Yuri Soledade

Sangue frio em Jaws

Um dos protagonistas do big swell em Jaws, Yuri Soledade fala sobre a sessão histórica do dia 16 de janeiro. "Nesses 26 anos que estou em Maui foram poucas ondulações como esta."

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Yuri Soledade vai para o tudo ou nada na esquerda de Jaws.

Quando uma ondulação gigante apareceu nos mapas de previsão para Jaws na última semana, poucos big riders estavam tão preparados como o baiano Yuri Soledade, 45, que há 26 anos reside na ilha de Maui.

Natural de Ilhéus, o veterano surfista já faturou o prêmio de Maior Onda do WSL Big Wave Awards no pico – ao dropar uma bomba avaliada em 73 pés em 2016 – e também é pioneiro da remada no local ao lado dos “Mad Dogs” Danilo Couto e Marcio Freire.

Desta vez, nas séries que ultrapassaram os 60 pés do último sábado (16), Yuri foi um dos protagonistas da sessão de tow-in. Em condições adversas, ele mostrou disposição para dropar mais de 20 ondas ao longo do dia e ainda foi um dos últimos a sair da água.

“Realmente, acho que nesses 26 anos que estou em Maui foram poucas ondulações como esta”, conta Soledade, que teve a companhia do filho Kaipo na sessão, além de nomes experientes em Jaws como Andrea Moller, Daniel Silvagni, Rafael Kroeff e o fotógrafo Fred Pompermayer.

Confira a seguir a entrevista completa com o big rider.

Soledade puxa os limites na histórica sessão do dia 16 de janeiro em Maui.

Como tem sido a sua temporada havaiana e você fez alguma preparação específica para este swell?

Esse ano realmente está atípico, lembrando muito a temporada de El Niño em 2015/2016. Antes deste swell já tinha dado vários outros. Acho que nunca surfei tanto em Jaws em tão pouco tempo. Desde o dia 1º de janeiro eu já caí ali umas dez vezes. Teve sessão na remada, de tow-in… Então isso proporcionou tempo para me preparar.

Vimos que esse swell seria diferente, principalmente por causa do vento. O mar estaria gigante, período bem alto, então sabíamos que o foco seria o tow-in. Acho que nesse tempo que estou em Maui foram poucas ondulações como essa. Talvez em 2004, 2009 e 2016 com duas ondulações ainda maiores. Mas realmente, devido ao vento, o swell ficou ainda mais impressionante. O grande lance também foi que o tow-in está voltando e todo mundo focou nisso. Foi um show de surfe.

Como estavam as ondas no sábado?

O swell estava mais ou menos com 50 a 60 pés, talvez com algumas ondas até maiores. Mas o que chamou a atenção é que estava bem constante. O mar começou a subir durante a manhã e das 10 horas até escurecer quebraram altas ondas. Ainda deu um pulso no final de tarde e fui o último a sair da água. No total peguei mais de 20 ondas, principalmente no finalzinho de tarde, quando a maioria da galera foi embora.

Mas o perrengue maior foi sair ali em Maliku Bay, uma loucura. As ondas estavam gigantes e a direção do swell estava fazendo com que quebrassem com tudo na baía. Para sairmos dali com o jet foi sinistro. Umas das situações mais sinistras que já passei ali.

Highlights do dia 16 de janeiro:

Quem estava com você nesta sessão?

O time foi formado com meu filho, Kaipo Soledade, além de Andrea Moller, Daniel Silvagni, Martin Jeri, Rafael Kroeff, Trevor Carlson e Fred Pompermayer. Rafael é nosso treinador e foi protagonista de uma das vacas mais incríveis da sessão. Ele voltou com o lip em uma das maiores ondas do dia, estava tentando passar a série e acabou despencando lá de cima.

Ele tomou uma bomba gigante na cabeça, várias da série depois, mas realmente se mostrou fora da curva. Provavelmente um dos caras mais preparados do mundo para aguentar este tipo de situação. Fiz o resgate antes de ele ir parar nas pedras e ele ainda conseguiu salvar a prancha!

Vimos muitas fotos suas dropando para a esquerda. Há um risco maior em pegar as ondas nessa direção em Jaws?

Há uns dois ou três anos, quando eles cancelaram o campeonato de Jaws e rolou uma sessão de tow-in, eu peguei uma onda gigante para a esquerda e botei pra dentro do tubo. Acabou que no final eu não saí e tomei a pior vaca da minha vida. Tive uma concussão e fiquei muito mal. Desta vez queria me redimir e pegar um tubo. Esse foi o foco.

Big rider baiano desce a esquerda sob o visual alucinante de Jaws.

Fiquei analisando a esquerda, sabia que quase ninguém iria pra esse lado. Quando viesse a maior do dia, eu tentaria colocar pra dentro do tubo. Veio uma onda, o Ian Walsh foi pra direita e eu para a esquerda. Fui bem na base da onda, tentando cavar ao máximo para esperar o tubo, mas a parede meio que esticou e a onda acabou fechando. Tive que botar na parte crítica e dropar reto. Ela estourou em cima de mim e tomei um belo caldo.

Quem conhece Jaws sabe que aquela esquerda é sinistra, principalmente em um dia grande, porque fica muita espuma entrando na baía e isso dificulta bastante o resgate. Depois desta onda eu já estava preparado para subir pelas pedras quando meu filho Kaipo apareceu como um anjo e fez o resgate. Graças a Deus nada aconteceu, o pior mesmo foi ter perdido a minha prancha mágica. Mas tinha uma reserva e voltei para pegar mais onda.

Como você avalia a onda da Justine Dupont, que puxou os limites do surfe feminino ao descolar um tubo em Jaws?

A Justine realmente está em um nível acima das outras meninas no momento. Isso pelo fato de ela treinar e se dedicar em ser uma boa atleta tanto no tow-in como na remada. E além disso ela vem focando bastante em ondas grandes nessa temporada. Foi para Mavericks, veio direto pra cá, e pegou as ondas certas. No sábado ela já estava no intuito do tubo, na primeira onda que pegou ficou atrasando, mas em posição perfeita. Mas foi na próxima que ela já veio fazendo história. Pegou aquele tubo animal e realmente foi uma das melhores ondas do swell inteiro. Leitura perfeita!

Qual a importância dos Mad Dogs e as principais diferenças entre o tow-in e a remada em Jaws?

Acredito que se o nível do surfe está tão elevado em Jaws, muito se deve aos Mad Dogs. Muito por causa da nossa vontade em puxar os limites. Acho que tanto eu, como o Danilo (Couto) e o Marcio (Freire), sempre tivemos aquele sonho, aquela vontade de pegar as maiores ondas. No começo foi um pouco até por necessidade, mas não havia nada nem ninguém para nos mostrar o caminho.

Em Jaws o line-up era dominado pelo tow-in, mas tudo mudou quando os Mad Dogs começaram a remar. Por causa disso, nos últimos anos o pessoal focou só na remada em Jaws. Agora o tow-in está voltando, e acho que da maneira correta. Existem os dias de condições limpas, sem vento, que possibilta ir na remada, mas existem os swells em que o tow-in vai se encaixar, que são aqueles como o de sábado, muito vento, muito grande para remar e que às vezes a gente acaba perdendo as maiores ondas.

Com o tow-in, conseguimos usar a máquina para pegar o máximo de ondas possíveis e também puxar os limites, soltar mais manobras e ficar na parte crítica da onda. Kai Lenny é um ótimo exemplo disso, com os aéreos e tal. Acho que realmente esse é o futuro, existir esse balanço entre a remada e o tow-in.

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