Bruno Santos leva os amigos para dentro dos tubos de Fiji em sua página do Facebook. Foto: Arquivo Pessoal.

O Facebook é pródigo em revelar o melhor da vida dos outros, além de dar a perigosa oportunidade de reinventar quem somos. O sujeito constrói o arquétipo de quem ele gostaria de ser através de imagens interessantes, posts com mensagens contundentes e se posiciona cuidadosamente sobre temas mais espinhosos. É um mega Big Brother virtual.

 

Mas muita gente consegue revelar, sem nenhum exagero, seu perfil real no Facebook. Outro dia, dei de cara como uma galeria de fotos do Bruninho Santos em Fiji. As fotos, feitas quase sempre de dentro do tubo, de Go Pro, são atordoantes. Provocam um misto de indignação e reverência, tiram do ar os pobres mortais que não vivem dentro dos canudos de Cloudbreak.

 

Aquelas fotos são a verdade de Bruno Santos.

 

Bruno Santos armazenado pelas águas. Foto: Arquivo Pessoal.

Pois eu estava de olho numa dessas imagens, que mostra em primeiro plano a face de Bruninho com um semblante tranquilo e, ao fundo, o tubo se alongando lindamente num mar liso e cristalino, quando fui tomado por uma ideia maluca. Eu queria levar aquele momento para mim, queria pegá-lo daquele perfil e incluí-lo na minha vida.

 

Não, meu interesse não era parecer cool aos meus amigos do Facebook. Tudo o que eu queria era estar em Fiji, naquele momento, sobre uma prancha, rodeado por um belíssimo túnel de água em movimento e, instantes depois, sair de lá empurrado pela baforada.

 

Pirei. A ideia foi ganhando corpo. Afinal, quantas horas-tubo Bruno tem? Certamente, um armazém cheio de tubos, em todos os picos, para todos os lados. O estoque é tão grande que, se reinventássemos a realidade, ele poderia vender míseros segundos para mortais. Seriam instantes que mudariam a história de muita gente.  

 

O sujeito atarefado e estressado faria uma conta de custo benefício. Em vez de gastar dias e dólares viajando em busca da onda perfeita, longe da família, para sofrer com dropes atrasados por falta de remada, ele pagaria US$ 3 mil, no cartão, por três segundos dentro de um tubo sobre a Joca Secco mágica do Bruninho. Sairia na baforada e, pouco depois, estaria no sofá da sala da sogra, rodeado pelos filhos, preocupado com a prestação de seu Corsinha 2006.

 

Opa. Olho de novo a foto do Bruninho, e descubro outro valor para ela. São imagens como essa que fazem a gente repensar os caminhos, que fazem renascer o sonho do surfista. 

 

Percebo que a única maneira de estar ali, no lugar de Bruninho, dentro do tubo, é mover minha vida nesse sentido. É o sonho da surftrip. O desafio não é simples: sem desprezar o mundo real de um trabalho convencional, das filhas e da mulher, preciso encontrar tempo para treinar, abrir uma janela de folga para viajar e ganhar dinheiro para pagar o sonho. 

 

E o mais importante: tenho que fazer isso tudo sabendo que chegarei lá e não tirarei um décimo dos tubos do Bruninho. Afinal, o que nos move não é o sonho, é a busca do sonho. 

 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".