Óleo nas praias

Novas manchas detectadas

Passados três anos de tragédia ambiental, consequências ainda são estudadas e novas manchas aparecem no litoral brasileiro.

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Mata de São João (BA) é atingida pelo óleo destruidor em 2019.

A tragédia do derramamento de óleo que atingiu mais de mil localidades em 11 estados do litoral brasileiro entre agosto de 2019 e março de 2020 completou três anos na última terça-feira (30), e agora, novas manchas e fragmentos começam a aparecer.

Na última sexta-feira (26), a Empresa de Limpeza Urbana De Salvador (Limpurb) informou que pequenos fragmentos foram encontrados nos trechos de Jaguaribe, Piatã, Farol de Itapuã e Praia do Flamengo. No sábado (27), um morador de Stella Maris encontrou novas manchas na areia.

Vestígios também foram encontrados em praias de nove cidades pernambucanas, no domingo (28). Segundo a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semas), eles também chegaram ao litoral da Paraíba.

Em nota, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informou que “a equipe de emergência ambiental realizou sobrevoo de análise da costa e do alto mar na segunda-feira (29) e não encontrou vestígios de manchas de óleo no litoral nordestino, que seguirá em monitoramento nos próximos dias. Os fragmentos coletados em algumas praias foram encaminhados para análise, a fim de tentar identificar sua origem”.

A tragédia teve início no dia 30 de agosto de 2019, com os primeiros registros na Paraíba. Três meses depois, a poluição se espalhou por mais de 3.000 km da costa nacional, desde o Maranhão até o norte do Rio de Janeiro.

De acordo com a Polícia Federal (PF), a partir das provas e demais elementos de convicção produzidos, um navio petroleiro de bandeira grega teria sido o responsável pelo lançamento da substância oleaginosa.

“Foram indiciadas pela prática dos crimes de poluição, descumprimento de obrigação ambiental e dano a unidades de conservação da respectiva empresa e seus responsáveis legais, bem como o comandante e o chefe de máquinas do navio”, diz o órgão.

Apenas os custos arcados pelos poderes públicos federal, estadual e municipal para a limpeza de praias e oceano foram estimados em mais de R$ 188 milhões, estabelecendo-se assim um valor inicial e mínimo para o dano ambiental.

“O valor total é apurado pela perícia da PF, que deverá encaminhar o respectivo laudo às autoridades competentes”. Procurada, a Marinha do Brasil não se pronunciou sobre o caso.

Em entrevista ao site da TV Cultura, Andrea Rocha, integrante da coordenação da campanha Mar de Luta e membro do Conselho Pastoral dos Pescadores – Regional BA (CPP) – uma das organizações responsáveis por criar a campanha – fala sobre o que vivenciou na época.

“Fomos uns dos primeiros a ser chamados pelos pescadores, inclusive, nós da CPP, na ânsia de resolver a questão, nos submetemos e colocamos a mão no óleo para apoiar as comunidades, além de participar desde o primeiro momento do processo de mobilização para acionar os órgãos competentes. Estivemos presentes em todos os momentos”, relata.

De acordo com ela, a iniciativa surgiu com o objetivo de reivindicar justiça social aos povos e comunidades tradicionais que foram atingidas pelo crime do derramamento de petróleo. Inicialmente, a principal ação foi a de dar visibilidade ao acontecimento, com mobilização social nas redes, mas ela se ampliou e ganhou um foco ainda maior.

“Entendemos que a violação de direitos das comunidades pesqueiras em relação à indústria do petróleo não se esvazia nesse crime, tem muitos casos de violação de direitos, de conflitos e ameaças que as comunidades sofrem em relação a essa temática”.

“Foi uma experiência muito triste e dolorosa de acompanhar, porque quando as pessoas começaram a perceber o óleo vindo para as praias, para o manguezal, para o estuário dos rios, foi um desespero, tanto que a primeira reação diante da falta de providência dos órgãos foi correr para se mobilizar e tirar o óleo, além de exigir que as autoridades tomassem providência”, expõe.

Andrea ainda conta que as feiras – local onde os pescadores artesanais costumam escoar sua produção – ficaram vazias, já que houve a dúvida se o pescado poderia ser consumido e comercializado. Com isso, a atividade pesqueira, tida como fundamental para a vida das comunidades que vivem nessas regiões, foi paralisada, e relatos de fome surgiram em grande quantidade na época.

O biólogo Alexander Turra, professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP) e coordenador da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano, explica que a situação causou consequências tanto para a biodiversidade quanto para as atividades humanas naquele momento, mas também que podem aparecer ao longo dos anos.

“Tivemos um efeito que ainda estamos tentando entender nos recifes de corais, nos manguezais e nas praias afetadas diretamente pelo acúmulo desse óleo na região, mas também um efeito muito severo nas comunidades dos pescadores que ficaram proibidas de pescar, vender e até mesmo comer o seu peixe. O turismo foi altamente afetado porque naquele verão as reservas nos hotéis e nas cidades caíram enormemente porque as praias estavam contaminadas. Foi uma avalanche de consequências”.

Animais maiores como as aves, tartarugas e os golfinhos também estão entre os afetados, mas a situação mais problemática se encontra entre os animais bentônicos, que vivem no fundo do mar e apresentam baixa capacidade de locomoção.

De acordo com o especialista, para esses organismos, a depender da quantidade de óleo que chegou, eles simplesmente morreram, e os que sobreviveram foram contaminados para sempre. “Tivemos aí uma catástrofe, talvez a maior junto com Mariana, que nós vivemos no Brasil”, diz.

Para Turra, identificar e punir exemplarmente os responsáveis, e ter mecanismos internacionais que garantam a segurança do transporte de carga no mar, são essenciais para que incidentes como esse, não só no Brasil como no mundo todo, não aconteçam. “A gente precisa ter a responsabilidade sendo atribuída, e os custos e prejuízos desse incidente sendo cobertos por quem o causou”, pontua.

Por fim, ele ainda destaca esforços realizados para tentar entender e prevenir casos como esses, como por exemplo, a atuação do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Marinha do Brasil na realização de pesquisas e discussões sobre os efeitos da tragédia, além de buscar soluções e tentar prevenir esse tipo de incidente.

Fonte Ana Paula Cardoso / Cultura.UOL