Surfe e Medicina

Piscinas de ondas com saúde

Colunista Guilherme Vieira Lima fala dos prós e contras do surfe em piscina de ondas, nova tendência da tecnologia do esporte.

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Kelly Slater se diverte em seu novo brinquedo em Abu Dhabi. No texto abaixo, Guilherme Vieira Lima analisa os impactos do surfe em piscina na saúde dos surfistas.Frame.
Kelly Slater se diverte em seu novo brinquedo em Abu Dhabi. No texto abaixo, Guilherme Vieira Lima analisa os impactos do surfe em piscina na saúde dos surfistas.

Recentemente, a notícia de mais uma nova piscina de ondas foi um dos assuntos falados entre os amantes do surfe. Desta vez, o local é Abu Dhabi, Emirados Árabes e a piscina tem até água salgada.

Como nenhuma construção nessa região é pequena, essa piscina tem a ambição de ser a melhor do mundo. Neste contexto, reuniram os melhores surfistas do mundo da atualidade para testá-la.

Os relatos dos que experimentaram resumem ser uma experiência incrível comparada com as melhores ondas do planeta. Realidade da qual não imaginávamos presenciar quando éramos pequenos surfistas desenhando a onda perfeita na contra-capa do caderno de matemática.

Já sabemos que a forma como o surfe é desenvolvido na piscina é muito diferente daquele no mar, mas qual o impacto na saúde que essa nova modalidade vai trazer aos praticantes?

Na coluna de maio de 2018, escrevi um pouco sobre a repercussão das piscinas do ponto de vista competitivo, vale a pena checar, mas nesta a seguir, vamos falar dos praticantes recreacionais.

Do ponto de vista dos traumas, alguns estudos recentes já mostram um índice importante, sendo a grande maioria causada pelo choque contra a própria prancha ou contra o solo, e as regiões mais acometidas foram os membros inferiores e a cabeça, sendo o ferimento corto contuso o tipo mais frequente.

Na grande maioria são traumas de rápida solução sem grandes repercussões, e que em alguns casos foram necessárias a remoção da vítima ao hospital para cuidados médicos. Em relação ao membro superior, apesar de menos frequente, a luxação do ombro teve destaque, eu mesmo já tive um paciente com esse tipo de trauma. É uma lesão grave e muito dolorosa, que necessitou de auxilio de outros para remoção da vítima da água para cuidados médicos.

Qualquer prática realizada na água merece atenção, pois todo trauma é um potencial gerador de afogamento. Sendo assim, a prevenção aos acidentes é importante, não só com a presença integral de guarda vidas orientando as pessoas, mas também com uma cultura de educação entre os praticantes, sendo essencial para diminuir o número desses eventos.

Em relação às lesões crônicas, aquelas ocasionadas pela prática repetitiva da modalidade, as fadigas musculares e a própria exaustão provocada pela frequência e intensidade de ondas surfadas num período curto de tempo, mostram um comportamento bem diferente do surfe no mar.

As piscinas de ondas exigem menos dos ombros e mais dos membros inferiores e tronco, além de um preparo cardiopulmonar mais explosivo com menor tempo de recuperação.

Nesta categoria crônica, os indivíduos melhor treinados possivelmente demonstram uma menor incidência de queixas.

A qualidade da água também é fator de atenção. Numa das piscinas dos EUA, a contaminação da água foi responsável por um grande número de infecções nos frequentadores.

A prática na piscina traz uma falsa sensação de proteção aos raios ultravioletas, então muitos praticantes não se lembram da proteção aos raios solares e acabam se queimando. Usar um traje de neoprene também é importante para manutenção da temperatura corpórea, em que a baixa temperatura da água associada à uma longa exposição pode ocasionar hipotermia.

Certamente, o comportamento pode variar de acordo com características individuais, porém os eventos adversos na piscina são mais previsíveis que no ambiente marinho.
O surfe em piscinas é uma novidade, por isso não temos muitos trabalhos científicos na área. Na grande maioria são relatos de frequentadores isolados. Acreditamos que à medida que a modalidade se expandir, novos dados irão surgir.

A tecnologia das piscinas vai levar o surfe aos mais diversos locais do planeta, vai permitir que indivíduos de uma cidade como São Paulo façam suas sessões no intervalo do almoço, por exemplo.

Do ponto de vista da saúde mental e do bem estar, não temos dúvidas da imensidão de benefícios que estas piscinas trazem. Fugir um pouco de uma rotina estressante de uma cidade grande e surfar certamente diminui o nível de tensão dos indivíduos que moram distante da praia.

Sabemos que o acesso ainda é restrito a uma camada privilegiada, mas com o grande número de piscinas em planejamento esperamos ampliar mais ainda esta camada.

Nada substituirá a emoção de um final de tarde na praia, nas férias com os seus amigos surfando a onda perfeita. A piscina é uma nova modalidade de surfe, é o mais próximo de uma condição perfeita e certeira para uma rotina corrida da cidade.

O surfe e nossa saúde só têm a ganhar!

Fontes

1) de Souza, Thiago Ferrão1; Burini, Franz H P2; Salinas, Pedro Borloni3; Burini, Roberto Carlos FACSM4. Wave Pool Surfing Injury Risk Factors And Adverse Outcomes Profile: 3063. Medicine & Science in Sports & Exercise 55(9S):p 1030, September 2023. | DOI: 10.1249/01.mss.0000989420.73182.e7

2) Wende C, Lambert C, Hoeher J, Balke M. Injuries and Use of Safety Equipment in River Surfing. Orthop J Sports Med. 2023 Apr 27;11(4):23259671231155884. doi: 10.1177/23259671231155884. PMID: 37138943; PMCID: PMC10150426.

3) Surfer

4) The Wave 

5) The Inertia

6) Amusement Ride In Jury

7) Kevin Brodericklaw

8) Beachgrit

9) Reif Flaw Firm

10) Beachgrit

11) Constantin Reiber, Jennifer Straatman, Eline Thijssen, Markus Knoeringer, Ognjen Markovic, River surfing injuries – Epidemiology, mechanism and prevention,
Sports Orthopaedics and Traumatology, Volume 38, Issue 3, 2022