Surfista e shaper

A arte de Mudinho

Conheça a história de Carlos Alberto "Mudinho", legend brasileiro que acaba de abrir nova oficina de pranchas em Saquarema (RJ).

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Voltemos ao fim da década de 40, mais precisamente ao dia 13 de Junho de 1949. Leme, no Rio, onde vem a luz um garoto, que os pais logo descobrem ser surdo. Ele é Carlos Roberto L’Astorina de Andrade.

Logo ele já mostrava a que veio, pois seu pai precisava contê-lo desde os nove meses de idade, já que nunca temeu o mar. Imprudentemente, invadia e jogava-se ao fundo do mar na praia.

Foram anos depois para o Jardim Botânico, e a família ficou alguns anos ali.

Aos treze anos, mudam-se para um idílico Leblon, quase uma cidade do interior na época. Nada a ver com a elite que hoje ocupa o bairro, quase só de casas e, no máximo, prédios baixos, com vida tranqüila e provinciana em que todos conheciam-se.

O mar era o grande atrativo dali, onde o menino começava a aprender a pegar jacaré usando o corpo e as primeiras pranchas de isopor. Hoje tão badaladas, aquelas águas eram freqüentada quase só pelos moradores da área, de classe média. Ou então os que habitavam a Favela do Pinto, às margens da Lagoa, onde localiza-se hoje a ¨Selva de Pedra”.

Matriculado no Instituto Nacional de Educação de Surdos, onde aprendeu a falar, e muito, além de estudar, ganhou habilidades em vários esportes, como futebol, basquete, judô, natação etc, iniciado no mundo da competição. Foi campeão em todas estas modalidades.

Aos nove anos ganhou sua primeira prancha, daquelas de isopor, planonda, que fez parte das nossas vidas. Mas o Mudinho queria mais, queria ficar de pé nela, como faziam no Arpoador os jovens mais velhos como Cyro e Irencyr Beltrão (este que criou as pranchas de Madeirit) e namorava sua esposa Ângela -uma das primeiras garotas surfistas brasileiras-, Arduíno Colasanti, Mário Bração, Tito Rosemberg, dentre outros. Assim nasce para o Esporte o “Mudinho”, apelido errado para um surdo falante.

Para poder surfar de pé, o garoto aos 13 anos (1962) pegou a Planonda, inverteu-a e colocou uma quilha de compensado, colada com Araldite e gaze hospitalar, pois fibra de vidro era coisa rara nos sessenta.

A invenção deu tão certo que os veteranos surfistas começaram a respeitar o moleque que conseguia encarar os tubos do Arpoador, o verdadeiro berço do surfe brasileiro como estilo de vida e até moda.

Em 1966 participou do primeiro Campeonato no Arpex. Em 67 foi campeão deste evento e considerado revelação. Era o início da carreira que o levou para o mundo.

Neste momento, entra na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, onde forma-se e tem o diploma entregue por ninguém menos que Oscar Niemeyer.

Contudo, antes desbravou as desertas e enormes ondas de Saquarema, uma vila de pescadores, deserta e quase idílica, o Éden do estilo de vida, surfe, sexo & rock’n’roll. Quantos tubos, romances e luaus as areias de Itaúna testemunharam?

Em 1971, foi um dos primeiros surfistas a se estabelecer ali, comprando o terreno na Rua 13, Loteamento Recreio de Nazareth, que pela concentração Aquamen é hoje a Rua dos Surfistas, Nº446, sua oficina de shape de pranchas.

Acabou se tornando um dos melhores shapers do país, com o espírito inovador que traz desde a pré-adolescência. Fez inovações como pranchas de até 7 quilhas. Sem dúvidas, seus conhecimentos de arquitetura e hidrodinâmica foram determinantes para a criação de suas inovações.

Suas vitórias em campeonatos brasileiros são inúmeras, mas a do Aberto da Ilha Porchat, São Vicente (SP) de 68, em verdade o primeiro interestadual, foi um destaque. Ele usou uma prancha Hawaii model A, do amigo Christian, da Glaspac. Deu espetáculo de manobras com malabarismos sobre a prancha, que encantaram o público e o sagraram Campeão.

Dando um salto no tempo, de 1973 a ’74 passou temporada no Havaí. A partis de então, começou a viajar o mundo. Em 1979, em dupla com Ianzinho, tiram 3º lugar no Mundial de Times, sendo das primeiras conquistas de brasileiros no nível internacional.

Com isso ele parte para Austrália, África do Sul, Europa e outros países. Acaba passando outras temporadas na Califórnia e Havaí, sonho dos atletas de então. Até voltar em definitivo para o Brasil.

Depois de passar algum tempo em Cabo Frio, Mudinho foi convocado, pela Prefeitura de Rio das Ostras para ser professor de alunos com restrição auditiva de libras, língua brasileira de sinais.

Hoje mora na sua amada Saquarema. Voltou a Shapear as suas famosas pranchas, que sempre aliam perfeccionismo a inovações de vanguarda. São projetadas para quem busca performance e diversão em alto nível.

Como foi dito, o Mudinho mais falante e comunicativo do mundo, na verdade surdo, dá exemplo de superação e força de viver. Mostrando a todos nós que barreiras existem para ser superadas. Além disso, limitações tem certas vantagens, como alto poder de concentração e que a vida é luta, a vitória é saber viver, sempre com a originalidade.

Conheça a nova oficina de Mudinho no endereço Rua dos Surfistas, 446 – Nova Itaúna – Saquarema (RJ). WhatSapp para contato: (21) 998466006.