Lendas

Expressão corporal e estilo

Daniel Tosin, surfista e artista da Praia do Rosa (SC), resgata momentos históricos de gigantes e ressalta importância do estilo no esporte.

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Desde os primórdios do surfe moderno o estilo sempre foi algo crucial para separar o “bom surfista” do “mal surfista”, levando em consideração o Havaí como berço do surfe moderno, com base nos primeiros registros, eram segregados ao estilo de surfar: deitado para os súditos e em pé para a realeza.

Com a introdução do surfe na sociedade moderna, o estilo de abordar a onda foi mudando de década em década, mas no começo o estilo era o que definia “surfar bem” e “surfar mal”, pois os surfistas mais aplicados tinham domínio e equilíbrio, dando a sensação de harmonia para quem estava de fora, já os menos talentosos deslizavam mais euforicamente sem tanta graciosidade.

Nos anos 50/60, cruzavam as pernas andando por toda a superfície dos pranchões com o corpo ereto com tendência a curvar para trás, o que era um movimento bem radical na época, além dos hangs, five (um pé no bico) e ten (dois pés no bico).

Nos anos 70, o estilo começou a ficar parecido com o que conhecemos hoje, com tendência a curvar para frente com joelhos dobrados e costas arqueadas.

Já com grande aceitação das mídias especializadas, como revistas e filmes, os estilos mais
“bonitos” eram copiados e estilos “feios” eram descartados, como se ouviu falar no
documentário sobre o surgimento do skate “Dogtown – onde tudo começou”, quem
tinha estilo era rei.

Larry Bertlemann foi um dos mais copiados no final da década, mas no começo dos 70 surgiram estilos inconfundíveis, como de Terry Fitzgerald, o “Sultan of Speed”, Michael Peterson, o mais moderno surfista da década de 70, o tetracampeão mundial Mark Richards e o mestre Gerry Lopes foram apenas alguns dos expoentes dessa época de ouro que abriu as portas para o surfe como conhecemos hoje.

Durante os anos 80, foi Tom Curren que comandou a ordem junto a Tom Carroll, Martin
Potter, Gary Kong, entre tantos outros com destaque ao jovem Occy com seu surfe explosivo de backside.

Os primeiros aéreos com Matt Archbold, Christian Fletcher e no Brasil, Luiz Neguinho, Tinguinha Lima e Dadá Figueiredo foram decisivos para a nova fase do surfe, os anos 90.

Nos anos 90, o jogo virou, assim como o skate começou imitando o surfe, o surfe
começou a imitar seu irmão mais novo, surgindo as manobras aéreas.

O estilo ainda tinha peso, jovens como Rob Machado e Donavon ganhavam destaque nas revistas pelo estilo polido e gracioso nas ondas, mas era o surfe preciso de Slater que dava rédeas e era o que todos queriam ver e tentar replicar.

O século 21 começou com poucas novidades, o surfe foi verticalizando e ganhando asas. O estilo foi perdendo peso para o impacto das manobras e dificuldade em executá-las.

O surfe mais “bronco” ganhou um grande espaço com caras como Johnny Boy Gomes, Sunny Garcia e Peterson Rosa que já vinham mostrando trabalho desde os 90.

No quesito estilo, Dave Rastovich ganhou grande visibilidade no filme Blue Horizon onde fazia uma comparativa com Andy Irons e o surf de competição.

A primeira década do século XI foi uma continuação do que já estava acontecendo, com mais aéreos e malabarismos, mas agora com uma vertente bem definida de uma nova modalidade no free surf, com toda ênfase na diversão, com a “volta” com peso no longboard clássico e das pranchas fish.

Nomes como Alex Knost e Michael February começaram a ganhar destaque com um surfe totalmente fora dos padrões dos campeonatos, de forma mais veloz e fluida com ataques mais arredondados na onda.

Destaque para Mike Feb que chegou a competir contra maiores da cena, já em 2018, mas logo preferiu permanecer apenas com o free surf sendo portador de um dos melhores estilos da atualidade.

Os anos 2000 tem sido recheados de saudosismo com pranchas inspiradas nos modelos clássicos, saindo aos montes das fábricas ao redor do mundo com muitos adeptos no Japão, Europa, sem falar no berço que é a Califórnia e a Américas em geral, o que está
trazendo muita alegria para quem se afundou nas estreitas pranchinhas dos anos 90 e 2000.

De um lado o “surf du soleil”, cheio de acrobacias de nível técnico estratosférico e de outro um surfe descompromissado e solto com um único intuito, a diversão. Os destaques aqui são para o bicampeão mundial de surfe Filipe Toledo com seu estilo polido, surfe plástico, agressivo e muito veloz.

Outro grande destaque dessa década é o free surfer Torren Martyn e seu surfe limpo,
simples, despretensioso mas com técnica e estilos apurados.

Da nova geração, os destaques são Oscar Langburne, surfista radical e cheio de estilo e Tosh Tudor, filho do mestre do longboard e amante da velha guarda, Joel Tudor.

Com isso, concluímos que a expressão “estilo é tudo” é um tanto exagerada nos dias
atuais, em que o surfe exige extrema capacidade motora, técnica e preparo físico de atleta, mas com toda certeza a consciência do próprio corpo e da hidrodinâmica podem fazer toda a diferença entre um surfe harmônico e um surfe desesperado, tentando buscar manobras e pontuando cada movimento como se tudo girasse em torno de uma competição.

Buscar surfar em diferentes equipamentos, alguns maiores, mais pesados e com menos quilhas podem abrir um novo horizonte e mostrar um leque de possibilidades que jamais enxergaríamos surfando sempre com o mesmo equipamento, simplesmente por que ele traz segurança. Surfe é conexão, expressão em movimento.