Adriano de Souza

O último dos tupiniquins

Pedro Maurity homenageia o "capitão" Adriano de Souza, atleta que mudou os rumos do surfe brasileiro.

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Adriano de Souza durante apresentação de gala no Tahiti Pro 2019.

No final dos anos 80, quando tive meu primeiro contato com o universo do surfe, me recordo bem da idolatria que tínhamos aqui no Brasil em relação aos gringos. Tom Curren, Occy, Martin Potter… Confesso que esses caras são meus heróis, até hoje. Talvez por terem surgido em um momento tão marcante da minha vida, afinal com 12 anos tudo é pura magia, talvez por terem sido, de fato, surfistas que revolucionaram o esporte e impulsionaram a indústria do surfe, como poucos. Na minha cabeça, o surfe de Pottz com aquela prancha verde e amarela do Glenn Pang nunca envelhecerá.

Nessa época, de um lado por conta da pouca informação e de outro pelas dificuldades financeiras que os surfistas brasileiros tinham pra correr todas as etapas do Tour, os ídolos nacionais da molecada eram, de certa forma, regionais. Criado no Rio, naturalmente, Dadá e Pedro Muller eram meus favoritos. Grandes surfistas. Inspiraram muitos da minha geração.

A década virou e, nos anos 90, com Teco e Fabinho firmes no circuito, as esperanças foram renovadas. Não esperança de título mundial… Isso ainda era algo muito distante, até mesmo pra se sonhar. Mas era visível que, então, podíamos dizer: agora sim temos dois brasileiros que surfam com o estilo e a fluidez dos gringos! Não existia mais bateria impossível.

A década de 90 foi gloriosa para o surfe brasileiro. Fabinho, Teco e Vitinho, dentre outros, venceram etapas importantes do Tour e, mesmo sem ter isso como um objetivo maior, deixaram plantada a sementinha da vitória. Vitinho chegou a terminar o ano de 1999 em terceiro lugar do ranking mundial. Um enorme feito, então.

Mesmo com tantos talentos, parecia que faltava na equipe brasileira alguém com a coragem de “chegar para vencer”.© WSL / Kirstin
Mesmo com tantos talentos, parecia que faltava na equipe brasileira alguém com a coragem de “chegar para vencer”.

Os anos foram passando, e o Brasil, aos poucos, foi tornou-se a terceira potência do esporte, com resultados ocasionais, mas, sempre, com um time de surfistas de alto nível. Neco, Peterson, Raoni e cia. Mostravam para o mundo um surfe cada vez mais moderno e potente. Neco, em especial, não só conquistou etapas importantes, mas foi um dos primeiros surfistas do Tour, talvez o primeiro, a utilizar em competições uma prancha menor e um pouco mais larga – o que hoje virou a prancha de todos surfistas, porém, naquela época de pranchas cumpridas e extremamente estreitas, chamava a atenção de todos. Venceu a etapa de Huntington Beach com uma 5’11” nesse estilo, shapeada por Cláudio Hennek.

Mas, mesmo com tantos talentos, parecia que faltava na equipe brasileira alguém com a coragem de chegar pra vencer mesmo. Como diz a expressão: “Medo de ser feliz”. Parecia que o time precisava de um capitão.

O século virou e, no início dos anos 2000, apareceu um moleque humilde e muito habilidoso, do Guarujá, que mudaria pra sempre a história do surfe brasileiro. O nome dele era Adriano de Souza.

Ainda com 15 anos, em 2002, Mineirinho foi o campeão mais jovem de uma etapa do circuito nacional, e, ainda desconhecido por muitos, acendeu uma luz de esperança nos que acompanhavam o surfe mais de perto.

No ano de 2004 conquistou o Mundial Pro Junior, na Austrália, e, em 2005, venceu o WQS com pontuação recorde. Em 2006, ingressou no Tour cheio de moral, com fama de promessa, mas ainda com aquele estigma de que surfista brasileiro só ganha etapa, no máximo. A verdade é que pra título mundial a galera não levava fé.

No mesmo ano em que foi campeão mundial, Adriano de Souza tornou-se o primeiro brasileiro a ganhar uma etapa do CT em Pipeline.© WSL / Kirstin
No mesmo ano em que foi campeão mundial, Adriano de Souza tornou-se o primeiro brasileiro a ganhar uma etapa do CT em Pipeline.

Com seus bottom turns longos, rasgadas power, aéreos no pé, e, sobretudo, uma competitividade nunca antes vista no circuito, Adriano de Souza, ano após ano, foi vencendo etapas e terminando o ano, sempre, na parte de cima do ranking, liderando o que hoje chamamos de Brazilian Storm.

Entre os anos de 2009 e 2012, terminou três vezes em quinto no ranking e travou batalhas históricas com Slater, que não sentia essa rivalidade desde os tempos de suas batalhas históricas contra Andy Irons.

Seguindo seus passos, apareceram no Tour Gabriel Medina e Filipe Toledo, brasileiros com status “gringos”, que já tiveram um treinamento internacional, desde muito novos, diferentemente do Mineiro, e ingressaram no circuito com fama, esses sim, de possíveis campeões mundiais. Era a chegada da molecada brasileira internacional, com talento fora da curva e farta experiência em ondas de qualidade, embora a pouca idade.

Em 2014, Medina trouxe para o Brasil o primeiro título mundial e a sensação era de que Mineiro já tinha feito a parte dele abrindo o caminho para os que chegavam e que aquele seria o momento de passar o bastão pros novos talentos, que chocavam o mundo executando aéreos de free surf em baterias. E acertando a maioria.

Virou o ano e, ao contrário do que todos imaginavam, ao invés do título de Medida aposentar nosso capitão, o encheu de gás. Após vencer duas etapas, sendo a segunda a primeira vitória de um brasileiro em Pipeline, Mineirinho, finalmente, sagrou-se campeão mundial.

Mineirinho sente o carinho da torcida no Oi Rio Pro 2019.

Mesmo com essa trajetória impressionante, Adriano de Souza nunca foi valorizado como deveria pela mídia internacional e, até mesmo, pela brasileira. A chegada dos novos fenômenos Medina, Filipinho e Ítalo, donos de um surfe progressivo, inacreditavelmente veloz e preciso, acabou ofuscando um pouco o feito de nosso campeão mundial.

Atleta focado e pessoa muito bem resolvida, nosso capitão sempre preferiu agradecer pelas suas conquistas de vida a reclamar das eventuais injustiças. Características clássicas de um grande campeão.

Após o título mundial, em 2016, visivelmente mais relaxado, por conta de ter alcançado o seu grande sonho, continuou surfando bem e calando os críticos. Em um mar difícil, levou pra casa o troféu da etapa brasileira, realizada em Itaúna, e foi para os braços da galera. Festa muito merecida.

Ano passado, se contundiu e, mais uma vez, foi aposentado pelos comentários de muitos críticos. Mas, novamente, reergueu-se e, semana passada, fez uma apresentação de gala, digna de campeão mundial, na etapa do Taiti, realizada em uma das bancadas mais temidas do planeta. O capitão é sinistro.

A verdade é que, hoje em dia, nos acostumamos com esse domínio brasileiro no circuito. Atletas como Medina, Filipinho e Ítalo já entram em praticamente qualquer bateria na condição de favoritos. Além de tantos outros talentos como Yago, Jadson, Caio e Michael Rodrigues, que correm por fora. Em suma, nos habituamos a vencer.

Mas quem acompanha surfe há mais tempo, desde a época em que brasileiro ganhar era zebra, sempre valorizará um pouco mais as vitórias suadas, sofridas. Vitórias de um surfista que foi obrigado a evoluir dentro do circuito, sempre aperfeiçoando seu surfe e recuperando – dentro do Tour – o tempo de treinamento internacional que não teve na infância e adolescência. Determinação de campeão.

O Brasil, provavelmente, terá outros títulos mundiais, mas, dificilmente, teremos outro número um que foi obrigado a superar tantas barreiras como Mineirinho. Fez a transição do Brasil do “quase” para o Brasil campeão, na WSL. E ainda garantiu seu caneco. Grande campeão, grande competidor, grande surfista.