Rekombinando

Direto de Lobitos

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Um ano depois realizar a primeira etapa do Rekombinando, caímos na estrada novamente. A primeira etapa da nossa viagem foi de Porto Alegre até Lima, no Peru. Nos 6.000km percorridos, realizamos 13 oficinas em diferentes instituições e projetos sociais muito inspiradores, no Chile e no Peru.

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Em seguida, deixamos a Kombi em Punta Hermosa e voltamos ao Brasil para juntar recursos para realizar as próximas etapas. Nesta segunda etapa, vamos ao norte do Peru, Equador, passando pelas Ilhas Galápagos e Colômbia, onde vamos colocar a Kombi em um navio e cruzar o canal do Panamá. A América Central será feita na terceira etapa da viagem, planejada para o segundo semestre de 2017. Nossa previsão é chegar na Califórnia em outubro!

Por aqui vamos contando um pouquinho da nossa aventura para os leitores do Waves.

O Projeto – O projeto Rekombinando foi criado por três mulheres e nosso propósito é tocar o coração de pessoas que possam seguir trabalhando e melhorando suas comunidades, suas praias, seu pedacinho de terra e de mar. Nosso foco principal é o trabalho com crianças. Nos inspiramos na viagem que meu pai fez com três amigos na década de 70 e vamos passar pelos mesmo lugares. Nós os chamamos de “Proféssors”, pelas lições de vida que nos transmitiram através do surfe. Nossa vontade é que essa troca de conhecimento e cultura possa deixar facilitadores em muitos lugares. Nesta etapa, a Christie, nossa parceira de viagem, não pôde vir junto, então estamos viajando em duas mulheres (Antonia e Clarissa) e mais a equipe de apoio – o câmera Thomaz Crocco e a produção, feita por Marcio Machado e Rubens Peixoto. Em alguns trechos da viagem, quem nos acompanha também é a Gabriela, uma surfistinha muito aventureira de 4 anos, filha da Cissa e do Rubens.

Esta etapa já começou com um grande desafio. O Peru está passando por grandes dificuldades com a chegada do El Niño e o fenômeno dos Huaycos – onde as chuvas que vêm da Serra descem pelos rios levando tudo pelo caminho e causando desmoronamentos e inundações. Cruzar o país nestas condições se tornou a maior questão a ser vencida, pois não tínhamos certeza se conseguiríamos chegar ao norte. Ficamos esperando em Cerro Azul por uma semana, pois as cidades ao norte foram as mais afetadas. O país todo está em alerta, estradas e pontes estão sendo reconstruídas, doações e ajuda levadas para as comunidades. Chegamos ao Peru com o plano de passar apenas alguns dias em Cerro Azul e logo subir para as praias do norte, mas ficamos sabendo que não se via um desastre natural como este há mais de 30 anos, e isso nos preocupou bastante.

Em Cerro Azul, ficamos na casa da família Barreda, uma família tradicional do surfe peruano. O mais legal é que o surfe na família se iniciou com a matriarca, que surfou até ficar velhinha. Esta foi a mesma casa onde os “Proféssors” ficaram em 1976 e criaram uma grande amizade. Um lugar muito especial para nós. Curtimos bastante a onda que oscilou de meio metro a alguns dias com séries poucos maiores, boas para aproveitar com o longboard. A onda é um point break, e quando tem swell de sul, quebra das pedras e atravessa o píer por trás de uma esquerda longa. Aqui também nos conectamos com o ateliê de artes da Prefeitura de Cerro Azul, para fazer uma limpeza de praia e uma oficina de artes. Pintamos algumas placas e também deixamos mensagens nas lixeiras da praia. Conversamos com o pessoal da limpeza de praia, e foi muito legal, pois vimos como eles ficaram felizes por sentirem seu trabalho valorizado e perceberem a importância do serviço que eles fazem para a comunidade. Eles nos disseram que as pessoas, em geral, pensam que podem deixar seu lixo na praia, porque na manhã seguinte haverá alguém para limpar, porém, a maré quando sobe durante a noite, carrega todo o lixo para o mar. Por causa do Huaycos vimos muito microlixo no mar. Uma tristeza.

Assim que as estradas começaram a ser liberadas para o norte fomos subindo, a primeira parada foi em San Bartolo, um balneário próximo a Punta Hermosa, um dos berços do surfe nesta região do Peru. Fomos recebidas pelo Rodrigo, um super shaper, surfista e paizão de duas meninas lindas. Ficamos hospedadas em sua casa com toda a equipe do projeto. Surfamos e curtimos muito com a família. Conhecemos ali o Bob, um surfista californiano de 72 anos que sempre vem ao Peru e também tem uma Kombi de 86 lá na Califórnia.

No caminho até Chicama, pegamos algumas ondinhas bem divertidas e passamos também por alguns perrengues. Nos locais onde as pontes estavam quebradas, ficamos horas parados no trânsito. Foram três dias de estrada em que vimos a real situação do país. Muitos buracos e desvios, muita poeira na estrada, decorrente da lama que invadiu as pistas, e muitas cidades em estado de calamidade.

Mas conseguimos, enfim, chegar a Chicama e foi uma emoção finalmente ver aquela mítica onda. Durante os dias em que ficamos lá, o mar não passou de meio metrão, mas, mesmo assim, a onda é surpreendente. São dois picos, o Point e Cape. Em Cape tem menos crowd e quando entra grande se conecta ao Point, que vai até o outro lado da praia, a onda mais longa que já surfamos na vida. Fomos acolhidas pelo Chicama Boutique Hotel, que nos apoiou em nossas ações sociais e cedeu a estrutura do hotel para utilizarmos e estacionarmos a Kombi.

Fizemos uma oficina de artes na pracinha de Puerto Mal Abrigo e foi incrível. Muitas crianças se juntaram no ateliê ao ar livre. A Lela, nossa parceirinha mirim, filha da Cissa, curtiu muito. Ficamos muito felizes com a recepção e ainda fizemos uma exposição dos trabalhos no coreto da pracinha. Depois, fizemos a onda com a lona azul e o skate, que simula um tubo. Foi muita curtição com a criançada e com os pais.

No dia seguinte, depois de pegar boas ondinhas de manhã, fomos fazer a limpeza da praia com as crianças da escola de surfe do Jesus. Muitas das crianças que estavam na praça no dia anterior apareceram para ajudar e, no final, o Chicama Hotel ofereceu comida para todos que participaram. Recolhemos muito lixo e procuramos mostrar para as crianças o dano que este lixo pode causar ao ambiente marinho e sua fauna. Foi bem significativo, entregamos os cerificados dizendo que eles agora são monitores da praia de Puerto Mal Abrigo e se responsabilizam em cuidar e ensinar as pessoas a cuidar da praia.

Chicama foi demais! Nos sentimos em casa e super bem acolhidas por todos. A onda é algo dificil de descrever. Tudo que ouvimos dizer era verdade: é perfeita, as pernas cansam, tem que remar pra caramba. Apesar de não pegarmos nenhum dia grande, todos nós estávamos muito felizes.

Conhecemos também “El Hombre”, um senhor que tem uma hospedagem de frente para a onda, o mesmo lugar onde os “Proféssors” chegaram quando foram a Chicama em 76. El Hombre está agora com 91, ele não se lembrou dos “Proféssors”, mas cantou e tocou sua violinha pra gente. É muito emocionante passar pelos mesmos lugares, reencontrar pessoas e reviver um pouco desta aventura pela América, depois de 40 anos da viagem que tanto ouvimos falar.

Nos despedimos de Chicama com uma última ação no lugar que nos deu tanta alegria. Fomos junto com o pessoal do Hotel distribuir mantimentos em duas comunidades rurais que foram afetadas pelos Huaycos. As pessoas haviam perdido todas suas plantações e tiveram os poços de água inundados pela lama. Elas ficaram muito felizes quando chegamos e percebemos que aquela doação ia realmente ajudá-los a se reestruturar um pouco.

Seguimos para o norte com destino a Lobitos. Contamos com o super apoio da Liquid Trips e tivemos ótimas paradas para descansar e dormir com conforto. Já em Lobitos, fomos super bem acolhidas no El Hueco Villas. O swell ainda não entrou como gostaríamos, mas vem chegando. Vamos nos encontrar com ele lá nas Ilhas Galápagos. Enquanto isso, nos divertimos aqui nas valinhas da região e já realizamos aulas de surfe com as crianças juntamente com a ONG Waves for Development, que foi muito alto astral.

E assim segue o Rekombinando, buscando fazer a diferença por onde passa e tocando corações através do surfe. Percebemos que toda atenção dedicada as pessoas de um lugar pode ser transformadora, isso quando elas sentem que são especiais, que seu lugar é especial, com isso, passam a valorizar, cuidar e transmitir isso para outras pessoas – infinitamente, como uma onda no mar!

Em breve mandamos mais noticias lá do outro lado da linha do Equador. Até mais!

Fotos: Thomaz Crocco e Marcio Machado / divulgação Projeto Rekombinando.