Icaro Cavalheiro

Desafio da saúde mental

Colunista Icaro Cavalheiro alerta para as dificuldades em lidar com questões de saúde mental na área esportiva.

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Havaiano John Shimooka, ex-top do circuito mundial, tirou a própria vida depois da morte da esposa.

Estamos vivendo numa época em que os tabus sobre a saúde mental estão sendo quebrados pouco a pouco. A depressão e o suicídio sempre estiveram presentes nas sociedades, mais presentes ainda entre os profissionais que exercem atividades sob pressão, dentre esses, os atletas de alto nível nos mais variados esportes.

Fato é que estes casos vêm aumentando em todo o mundo, ano após ano. Seriam estes fatores já existentes em gerações passadas, ou são sintomas da nova geração de esportistas?

Para entender um pouco sobre o que está ocorrendo com estes atletas de alto desempenho, fomos pesquisar sobre o assunto e aqui pretendemos alertar atletas, familiares, técnicos e patrocinadores, para estes sintomas que chegam silenciosamente.

Para entender melhor o assunto, algumas perguntas serão inevitáveis e irei contar com o auxílio do psicólogo Sergio Murilo Hey, especialista em psicologia esportiva, para nos esclarecer e tentar nos ajudar mutuamente neste delicado assunto que acaba por interromper, ou até mesmo destruir, carreiras de atletas das mais diferentes idades e modalidades.

O termo saúde mental está diretamente ligado ao bem-estar e a qualidade de vida emocional, cognitiva e social. Ter saúde mental é estar de bem consigo mesmo e com o outros, é saber lidar com as situações de incertezas, indesejadas, inesperadas e, aprender a lidar com situações de pressão, dor e luto. Bem como, aprender a lidar com as situações desejadas e as tão sonhadas.

Hoje, em virtude de um período pandêmico e por conta da tecnologia, estamos começando a saber que saúde mental existe. Os veículos de comunicação estão nos possibilitando falar mais sobre o assunto, abrindo a possibilidade de criarmos uma cultura esportiva mais humanizada e saudável dentro e fora dos esportes.

A saúde mental está presente na vida de todos nós e sempre esteve presente na vida das gerações anteriores. Porém, os atletas ainda hoje são vistos e tratados como máquinas capazes de gerarem mais e mais resultados e a quebrarem recordes atrás de recordes.

O tricampeão mundial de surf Gabriel Medina recentemente disse: “Cheguei ao meu limite”, ao anunciar, no final de janeiro 2022, que não iria competir na etapa do Circuito Mundial de Surf, no Havaí, para cuidar da saúde física e mental.

Gabriel Medina afastou-se do CT para cuidar da saúde física e mental.

Segundo o Conselho Federal de Psicologia (CFP): “Saúde Mental tem a ver com o bem-estar físico, psíquico e com o bem-estar social”. E, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), “Saúde Mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade”.

A pergunta é: como a saúde mental pode influenciar na vida dos atletas ao ponto de não conseguir mais competir e terem que buscar tratamento? Causam breaks das competições, ficam deprimidos e alguns acabam até mesmo abandonando suas carreiras.

O doutor Sergio Murilo Hey expôs que os problemas de saúde mental afetam diretamente nos estados emocionais, cognitivos e muitas vezes nas relações interpessoais dentro e fora do ambiente esportivo. Esse desequilíbrio afeta na maneira como o atleta pensa, sente, se comporta e como ele se relaciona socialmente, podendo gerar casos de ansiedade, estresse, abuso de drogas, distúrbios alimentares, distúrbios do sono, depressão e até mesmo o suicídio. Se não ficarmos atentos, pois os ambientes esportivos de alto rendimento estão gerando e potencializando estes desequilíbrios, agravam-se esses transtornos.

Sabendo disso, lembramos de atletas vitoriosos de esportes como: tênis, futebol, futebol americano, surfe, basquete, natação, enfim… de vários esportes sofrendo deste mal, tornando-se público e notório a necessidade de buscar ajuda profissional. Enquanto alguns que não tiveram esta sorte, e não foram detectados com esta tal enfermidade na área esportiva, chegaram aos extremos e tentaram o suicídio e, em alguns casos as vias de fato, abalando o mundo dos esportes.

Hoje, o movimento de alguns atletas da elite dos esportes de estarem falando deste estigma e a começarem a dar voz e importância ao Termo Saúde Mental abre espaço e encoraja outros atletas a buscarem ajuda, e a ajudarem outros atletas a falarem sobre este assunto.

O Dr. Sergio Murilo salienta que precisamos criar uma cultura esportiva mais humanizada e mais saudável, tendo em vista que os esportes de alto rendimento, de uma maneira geral, não são saudáveis. Quem conhece a realidade de um atleta de alta performance sabe que esses atletas não têm vida familiar, social e muitas vezes perdem a sua vida pessoal. Vivem intensamente o mundo esportivo de alta performance na luta por melhores resultados e por melhores condições de vida, e assim esquecem de viver.

O depoimento de jogador de futebol, Cicinho, ex-atleta da Seleção Brasileira, ilustra muito bem essa realidade: “Vemos vários casos de depressão no futebol. Vimos o Nilmar, o Thiago Ribeiro, o Jô deu a volta por cima agora. Muitos até morrem por conta de problemas com a bebida, cigarro”, prosseguiu o ex-lateral-direito.

“A vida não é somente dinheiro, comida e bebida. Bebida não combina com futebol. Não combina com nada. O atleta tem que se preparar. Me preparei para chegar no topo, mas não me preparei para me manter nele. Tinha conquistado tudo, joguei no São Paulo, Real Madrid, Seleção Brasileira”.

No surfe, por exemplo, temos alguns casos, tais como John “Shmoo” Shimooka, que não suportou a morte da sua esposa Lisa, entrou em problemas de saúde mental e veio a suicidar-se um ano e meio depois. Sunny Garcia, Jean da Silva e Andy Irons, entre outros.

A pressão da prática esportiva por resultados, patrocínios, fama, família e pela manutenção dela, influenciam para agravar estes quadros. O desafio está em entender que mesmo os campeões têm suas dificuldades e suas limitações. Precisamos olhar para estes atletas como seres humanos, como seres assim como nós. Pois, ninguém suporta viver uma vida sobre pressão constantemente, seja no esporte ou na vida.

Há consenso entre os psicólogos e psiquiatras que em algum momento essa pressão vai se expressar, e é nesse momento que mora o problema. Não sabemos quando e como essa pressão irá se manifestar. Falar é a melhor prevenção e forma de tratamento.

Hoje em dia, instituições esportivas de diferentes modalidades do mundo todo estão engajadas em promover o termo Saúde Mental e estimular seus atletas, familiares e pessoas próximas a pedirem ajuda e a cuidarem da sua saúde mental.

O primeiro passo é falar! Se você já está sentindo alguns desses desconfortos e desequilíbrios ou você está percebendo essas questões em um amigo, filho, pai, mãe ou até mesmo um parceiro de trabalho ou colega da prática esportiva, fale e peça ajuda.

Precisamos aprender a falar dos nossos sentimentos e emoções, seja com pessoas mais próximas ou com profissionais da área da saúde. Segundo alguns atletas, falar só foi possível quando não foi mais possível aguentar a dor e o sofrimento, salienta Dr. Sergio Murilo.

Segundo o atleta/jogador de basquete da NBA, Kevin Love, ao revelar que chegou a ter um ataque de pânico durante uma partida: “Quero deixar claro que não tenho coisas resolvidas sobre tudo isso. Estou apenas começando a fazer o trabalho duro de me conhecer. Por 29 anos, evitei isso. Agora, estou tentando ser sincero comigo mesmo. Estou tentando ser bom para as pessoas na minha vida. Estou tentando enfrentar as coisas desconfortáveis da vida enquanto também desfruto e sou grato pelas coisas boas. Estou tentando abraçar tudo, o bom, o ruim e o feio.”.

O Dr. Sergio Murilo relata que o ideal é que o atleta, técnico, familiar ou empresário/patrocinador procure um profissional competente da Psicologia ou Psiquiatria Esportiva para iniciar um trabalho de autoconhecimento e de preparação psicológica e esportiva. Caso o atleta não tenha coragem de buscar um profissional, ou que a instituição/equipe esportiva não tenha um profissional da área, é importante que tanto o técnico quanto as pessoas a sua volta estejam atentos aos sintomas para conversar com esse atleta para buscarem juntos um profissional qualificado.

É preciso muita atenção para identificar os sintomas existentes, pois eles podem surgir de diferentes formas: a depressão é um transtorno comum caracterizado por tristeza, perda de interesse, ausência de prazer, oscilações entre os sentimentos de perda, culpa, baixa autoestima e falta de esperança, aliada ao distúrbio de apetite e do sono.

A nível cognitivo, os sintomas existentes são: dificuldade de pensar, concentrar-se, pessimismo, pensamentos suicidas ou preocupações com a morte.

A nível emocional, os sintomas existentes são: desânimo, inutilidade, culpa, tristeza profunda e grande vazio ou insignificância.

A nível físico, é possível perceber: mudanças de apetite, alteração no sono, dores crônicas, diminuição do interesse sexual, perda de energia, ansiedade e inquietude.

A nível comportamental, é possível perceber: pouco contato visual, perda de prazer nas atividades sexuais, autoexclusão de atividades sociais, abuso no consumo de álcool e drogas. Além disso, diz o doutor: “Falar de suicídio ainda é um tabu e a primeira dica é falar”.

Precisamos ter coragem de falar sobre este assunto no ambiente esportivo, dentro de casa e nas nossas relações sociais. Falar ajudar a aliviar a dor e o sofrimento humano.

Basicamente existem três tipos de suicídio: Suicido Planejado, Suicídio Impulsivo e Suicídios Indiretos.

O suicídio planejado é quando a pessoa pensa nos processos da execução, quando o atleta começa a arquitetar como e quando pretende pôr em ato eventos mais graves, porém menos comum.

Suicídios Impulsivos geralmente ocorre quando a pessoa não está bem. Fruto de uma situação indesejada de muita dor e sofrimento seguido de um ato/impulso que gira em torno de 4–10 segundos, com possível evento morte, são eventos marcantes e mais comuns.

Suicídios Indiretos é quando o atleta apresenta comportamentos de risco, a pessoa começa a desrespeitar regras de trânsito, consumo excessivo de álcool e drogas, atos sexuais de uma forma irresponsável etc, são eventos comuns e pouco falados.

Devemos estar atentos aos sintomas comportamentais quando os atletas verbalizam constantemente frases negativas, tais como: a vida não tem sentido, tenho vontade de sumir, vocês vão sentir a minha falta, me sinto tão sozinho, não queria ter nascido, vocês não me entendem, eu quero sumir.

Sintomas passíveis de serem observados: oscilação extrema dos estados de humor, aceitação da morte, se desapegar das coisas que até pouco tempo faziam sentido e tinham valor, ficar só no quarto constantemente, falta de higiene diária e autocuidado pessoal etc.

Importante deixar claro que a pessoa que busca o suicídio nunca é pelo desejo de morte, mas sim… desejo de acabar com a dor e um sofrimento que está insuportável.

Hoje, os profissionais do futuro estão estudando e se adaptando com o uso da tecnologia. O uso da telemedicina e as possibilidades de acompanhamento híbrido facilita no acompanhamento e na preparação psicológica, na prevenção e no tratamento. Utilizamos hoje ferramentas de Avaliação Psicológica e Esportiva, Aparelhos de Biofeedback, Aparelhos de Neuro-feedback, Aparelhos de Realidade Virtual, Jogos Educativos e Cognitivos, Aplicativos de Atenção Plena/Mindfulness e Meditação. Além das múltiplas possibilidades de atendimentos por videochamadas e presenciais.

É preciso desmistificar, é preciso entender, é preciso falar. A inserção da Psicologia e a Psiquiatria Esportiva no dia a dia das equipes e instituições esportivas está aí para auxiliar a todos, seja na vida dos atletas profissionais ou de qualquer pessoa que apresente esses sintomas.

E você, já teve depressão? Teve ou terá coragem para falar e pedir ajuda?
Você conhece alguém que tem ou teve depressão? Você conseguiu identificar e ajudar?
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Aloha!

Icaro Cavalheiro
Com mais de 40 anos de atuação no surfe profissional, exerce a função de árbitro e head jugde desde o ano 2000 em competições nacionais e internacionais, incluindo o Circuito Mundial da WSL, do qual também foi comentarista da transmissão em língua portuguesa. Atualmente reside nos EUA e atua como head judge no Circuito Norte-Americano. Como surfista é o único brasileiro campeão estadual (SC) em todas as categorias do surfe competitivo: Mirim, Júnior, Amador, Profissional e Master. Bicampeão paranaense profissional em 1988 e 1989. Campeão Catarinense Profissional 1988. Fez parte de competições da elite mundial, entre outras façanhas como competidor.