Muitas Águas

Surf com os anjos

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Ondas sinistras para experts na Garganta do Diabo, em São Vicente (SP). Foto arquivo: Marcos Silva.

Lembro-me como se fosse ontem, de uma experiência vivida entre os limites do ?céu? e do ?inferno?, de um surf com altas ondas e de uma roubada que poderia se transformar até em risco de vida!

 

A busca da onda perfeita, sempre povoou o inconsciente coletivo da tribo do surf. Achar uma onda nova, surfar um point diferente faz qualquer surfista apaixonado literalmente rodar o mundo para encontrar seus sonhos.

 

O bom é que muitas vezes esta onda está bem no quintal de casa. No começo dos anos 80, naquela fissura desta experiência, fui com o Mike ?Summer Birds? e cia. atrás da mítica onda da Porta do Sol, ao lado da Ilha Pochat, em São Vicente, litoral de São Paulo.

 

De nosso QG no Guarujá partimos para a balsa que atravessa o canal de Santos. Pouco tempo depois estávamos estacionando o carro em frente a uma baía e, ao longe, vimos umas espumas. Tiramos as pranchas e começamos a remar sem parar na direção de nosso alvo.

 

Não estudamos o pico, não perguntamos nada a ninguém, mesmo porquê não havia ninguém, e aos poucos fomos nos aproximando daquelas ?espuminhas? que de fora pareciam marolas. À medida em que chegávamos ficamos em êxtase ao ver as perfeitas linhas absolutamente simétricas somente vistas por mim até então em fotos e filmes gringos!

 

Na água, apenas um único surfista e uma cena pra lá de surreal, uma lancha percorrendo a onda ao lado deste surfista e o resgatando no final dela. Achamos aquilo muito diferente e inusitado e não imaginamos o que seria aquela operação 007.

 

Logo percebemos que mal conseguíamos chegar nas ondas, tal a força daquela correnteza!!! Percebemos então aonde havíamos nos colocado, no  meio de um verdadeiro rio de águas salgadas em toda sua força!!!

 

Nada que uma lancha não pudesse superar. O barco veio até nós, nos apanhou e juntamente com o surfista afortunado, fomos lançados muitos metros à frente, numa série de ondas perfeitas. Ali começava uma das experiências mais marcantes de nossa vida surfística, num verdadeiro carrossel  surfamos tantas ondas e tão perfeitas que as imagens permanecem até hoje em minha mente.

 

A cada onda surfada, nosso ?Anjo da Guarda?, ali estava nos esperando para nos recolocar no outside novamente, para uma nova série e assim sucessivamente por horas!!!!

 

Uau, foi algo tão intenso que mesmo após tantas ondas surfadas, e já de volta ao nosso carro, resolvi após um breve lanche, voltar lá pra fora. Meus manos ficaram dormindo no carro e me joguei naquele canal para mais ondas.

 

Estava cansado e era final de tarde, agora não havia ninguém na água e de certa forma estava adrenado pois o mar estava maior e mais cavado, por que seria??? A maré estava secando e a força das águas agora no sentido oposto era algo descomunal e não estava conseguindo permanecer na linha que as ondas quebravam, indo cada vez mais para o fundo!!!

 

Uma série enorme entrou e, para minha surpresa, uma esquerda maravilhosa se formou. Consegui fazer o drop e percorri dezenas de metros até sumir pra dentro da baía. Só que ao sair da onda, minha prancha se soltou da cordinha e a espuma levou-a para muito longe até perdê-la de vista.

 

Meu coração disparou, gelei pois começava a escurecer e estava bem cansado. Com apenas a cabeça fora d?água e muitas águas ao meu redor, comecei a ficar preocupado. Vi uma lancha muito longe e comecei a acenar com os braços bem erguidos.

 

Nada. A embarcação seguiu seu rumo sem me ver e até imagens de peixes à noite me rondando começavam a me assustar. Falei assim mesmo: “E agora, Deus?”. Fiquei boiando entregue àquela correnteza animal e por um milagre, quando olho ao meu lado, minha Summer Birds (prancha feita pela fábrica do  Mike) boiava a poucos metros. Nadei desesperado até ela, agarrei-a com as mãos e agradeci. Meu Anjo da Guarda havia colocado a prancha ao meu lado!!!

 

Agora era ?voar?, pois escurecia rápido. No limite de minhas forças e no limite possível pisei em terra firme.

Caminhando para o carro, meus amigos acordavam e perguntaram como estava o final de tarde. Relatei toda a aventura para eles e o sufoco.

 

A surpresa  veio depois, ao descobrir que na verdade eu quase estive por ir para dentro da garganta do diabo, local de águas revoltas no funil desta baía onde as águas são despejadas mar adentro, passagem da rota de navios mais movimentada do Brasil até hoje!!!

 

Aplicando esta experiência na vida, é incrível como às vezes a linha limite entre o céu e o inferno é tão tênue. Mas mesmo se assim for, por pior que seja a situação, como é bom saber que Deus tem Anjos para nos guardar.

 

Seja no mar ou no mar da vida, clame a Deus e a ajuda certamente virá!!!

 

Boas ondas e seja prudente! (confesso que não fui).