Leitura de Onda

Quem tem medo de tubarão?

Tulio Brandão fala sobre o polêmico cancelamento do Margaret River Pro.

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Etapa em Margaret River foi cancelada devido ao risco de ataques de tubarão.

Medo, pelo visto, pouca gente tem – a saber, apenas Italo Ferreira e Gabriel Medina, que se manifestaram publicamente sobre a sucessão de ataques no Oeste Australiano, bem perto de onde se desenrolava a etapa de Margaret River.

O que mais se viu, entre amadores, profissionais e até entre jornalistas d área, sobretudo no conforto das redes sociais, foram rompantes rasgados de coragem.

Jordy Smith entrou na água, num dos dias de alerta máximo, para um tímido freesurf de 40 minutos – com a infraestrutura do evento a seu dispor. Nick Carroll, na frente de seu laptop, criticou sem medo o pavor dos brasileiros. Nas mensagens idiotizadas e instantâneas da web, não faltou gente braba para tachá-los de medrosos.

Kelly Slater, nosso Pelé dentro e fora d’água, perdeu a oportunidade de ficar calado. Atacou, de novo, os brasileiros, mas, claro, defendeu a sua sócia, a WSL.

Quase todos em nome da coragem, da atitude. Alguns em nome do interesse.

Houve até quem ressuscitasse uma discussão morta, de matar tubarões para salvar surfistas. Algo similar a matar seres humanos dentro de seus próprios quartos.

Gabriel Medina se manifestou publicamente sobre os incidentes no Oeste.

Sobre o medo, não há muito o que dizer, a não ser que tubarões são realmente uma ameaça a surfistas. Sempre foram, e podem ser tornar cada vez mais mortais, diante da escassez crescente de alimentos provocada pela sobrepesca nos oceanos.

Sobre a violência de matar uma espécie topo de cadeia, em seu habitat, com todo o respeito, isso é estupidez. Taj Burrow anos atrás andou defendendo essa linha de raciocínio na Austrália – e não ficou bem.

Em Margaret, todos sabem, há tubarões. Em 2018, deu-se ainda uma situação atípica, o que agravou o risco: a aproximação de carcaças de baleias, que teriam tornado os dentuços mais agressivos. Some isso aos relatos de ataques em praias vizinhas, em plena janela de evento e voilà, a crise foi construída.

Os posts de Italo e Medina certamente ampliaram a pressão da WSL, mas o evento não foi cancelado na conta do “medo” deles. A despeito de ainda sofrer influência de culturas bem mais acostumadas à presença de tubarões que a brasileira, como a da Austrália, a entidade precisa gerenciar seus riscos.

A morte de um surfista profissional, ao vivo, em águas sabidamente infestadas de tubarão, nas circunstâncias de risco ampliado deste ano, seria uma porrada muito dura de aguentar para uma entidade que ainda patina em busca da consolidação de seu modelo de negócio.

A aproximação de carcaças de baleias teriam tornado os dentuços mais agressivos.

Com algum esforço, é possível até fazer uma conta matemática do rombo que essa tragédia representaria ao esporte. E como havia um risco ampliado, por uma razão circunstancial, a entidade optou por seguir em modo de segurança.

A prova não foi cancelada por medo, e sim pelo negócio. Decisão acertada.

Para além das circunstâncias, no entanto, a WSL ainda não está em segurança quando o assunto é tubarão. Seria absurdo acabar com etapas em praias que registram usualmente a presença de tubarões, como Margaret River. Se é para discutir a saída da etapa do calendário, que se discuta pelo viés dos três eventos em apenas um país.

Protocolos de segurança vem sendo aplicados com mais atenção desde J-Bay, em 2015, após o incidente de Mick Fanning naquele pico. Ali, o acaso deu uma enorme chance à entidade, ao expor o problema, ao vivo, para todo o planeta, sem que o mar se colorisse de vermelho.

Ano passado, no mesmo pico sul-africano, os tubarões deram o ar da graça, diante das câmeras, e, sem aparentemente sem representar risco, transformaram-se apenas em personagens de uma narrativa alucinante, com imagens viralizáveis no mundo das notícias. O tubarão virou, ali, um ativo da entidade, e não um risco.

Mas os protocolos, em geral, não me parecem consistentes o suficiente para manter a importante cultura de surfar em ondas com a presença de tubarões com segurança – diga-se de passagem, as melhores ondas do tour. Há o reforço de jet-skis, há um drone e até gente observando o line-up, mas isso, agora, parece pouco. Há tecnologia para ir muito mais longe no monitoramento de grandes peixes em área de competição. Talvez, estas soluções exijam mais investimento.

Agora, diante do custoso cancelamento de uma etapa, espera-se que os donos da negócio avancem definitivamente na institucionalização de mais e melhores protocolos, com o auxílio de novas tecnologias.

Afinal, o tubarão é parte integrante do espetáculo, desde que monitorado e a uma distância segura de profissionais pagos para pegar onda.