Meio ambiente

Esperança na Ilha dos Lobos

Liberação do pico para turismo esportivo em caiaques e stand up paddle pode ser passo positivo na reivindicação para a volta do surfe a uma das melhores ondas do Brasil.

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Onda épica de Alemão de Maresias na Ilha dos Lobos surfada há mais de 20 anos.Adriano Becker
Onda épica de Alemão de Maresias na Ilha dos Lobos surfada há mais de 20 anos.

A notícia da reabertura da Ilha dos Lobos, em Torres, no Rio Grande do Sul, para o turismo esportivo após sete anos, conforme divulgado pela CNN Brasil, reacendeu a esperança na comunidade do surfe brasileiro de ter acesso a um dos mais celebrados picos de ondas grandes do país. Por enquanto, a utilização recreativa das águas ao redor da ilha está liberada apenas para praticantes de caiaque e stand up paddle (SUP), com acesso feito em barcos credenciados. O desembarque em terra continua proibido.

Uma das esquerdas tubulares mais poderosas e perfeitas do litoral brasileiro, comparada a picos de classe internacional, como Teahupoo, quebra na bancada da Ilha dos Lobos. A proibição do surfe na ilha foi imposta em 2003, determinada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), órgão que na época geria o Refúgio de Vida Silvestre da Ilha dos Lobos. Atualmente, a gestão é do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

O principal motivo para o veto à época, segundo relatórios do Ibama, e que perdura até hoje, é a proteção da fauna marinha, especialmente os leões e lobos-marinhos que utilizam o local como ponto vital de descanso e conservação. A comunidade científica, alinhada aos órgãos ambientais, aponta que o aumento do fluxo de pessoas e embarcações, como barcos e jet-skis, para transportar e rebocar surfistas, interfere na vida e na preservação dos animais. Há ainda a preocupação com o risco de impacto em áreas de reprodução de peixes.

O impedimento pelas autoridades para o surfe no pico gerou uma forte mobilização e pressão da comunidade de surfistas ao longo dos anos pela liberação, mas, até o momento, sem sucesso. O veto ao surfe e a outras atividades sem autorização se estende a um raio de 500 metros em torno da ilha, com surfistas tendo sido inclusive multados por desobedecerem as restrições ao longo dos anos.

Dia clássico quebrando sozinho na laje.

O surfe pode voltar a ser liberado, mas isso depende da conclusão de um estudo de impacto ambiental conduzido pelo ICMBio. Este estudo tem como objetivo avaliar os impactos da prática do surfe de tow-in na área. O projeto para realizar esse levantamento foi apresentado em 2018 por Giuliano Homem, então presidente da Associação de Surfistas de Torres (AST), e a previsão é que o estudo seja feito ao longo de três anos.

“Após a conclusão do estudo de impacto ambiental, caso ele comprove que o surfe de tow-in não causa impacto, será criado um regulamento para a possível liberação da prática. Portanto, o surfe poderá ser liberado, porém com um regulamento específico que será elaborado depois do estudo. Lembrando que quem participará do estudo são as pessoas do grupo de pesquisa, devidamente cadastradas nos órgãos responsáveis. Não é qualquer pessoa que poderá vir e surfar. Atletas serão convidados, mas sem compromisso com nenhum deles; vai ser conforme o andar do projeto e a demanda”, explica Giuliano.

Ele acrescenta que a liberação do caiaque e do SUP não faz parte do estudo em relação ao surfe. “A liberação dessas atividades é separada do estudo que estamos realizando, porém faz parte do plano de uso público do Revis Ilha dos Lobos. O mesmo se aplica ao turismo embarcado, para o qual já existe um edital que permite que as empresas se cadastrem e participem dessa modalidade”, diz.

Atualização: O ICMBio, em contato com nossa equipe, respondeu que há “uma pesquisa científica a ser desenvolvida ao longo de três anos que avaliará a viabilidade ambiental da prática (surfe) e, a partir disto, caso seja viável, o ICMBio poderá estabelecer o formato e regramentos”.

Sessões na ilha

Teahupoo brasileira

Surfar a Ilha dos Lobos está no imaginário de todos os big riders brasileiros, mas poucos tiveram a chance de deixar sua marca ali antes da proibição. O registro mais marcante até hoje foi o de Alemão de Maresias em 2003, surfando com muita disposição e maestria uma onda épica, botando para dentro de um tubo que foi logo comparado a Teahupoo no Taiti. Para muitos, foi o mais espetacular tubo já surfado em território nacional.

Essa performance histórica aconteceu em uma das últimas grandes sessões antes da proibição, e foi registrada por Adriano Becker (veja foto acima). O seu parceiro de tow-in no dia do surfe, Luis Roberto Formiga, fez um post em setembro passado relembrando o feito.

“Fizemos história nesse swell na Ilha dos Lobos. O mar estava perfeito e enorme… Olhei e não acreditei no que estava se aproximando, uma onda double up encavalada, com o dobro do tamanho vindo de sudoeste… Era uma aberrante do mar… Acelerei o jet ski e consegui colocar o Alemão por traz do pico… Olhem bem e comparem essa onda com outras. Alguém surfou uma onda maior e mais casca grossa que essa no Brasil? A história do big surf no Brasil foi eternizada por Adriano Becker e jamais pode ser esquecida. Essa onda foi surfada há mais de vinte anos atrás”, escreve Formiga na legenda da publicação.

Outro big rider que surfou na ilha foi Carlos Burle, que descreveu a onda como “a laje mais perfeita que o Brasil tem,” ressaltando a qualidade da esquerda. Além deles, Rodrigo Resende, Eraldo Gueiros, Rodrigo Pedra Dornelles, Zeca Scheffer (em memória) e outros também tiveram a sorte de experimentar a sensação única agora proibida. Fica a esperança de que o veto seja revisto para que surfistas possam desfrutar, com respeito à natureza, desta maravilha brasileira.

Fonte CNN Brasil