Gustavo Arruda, o Guga Arruda como é conhecido, foi surfista profissional da elite brasileira durante vários anos, tornou-se shaper e designer e hoje segue no rip dentro e fora da água.
Com a vasta experiência em picos mundo afora, ele é presença garantida na água, além de atuar como coach de surfe competitivo, arbitrar campeonatos, entre outros. Aos 50 anos Guga é um dos idealizadores da Powerlight Surfboards, fábrica de pranchas inovadora que conta com moderna tecnologia de fabricação com materiais nobres como lâminas de madeira e fibra de carbono.
Na entrevista abaixo, concedida com exclusividade ao Waves, ele mencionou quem são seus shapers inspiradores, falou sobre pioneirismo, competições, novos materiais, além de explicar alguns processos, entre eles a criação de seus modelos.
Confira!
O que vem à sua cabeça quando um cliente vem encomendar uma prancha?
Qual sua demanda real? Tem os desejos do cliente que devem ser levados em consideração sempre. Contudo eu exponho pra ele: olha se é isso que você deseja, podemos fazer. Mas procuro mostrar todas as possibilidades e a real necessidade. Entrada na onda pra mim é número 1. Ter mobilidade, conforto, velocidade e segurança, número 2. A partir daí a gente vai estudar entendendo qual é o tipo de onda que ele vai surfar, qual é sua habilidade e o que realmente ele precisa, além do que deseja.
Qual os principais pontos em uma prancha para definirmos se ela é alta performance, mediana ou para iniciante?
A prancha tem que ser muito boa, isso é que importa. Ela tem que ter velocidade e mobilidade para todos os níveis. O que muda mesmo é o volume, e às vezes para ter um volume maior, a gente precisa de uma prancha mais larga e mais robusta, então vamos nessa direção quando a prancha é para um iniciante. Pro intermediário que vai se aproximando do avançado a gente já pode trabalhar com uma prancha com menos volume, mais refinada.
Em sua opinião, as próximas inovações em pranchas de surfe caminham na direção de novos materiais de laminação (a exemplo do que está acontecendo com as pranchas feitas inteiramente com fibra de carbono), ou ainda há espaço para mudanças significativas em termos de design: pranchas diminuírem ainda mais, pranchas ficarem muito mais estreitas, pranchas muito menos espessas?
Posso dizer que fui pioneiro na fabricação de pranchas de carbono no Brasil e no mundo. Não vou afirmar que fui o primeiro, não sei quem foi o primeiro. Mas a primeira que eu vi, fui eu quem fiz. E na verdade eu vi uma prancha do Avelino Bastos com a metade carbono e a outra metade kevlar, quando eu ainda era competidor, moleque.
Depois passei anos sem ver esse tipo de produto, e há cerca de 15 anos atrás eu fiz uma fábrica, a Powerlight, que faz pranchas sem longarina baseada em construções mais resistentes de laminação.
Ou seja, fibra de carbono, lâmina de madeira, entre outros materiais mais nobres que a fibra de vidro. Essa é a essência e o conceito da Powerlight, que é uma prancha mais forte e leve. Então há 20 anos atrás eu comecei a competir com as minhas próprias pranchas de carbono, fiz muita prancha desse tipo, porém o mercado não absorvia no volume que absorve hoje.
O Filipe Toledo ganhou campeonato da elite com prancha de fibra de carbono, o mundo começou a entender melhor, mas eu já estava nesse processo muito antes das marcas do Brasil e das estrangeiras também.
Ou seja, para mim a tendência é essa, eu sigo trabalhando na inovação dos materiais. A gente não para de pesquisar, de buscar, também de viajar pelo mundo aprendendo com outros pioneiros de outros materiais e de outras ideias. Então acho que a tendência é evolução dos materiais.
A prancha de PU, se for muito bem feita, também é uma boa opção, e aí nesse caso não temos muita evolução de material. A partir daí adentramos na evolução do shape e design. Não acho que o futuro seja uma prancha nem muito fina, nem muito estreita, nem muito larga, nem muito pequena.
A palavra muito nos remete à demasia, exagero, e não é isso que a gente está querendo, na verdade o que a gente quer é o equilíbrio, a prancha boa, a mágica. A prancha mágica não é demasiada em nada. É a prancha média em relação às suas medidas.
Eu considero que as pranchas muito pequenas, na maioria das vezes, são um erro e as muito grandes também podem atrapalhar. Então tem que ser o tamanho certo para atender o surfista, claro que de acordo com seu o nível.
Você shapeia manualmente ainda?
Quando eu comecei a fabricação da Powerlight, eu já tinha feito o curso do Surf Cad com o Luciano Leão, que foi o primeiro software e a primeira máquina de shape do mundo. Eu já estava graduado, desenhando, porém, tinham poucas máquinas bem reguladas em Florianópolis e eu vi ali a oportunidade de me tornar um designer de desenho industrial ou um shaper.
E como eu sempre fui muito fã dos meus mestres, entre eles o Avelino Bastos e outros que me ensinaram a arte de shapear manualmente, eu preferi não usar a máquina. Então eu passei alguns anos shapeando manualmente.
Fiz cerca de três mil pranchas para que eu pudesse ser de fato um shaper. Fiz algumas pranchas mágicas manualmente, tanto para mim quanto para meus clientes, e depois disso naturalmente migrei para máquina.
Atualmente a Powerlight tem duas máquinas de shape com alto nível de precisão e produtividade. Hoje em dia não faço mais pranchas manualmente, mas adoraria se tivesse tempo de esculpir um bloco e viver essa magia do hand shape.
Em sua opinião quais são as principais vantagens da máquina de shape?
Precisão, produtividade e realização da nossa criatividade. É muito mais fácil você ser criativo pensando e imaginando do que esculpindo um objeto. Então, no shape 3D, no desenho industrial, eu consigo qualquer coisa que eu imagine ou queira, com pouco trabalho. A outra vantagem é conseguir reproduzir o mesmo design com pequenas alterações.
Quais seu modelos que mais fazem sucesso?
Uma delas se chama SK11. Ela faz parte da família Skate. Eu fiz a SK8 que é a prancha Skate, que inclusive desenvolvi fazendo uma prancha para o meu amigo Pedro Barros, campeão mundial e medalhista olímpico. A ideia era fazer uma prancha rápida parecida com um skate, que fosse boa para os aéreos e tal.
E o modelo ficou muito bom. Depois eu migrei para a SK9, SK10 e a mais atual é a SK11 que é um sucesso de vendas. A outra é a Faca na Manteiga, uma prancha que eu desenvolvi há muito tempo e a característica principal dela é o uso perfeito das bordas, com os carves, linhas redondas, aquele surfe de borda que você deseja.
Temos a Hipster também, que é uma prancha larga, com o bico largo, volumosa, com muita remada, que funciona em qualquer condição.
Como você enxerga o papel das piscinas na evolução do surfe e consequentemente das pranchas?
Eu tenho uma relação muito próxima com a Surfland, pois sou embaixador deles. E surfei muito nas piscinas desde que elas começaram. Acredito que elas vão influenciar bastante a técnica do surfar.
Hoje, nesse momento que falo com você, estou fazendo um treinamento com a Seleção Brasileira de Surf Junior, na Surfland. Percebemos claramente que a maneira de surfar muda. Por causa do advento da piscina o surfe tem se tornado mais radical, mais criativo e mais próximo do skate. E, sim, as pranchas devem seguir essa tendência.
Você acredita que os surfistas do Circuito Mundial usarão pranchas diferentes em competições?
Eles já usam. O Kelly tem usado biquilhas, quadriquilhas, o Filipe Toledo adora usar biquilha. Temos muitos surfistas de ponta que gostam muito de biquilhas, quadriquilhas, pranchas pequenas, diferentes.
Tem se usado muitos wings. Acho que a limitação tem ficado para trás e a galera abriu a cabeça, tá testando tudo e o que vale é a prancha que te dê mais desempenho dentro da água.
Quem são seus test riders?
Meu principal test rider, sou eu mesmo. Antes de lançar qualquer modelo eu faço a prancha e testo, pois sou surfista profissional de alta performance e testo meus modelos. Meu filho, Tuco Arruda, tá numa performance muito alta. Ele é surfista e skatista da aéreo para todos os lados, usa muito as bordas, viaja para surfar as melhores ondas do mundo desde criança.
A gente tem uma relação muito próxima e eu desenvolvo muita coisa de prancha pra ele, que inclusive tem alguns modelos com seu nome. E todos meus amigos surfistas profissionais, tanto da minha geração quanto das gerações mais novas, têm usado as minhas pranchas, meus shapes e têm me dado muitas contribuições e feedbacks que são muito válidos
Fale sobre os materiais PU e Epóxi:
Eu faço pranchas com ambos os materiais. Vale lembrar para o nosso público que epóxi é o nome de uma resina e não um tipo de prancha, mas eu uso mais a resina epóxi que é uma resina mais cara e mais nobre que a resina poliéster, utilizada no PU. Mas também faço prancha de PU.
Tem espaço para todos os materiais e a prancha de PU é nossa versão mais barata, tá valendo geral, fica boa. Se bem feita e nós temos como desenvolver modelos, testar coisas de forma mais barata.
Qual a importância do feedback de sua equipe?
Para um shaper que não está testando suas pranchas em alto nível é primordial. Para mim, que estou na água quase todos os dias, surfando em alta performance, nas melhores ondas do mundo, Havai, Indonésia, nas piscinas, e também nas ondas ruins que tem na frente de casa, já não dependo tanto.
Mas adoro a equipe, adoro o feedback do meu filho, dos meus amigos surfistas profissionais, e claro, dos meus clientes que são o maior número de pessoas que utilizam nossas pranchas.
Quais modelos de pranchas suas você indicaria para quem busca alta performance, e outro para quem está fora do rip mas ainda tem a manha, e uma boa para iniciante?
Para quem busca alta performance indico a SK11, a Faca na Manteiga e a Performer. Já para quem está fora do rip indico a Hipster e até o minilong. Adoro essa prancha, é muito divertida. E as fishs também, no caso a Flyer Fish é um dos modelos que eu gosto bastante.
Em termos percentuais, quantos de seus clientes buscam as pranchas customizadas ou modelos prontos?
Praticamente todos os nossos clientes procuram modelos já consagrados. A partir daí a gente customiza as dimensões, o tamanho e o volume. Mas a grande maioria quer ter uma Faca na Manteiga, uma SK11, SK8, Hipster. Poucos são os que querem inventar algo da sua cabeça. Mas eu gosto de inovar e fazer aquilo que o cliente tem na cabeça também até porque às vezes assim nasce um modelo.
Fale sobre o conceito da Faca na Manteiga:
Faca na Manteiga é uma prancha que funcionou dentro do conceito faca na manteiga, ou seja, muito fácil de cortar a água colocando a prancha como a faca e a água como a manteiga com cortes perfeitos, redondos de borda e partir daí ela ganhou esse nome. Depois que ela ganhou o nome, nós começamos a trabalhar em cima desse modelo já fazem mais dez anos e é um dos nossos maiores sucessos de venda.
Quais foram os shapers que lhe inspiraram?
Avelino Bastos, Ricardo martins, Pat Rawson, John Carper, Sharpe Eye, Fernando China.
Como você se inspira para criar seus modelos?
Conforme a minha própria demanda e do meu filho, Tuca Arruda. Eu faço prancha pra ganhar campeonato, faço prancha para meus amigos que às vezes são pesados. E sob demanda. Assim vou desenvolvendo os modelos.
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