Espêice Fia

Temporada relâmpago

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Três dias de surf perdidos para ir e voltar do Hawaii influenciam nos apenas 18 dias passados no North Shore de Oahu. Três dias! Exatamente o tempo que o swell previsto entraria para este último final de semana e o começo de festas natalinas.

Lembro que ainda no mês de setembro já acompanhava alguns boletins de altas ondas nas ilhas. Em outubro a mesma coisa. Falava-se do El Niño, no entanto, ao chegar em Oahu para pegar o primeiro swell de dezembro, a conversa que antes era em torno de uma temporada eletrizante, já dava lugar a uma fraca temporada.

Aquele swell de Oeste / Norte / Oeste com 1,5 a 2,5 metros e séries maiores do dia 3 de dezembro estava torto, mas alinhado ao WQS de Sunset. Perfeito para surfar e pegar mais ondas, pois o crowd costumeiro era um pouco menor. Estrear na chegada com ondas grandes tem seus dois lados. O bom é que chega e já embala, o ruim é que o cansaço da viagem tira um pouco da energia e na hora dos caldos o fôlego pode ser menor.

Até que para o primeiro dia fui bem. Dropei boas e atrasadas ondas mais ao fundo e ao lado do crowd. Me refiro a essa onda mesmo, aquela que vem mais afastada e quase que de hora em hora. Haja paciência, mas deu para o gasto! Muitos brasileiros na água: Thiago Camarão, Deivid Silva, Victor Bernardo, meu filho Ian e o também Ian Daberkow, além de Kiron Jabour, Wigolly Dantas, meu conterrâneo Alessandro Costa, Alexandre Ferraz e Flavio Nakagima, que também buscava a mesma onda que eu, entre outros.

Naquela tarde mais surf e ondas também para o Backdoor e Off-The-Wall. No dia seguinte altas ondas, mar perfeito. Shane Dorian com uma prancha de pouca envergadura entubava fundo, tal como Garrett McNamara de gunzeira vindo de trás. Muitos, muitos tubos, já que no dia anterior eram poucos. Caí com prancha menor, 6’3” (no dia anterior usei uma 6’8”) no entanto bolachuda, com flutuação e largura avantajadas para facilitar a remada.

Peguei algumas para Pipe, mas nada demais. Em um momento arranjei uma entre Backdoor e OTW. Fiquei deep e não consegui sair, mas valeu o visual. Ná água os fotografos Sebastian Rojas e Paulo Barcellos, como também Rafaski. Bons tubos do meu filho (êita pai coruja) e “tubaço” em OTW de Dieguinho Silva como também alguns do irrequieto Thiago “Camaras” Camarão. Bons tubos do Guigui, Bruno Santos, enfim, foram tantos que fica difícil lembrar.

Lembro que vi um do Hizunomê Bettero de fora e, ainda quando estava dentro da água, vi o Deivid Silva botar para dentro em Pipe em uma onda que veio encavalando e quebrou rapidamente. O drop foi ligeiro e o moleque botou no “time”. Alguns brasileiros mandaram bem ali, apesar do crowd. Suelen Naraisa também estava no pico e bem disposta. Gostei de ver! Por causa da ausência de eventos femininos no Brasil neste ano ela mandou ver no free surf. Minha “nora” também estava caindo! Que coisa cômica! Viajei para o Hawaii em sua compahia e Ian foi nos buscar no aerporto com direito a “leis” (colar de flôr havaiano) e tudo mais.

Que sensação, o tempo voa. Alana Pacelli é filha do big rider Jorge, ex-parceiro no time Hang Loose. Agora sua filha é minha nora! Aloha aê “cumpadre”! O caldo de brasileiros nascendo no Hawaii vai aumentando, não acreditei no tamanho do filho do Cesinha e da Katia, ambos de Sergipe e residentes há anos no arquipélago. O moleque está um touro e dando vários drops em OTW.

Depois destes dois dias intensos de muito surf, ondas menores porém constantes. Rocky Point ferveu com muitos aéreos. Destaque para Gabriel Medina e Filipe Toledo, cada um mais voador que o outro e assim os limites eram estendidos. Estava hospedado no Apê de costume, Turtle Bay Condos. É um pouco longe, cinco minutos de carro de Sunset Beach, por exemplo. Isso é longe? Jamais! Mas na frente do gol é melhor, com certeza. Mas daí vale também a dedicação. Hoje com as câmeras de alta definição em quase todos os picos, fica fácil monitorar.

Na casa um amontoado, pois a equipe de marketing Hang Loose (Tom, Bianca, Caio Faria e Diego) montou um QG para adiantar a campanha da marca e turbinar o site. “Pineapple Times” foi o tema, aliás, muito bem elaborado. “Nêgo” arrumou até um tal de Cantinho do Fia, onde a turma pode e poderá acompanhar também aqui no “Uêivis”. Ali conto umas histórias de temporadas passadas. Como é bom estar no Hawaii, mesmo por 18 dias. Vale aquele lema, surfista que é surfista tem que conhecer o Hawaii um dia. Digo isto para todo mundo. Mas esta frase já vem de anos, escuto desde quando comecei a sonhar muito com minha primeira vez.

Quer ver um exemplo? Rafael Simões e Kemel Adas Neto. O primeiro me apoia e é proprietário da fábrica em que lamino minhas pranchas (Skull). O segundo trabalha no marketing da Hang e confecciona bermudas para ela e outras marcas brasileiras. Kemel Adas é mais conhecido como “Nê”. Aficcionado em surf, vai muitas vezes à Califórnia durante o ano e nunca se deu o trabalho de esticar o mínimo que fosse até o Hawaii. Pronto, o bichinho passou cinco dias e “endoidou” o cabeção. Vai voltar de novo! Nê foi competidor profissional no início da Abrasp, tem surf no sangue. Rafael compete nos Masters e é fissurado, embora sua carga de trabalho também o afaste um pouco das ondas no dia-a dia. Relato o caso dos dois pela felicidade estampada em seus rostos, pois mesmo para uma semana, vale demais a pena.

Para mim, que já estive no Hawaii muitas vezes, é ótimo participar disso. Maior prazer dar as dicas e surfar com esta turma, tal como tantos outros brasileiros que estiveram presentes nos mesmos dias que eu e sempre solicitam informações. E digo mais: melhor ainda quando os caras têm a sorte de ver um Pipe Masters histórico como o último. A torcida era grande para o 12o título do Slater e outra maior ou igual para Joel Parkinson. Deu Joel! Nesta, de repente faz o careca botar ainda mais sangue nos olhos e disputar a próxima temporada, que promente ainda mais. Mineiro sólido, Medina crescendo! Filipinho com sangue novo! Brazilian Storm! Miguel amadurecendo tal como Alejo e Raoni, este tendo nova chance. “Acunha”, galera! E aos que perderam suas vagas, a hora é de fortalecer e retornar em grande estilo!

Ótimo ver o surf brasileiro assim! Vi o evento pela internet, pois estava confortável em casa e cansado das sessions em Sunset. As baterias que perdi vi o replay. Ia ver a final ao vivo, já estava de saída, mas o careca perdeu e continuei tomando meu cafézinho brasileiro em casa mesmo. É meu “rei”, levo sempre o cafézinho do nosso país, pra mim não tem igual!

A “onda” no Hawaii resume-se principalmente a bancada de Pipe, Backdoor e sua vizinha OTW. Acho que não há nada igual no quesito fácil acesso. Quer aparecer no Hawaii e provar-se? Apareça ali. É assim que tem de ser e quem tem culhões, paciência e perseverança adota estes picos. É raro ver Kelly em outro. Mas daí também é curioso a ausência dos excelentes resultados nos demais picos. Tirando Waimea (o Careca venceu um Eddie), sobra Haleiwa e Sunset. Normalmente fotógrafos e cinegrafistas também não  trocam Pipe por Sunset. Principalmente em dia de Pipe Masters.

Resultado, em minha atividade profissional, surfei dois dias maravilhosos sem registro, ou seja, apenas o de minha mente e dos demais no pico. No dia bom que antecedeu as finais do Pipe Masters, Sunset estava lindo. Caí com minha 9’6” “Vicentera”. Precisava deste tamanho todo? Não! Mas meu lema é diversão, dropar os picos de Oeste segurados pelo forte vento terral. Em certo momento desta queda, dividi o line-up com Caio Ibelli, que com uma 7 pés ou menos, tinha mais dificuldades de entrar nas ondas. Me posicionava no outside e esperava a que viesse ao meu alcançe.

Vindo mais do fundo, às vezes outros surfistas dropam mais embaixo. Só que em um mar desses, com muito vento terral, a visão às vezes é afetada e tudo é fração de segundos. Em uma das maiores ondas em que aterrisei depois do drop elevador, vi um vulto ao meu alcance. Não sei de onde havia vindo. A onda havia sido maravilhosa em virtude do tamanho da prancha. Nada de manobras arrojadas, mas o drop elevador com a virada na meia base no meio do trilho do lip causou-me uma sensação incrível!

Nesta session havia muitos legends, entre eles Mike Parsons, que havia surfado a onda da frente e remava de volta junto comigo no canal. Perguntei-lhe se havia visto alguem atrás de mim em minha onda e o mesmo disse que não. Mas ao regressar ao outside, perguntei ao brasileiro Daniel Skaff e neste momento o Mike Latronic veio em minha direção relatando que dropara atrás de mim e que não tinha passado a onda devido ao rastro feito por minha prancha. Pedi desculpas e relatei que jamais o iria rabear. Ciente disto, Latronic aceitou, no entanto relatou ter tomado toda a série atrás. Me desculpei mais uma vez.

A lista de legends seguia com Ross Clark-Jones, que achou que o Latronic não passaria a onda de qualquer jeito. Bom, me senti menos culpado, apesar que, tratando-se de havaiano e conhecedor do pico, nunca se sabe. O caldo engrossava com Tom Carroll, Paul Paterson e Matt Hoy, todos com o power surf de sempre. Já perto do escurecer, tomava uma ducha no car park com outros surfistas, cada um com o sorriso mais largo que o outro. E como a prioridade é Pipe, lá estava eu buscando meu filho no Ehukai Beach Park. “E aí, pegou umas boas”, perguntei. ”Peguei umas pai, mas tava um crowd da bexiga”.

Mas é notavel como o crowd vai diminuindo depois dos eventos. Claro, continua concorrido, mas a maioria acelera a volta pra casa. Ficar no Hawaii é excelente, principalmente para nós brasileiros, já que não temos aquelas ondas. Mas também não dá para recriminar o pessoal que ralou o ano inteiro atrás dos pontos do tour. O descanso é merecido, mas quem quer chegar ao topo tem que fazer sacrifícios. Logo os frutos virão.

Mas não são só os brasileiros que abandonam as ilhas, os gringos também. Com exceção do Careca, que aliás vi outro dia em Chuns Reef com um vira-latinha em uma mão e os dedos da outra enfaixados. O que foi aquilo? A resposta veio no Instagram, o bicho deu mole e cortou os dedos com uma serra durante trabalhos caseiros. Vai surfar que é melhor, bicho!

E eu vou parar por aqui. Chá de aeroporto em Dallas (12 horas) e acelerando nos trampos extras, afinal,18 dias no Hawaii é pouco para quem vive o surf intensamente, mas que bagunça quem tem casa, família, cachorro, gato e um monte de coisas para agilizar que são postas de lado momentaneamente. Nada de reclamação, estou aqui feliz da vida e amarradão em contar estas histórias aos leitores

Para os que celebram este Natal em suas religiões, muita harmonia e paz. Enfim, para todos um pacote completo de boas festas! Alíás, o mundo não vai acabar, só está apenas ficando diferente. Viva 2013!

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.