Surf & Aventura

Tiro pela culatra

Alex Gutenberg exalta as qualidades da Barrinha e fala sobre a politicagem de Kelly Slater e o Surf Ranch.

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Filipe Toledo e seu show particular nos tubos da Barrinha.

Vou escrever sobre vários tópicos nesta coluna. Primeiro o campeonato de Saquarema. Muita gente está perguntando por que não fizeram o evento na Barrinha anos atrás. Certo, do jeito que foi, era para ter sido na Barrinha desde 1978.

Bem, porque colocaram os molhes lá não faz tanto tempo, e as ondas eram inconsistentes, o swell não pegava de jeito. Ondas assim eram eventuais – me disse um surfista local, amigo meu. Então, esse fundo e a ondulação é algo relativamente novo, depois de uma adequação entre as marés e a lagoa.

Claro que o campeonato foi espetacular, os sites e revistas do mundo inteiro estão elogiando as ondas e que o Brasil não é mais o “shit place” para todos os surfistas estrangeiros. Por muitos e muitos anos os profissionais reclamaram, e vários deles ficaram sem visitar o País. A ASP e a WSL (agora) só fizeram campeonatos aqui por causa dos patrocínios, ou seja, a grana. Mas eles (WSL e pressão dos surfistas) estão sempre tentando encontrar um outro lugar.

E é aí que eles se ferraram. E é por isso que Saquarema 2018 foi histórico. Não por causa das ondas, não por causa do Filipe ter detonado. Por outra razão muito mais importante, ou seja, política.

Público lotou as areias de Saquarema. WSL deve ter saído satisfeita.

Sim, eu sei que os leitores são surfistas e não querem saber de política. Mas tudo na vida é política. A decisão dos critérios de julgamento num campeonato é política pura entre os envolvidos. A escolha dos locais para as etapas do circuito mundial é política – conversa com prefeitos, governadores, patrocinadores, quem vai levar vantagem, quem não vai, quanto vai custar, tudo isso é politicagem.

Muito bem. Vocês sabem qual foi a intenção do campeonato no Rancho de Kelly Slater no fim de semana retrasado? Kelly estava fazendo política. Ora, ele está tentando mostrar para o mundo e para WSL o seguinte – em vez de fazer campeonatos onde as ondas são uma droga, melhor fazer no meu rancho. Ou nas minhas futuras piscinas de ondas que vou abrir por aí.

A etapa brasileira estava em primeiríssimo lugar para ser trocada. Ninguém do circuito quer vir por aqui. Todo mundo reclama das ondas. Aí, o Kelly faz um evento num fim de semana, redondinho, perfeito, com uma audiência enorme na TV americana, com o público pagando caro e lotando o rancho, ou seja, ele quer abocanhar mais uma etapa. Assim como fez com Trestles. Tudo é politicagem meus caros, tudo é dinheiro.

O problema é que o tiro saiu pela culatra. Depois do evento do Slater em Lemoore, a reclamação maior dos surfistas era que a piscina não tem o mesmo carisma, approach do mar, onde nada é perfeito, mesmo em ondulações constantes como Pipe em dezembro. E aí, na semana seguinte, aparece essa Saquarema. O que acontece? Ora, o melhor possível para o surfe, ou seja, ondas boas, fortes, tubos, paredes difíceis, backwash criminoso, tudo que os surfistas gostam.

E agora? A imprensa mundial do surfe só elogiou o evento. Os surfistas acharam sensacional. O Wade Carmichael disse que as ondas da Barrinha são espetaculares, difíceis, um desafio como todo surfista profissional gosta. E todo mundo se esqueceu do Founder’s do Rancho do Slater. E agora, Kelly Slater? E seu lobby para abocanhar mais uma data, tirando do Brasil a etapa?

Kelly Slater faz jogo político com o seu Surf Ranch.

A WSL ficou muito feliz com o evento no Rio de Janeiro, surfistas profissionais adoraram e ficaram aliviados de saírem da máquina de surfe da piscina do careca, e, agora, acho difícil tirarem o Brasil do circuito.

Saquarema não é Pipeline, nem Teahupoo, nem Jeffrey’s Bay. Nunca vai ser, mas já criou seus encantos para o mundo, já se estabeleceu e ninguém mais tira a etapa de lá. Pelo menos por enquanto.

Notas

Filipe Toledo mostrou que é bom não apenas em aéreos, mas provou que é um tuberider (manobra lá dentro, acelerando), e suas batidas estão cada vez mais iradas, verticais, seus cutbacks enfiando a borda na água com força, sem dó nem piedade. Para ele, agora, só falta vencer num local de power waves. Aí então, ninguém mais vai segurá-lo.

Gabriel Medina teve seu momento amador contra o Carmichael. Perdeu o controle de tudo. Não sabia o que fazia no mar durante 35 minutos. Não pode ficar mais perdido em dia de mudança como ficou naquela bateria. Poderia ter ido à final. Medina é talento puro, mas precisa melhorar o backside e a estratégia. Já falei isso aqui e tomei porrada – ele é técnico, mas não pode deixar essas fraquezas tomar conta dele nas baterias. Competição é matar ou morrer.

Os australianos estão prometendo destruir os brasileiros nas etapas na Indonésia. Eles conhecem o local, uma espécie de quintal deles. Vamos ver, teremos direitas e esquerdas para ninguém botar defeito. E acho que o Medina se recupera. E acredito que, com uma boa estratégia, Filipe Toledo vai passar por cima de novo. Vamos ver. Keramas não é Barrinha.