Carlos Portella

A tainha e a onda

Com direção de Carlos Portella, documentário discute proibição do surfe em Florianópolis (SC).

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A proibição do surfe na maioria das praias de Florianópolis (SC) entre maio e julho é o assunto do documentário A Tainha e a Onda, de Carlos Portella, que agora está disponível gratuitamente na internet.

Com 60 minutos de duração, o documentário mergulha na questão do confronto entre pescadores e surfistas durante o período da pesca da tainha, mas vai além, falando da própria colonização de Florianópolis, da tradição da pesca da tainha e do início da prática do surfe, na década de 1970.

O impasse se intensificou nos anos 1980, com o aumento significativo da prática do esporte. O filme A Tainha e a Onda ouve pescadores, surfistas, presidentes de entidades ligadas ao setor, fabricantes de prancha, oceanógrafo, delegado de polícia e antropólogo, estabelecendo um debate sobre o tema.

Carlos Portella, que também é surfista, decidiu investigar o tema depois de uma temporada na Austrália, quando percebeu que lá, durante a pesca da tainha, pescadores e surfistas convivem pacificamente. Em Florianópolis, os surfistas reclamam que a lei é inconstitucional e ameaçam entrar com uma ação. Mas, paralelamente, tentam negociar. Querem que além das praias Mole e Joaquina, seja permitido o surf também em outros balneários durante a temporada da pesca da tainha.

Carlos Portella vive o conflito da tainha desde a infância.

É importante destacar que ao longo de quase cinco décadas de surfe, alguns pescadores viraram surfistas, ou têm filhos surfistas e há momentos de trégua. “Em algumas praias, quando o mar está grande, impróprio para a pesca, os surfistas estão liberados para surfar, mas quando está pequeno, eles são bem-vindos a puxar a rede e levar uma tainha pra casa”, diz Portella. Mas nem sempre é assim. Segundo o diretor, o filme foi rodado com o propósito de respeitar as duas culturas, tanto da pesca, como do surfe, e o objetivo é ampliar o tema para o grande público.

As músicas utilizadas são de bandas de Florianópolis. Entre elas, Tijuquera, Dazaranha, Nilera, Moriel Costa e Gente da Costa. O filme foi patrocinado via leis federal e municipal de cultura pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).

Depois de uma estreia com quatro sessões de sala cheia no cinema do CIC, em Florianópolis, o filme entrou na seleção oficial de festivais internacionais, e foi exibido nos canais Ric Record, TV Câmara de Florianópolis e TV Epagri. Ele também foi distribuído em escolas, bibliotecas e associações de bairros da cidade incentivando o esporte, a aventura e o amor à cultura.

O filme faz parte do projeto Working For Barrels. É possível ver mais trabalhos e vídeos de Carlos Portella também no perfil @carlos_portella_nunes no Instagram.

Documentário também ouve o lado dos pescadores.

Entrevista com o diretor:

Quanto tempo demorou para produzir o filme?

A ideia começou em 2013. Neste ano passei a temporada de pesca conhecendo e filmando os ranchos e captando verba em paralelo. Conseguir a verba foi difícil e isso retardou o processo. Em julho de 2014 passamos um mês captando entrevistas e depois um ano de edição.

Porque trabalhar tal questão cinematograficamente?

Eu vivi o conflito desde a minha infância. Quando eu era pequeno, pescadores correram com faca atrás de mim. Já vi muita onda boa rolando sem poder surfar, algo que sempre incomodou. É um tema que me interessa muito. Além de ser um tema importante a ser discutido, é um tema que me atiça a curiosidade.

Admiro os pescadores e queria conhecer mais o mundo deles, mesmo tendo uma certa discórdia por causa da proibição do surfe. Eu comecei a fazer filmes para transmitir mensagens positivas e eu vi neste assunto, que diz respeito à cidade que eu amo, uma missão de paz a ser encarada. Ao menos que queria tentar colocar os dois lados frente a frente para discutir e buscar um entendimento.

Esperava a grande repercussão do filme?

Eu sabia que o filme seria polêmico e que as pessoas se interessariam, mas estava preparado para o pior. Sabia que estava tocando em questões delicadas e não tive medo de falar algumas verdades. Sabia que poderiam haver pessoas radicais de ambos os lados que ficariam indignadas. Mas a minha maior preocupação era em não ofender os entrevistados, que confiaram em mim, dando depoimentos sinceros.

A Tainha e a Onda entrou na seleção oficial de festivais internacionais.

Recebeu feedbacks positivos ou negativos marcantes sobre a produção?

Fiquei muito feliz com a resposta do público. Realizamos diversas sessões, entre elas três lotadas no CIC e outras em praias da ilha e escolas. Ao final das sessões muita gente veio me abraçar com um olhar de sincera alegria com o resultado. Entrevistados e envolvidos também ficaram muito felizes. Mas é claro que tiveram aqueles que não gostaram.

Ninguém chegou a mostrar uma indignação agressiva, mas escutei alguns comentários de que o filme protegeu muito um lado ou o outro. Isso dos dois lados. Mas a sensação de missão cumprida eu senti ao escutar algumas pessoas de ambos os lados dizendo que mudaram de opinião, que descobriram coisas que não sabiam sobre o outro lado e que passarão a agir de forma diferente. Minha busca era a paz e uma pessoa já seria uma vitória. Sentir a conciliação brotando na mente de algumas pessoas é meu maior prêmio.

Ficha técnica:

Direção: Carlos Portella
Roteiro: Alan Langdon e Carlos Portella
Direção de Produção: Gilca Silveira
Assistência de câmera: Marlon Klein
Direção de Fotografia: Felipe Szterling
Montagem e Finalização: Alan Langdon
Edição de áudio: Studio Fides
Duração: 60 min