Espêice Fia

Senhores juízes

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Glenn Hall e Jeremy Flores não se entendem em Trestles. Foto: © ASP/ Rowland.

Com o passar dos anos, as regras do surf de competição sempre mudam. O critério para avaliar uma onda, o formato das disputas, das interferências, entre outros, sofreram grandes alterações nos últimos anos.

Na época em que comecei a quantidade de manobras e extensão percorrida eram o carro chefe.

O inglês Martin Potter (hoje comentarista de algumas provas da ASP) suou a camisa para ser campeão mundial em 89, já que seu surf na época foi o divisor de águas da era “pré-Slater”.

“Pott’s” focava seu surf em uma manobra explosiva, mas quando alinhou seu formato ao critério da época depois de ser campeão do mundo abriu os olhos da ASP e seu corpo de jurados.

A partir dali as manobras de expressão ganharam ainda mais força principalmente quando Kelly e o resto da nova geração da época começaram a ganhar corpo.

Outra mudança brusca aconteceu quando a turma dos aéreos apareceu. Foram muitas polêmicas, pois alguns surfistas que começaram o ataque deixavam todo potencial da onda escapar, projetando-se para um único momento.

Assim, a ASP voltou a focar também na valorização do “power surf” e o surf de bordas. Ao mesmo tempo em que a variação de manobras estava em alta. Hoje em dia cada vez menos existe espaço para “enganação” (leia-se truques).

Hoje os juízes estão muito mais atentos a estes quesitos, embora algumas vezes falhem, mas isso é outra história. Quando digo truques falo sobre a forma de fazer a prancha jogar mais água sem tanto esforço, mandar um aéreo nesta mesma linha. Enfim, quando acontecem momentos assim a turma sabe.

Na parte da tática de competição, em regras de interferência, as mudanças também foram bem significativas e até boia de prioridade, por exemplo, nós usávamos. Achava aquilo um estorvo e foi cômico a quantidade de vezes que me “engalhei” ao contornar aquilo.

Sem contar que muitas vezes elas eram postadas a uma distância não satisfatória, outras vezes eram arrastadas pela maré, enfim. Mas a tal boia serviu para mudar um pouco o embaço da parte tática para podermos ter mais surf, afinal, acho que a maioria quer ver mais surf do que brigas de remadas e alguns jogos sujos. Mas a competição é assim, se está na regra está dentro do contexto. E os grandes campeões usam de tudo, alguns momentos menos, outros mais.

Minha primeira grande lição de competição foi em 88 (êita, já faz é tempo, ó) ao disputar uma bateria com o Almir Salazar, que hoje é um exelente shaper. Na época, o santista, que é irmão de Picuruta Salazar (e esse que é meu ídolo, ficou tirando o maior sarro de minha cara), já era um veterano e para o resultado final da bateria somava-se as quatro melhores notas. Almir foi logo tratando de pegar suas quatro enquanto eu fui mais seletivo, havia apenas surfado duas.

Imaginem em uma bateria de 20 minutos e o cara com quatro ondas já nos primeiros oito. No mínimo o cara havia acelerado para usar uma tática que eu desconhecia. A regra de prioridade já existia, não podia nem sequer remar na onda caso não estivesse de posse da primeira prioridade. Aliás quase que não podia nem olhar pra onda. Se ameaçasse apenas remar, poderia ser considerado uma interferência. Então claro que eu era cuidadoso.

Mas, espertamente, Almir de posse da prioridade depois da sua quarta onda começou a posicionar-se abaixo de mim, ou seja, mais para o inside de onde eu estava e simplesmente colado em minha pessoa. Faltavam 11  minutos para o final da bateria e ali ele começara a me desestabilizar, pois ele de posse da prioridade, não queria mais pegar ondas e sim apenas me travar pra que eu não completasse minhas quatro notas.

O lance é que com eu à sua frente não poderia remar, caso fizesse isso, ele remaria também e seria considerado interferência. Então este jogo seguiu-se ao ponto de estarmos com água quase nos joelhos e os organizadores não tiveram a sensibilidade de rapassar a prioridade para minha pessoa, já que aquela tática me impedia de surfar. Isso ao meu ver não era e nem é o mais legal em uma competição de surf.

De fato, a regra passou a ser avaliada e em outra aplicação deste quesito em evento na praia da Joaquina,a tática de Almir já não funcionara mais, pois sempre que o surfista de posse da prioridade caracterizava esta “jogadinha”, a prioridade passava para o outro oponente. Almir perdeu uma bateria desta forma, pois a prioridade mudou, o seu oponente pegou a onda e virou o resultado.

Anos se passaram… Para quem tem a segunda prioridade hoje, se remar para induzir o competidor que tem a primeira prioridade a entrar na onda. Mas um fato curioso me chamou atenção durante o Pipe Masters em uma disputa entre Kelly Slater e Miguel Pupo.

Na frente da disputa e de posse da prioridade, Kelly posicionou-se abaixo de Miguel, que de posse da segunda prioridade, claro, poderia induzir o K11 a ir em alguma onda. Mas o fato é que se tratando de Pipe a coisa não é tão simples assim. A onda é oca, rápida e uma tentativa de remada pode ser transformada em um grande “wipe out” caso o surfista de posse da primeira prioridade decida remar no último segundo.

O tempo para desistência ali é mínimo, ou melhor, pode não dar mais tempo e realmente das duas uma, ou cara vaca feio ou tem sua onda anulada. De qualquer forma, em ambas hipóteses, o surfista em desvantagem vai perder tempo precioso para uma possível mudança de placar. Aí é onde quero chegar e ao meu ver isso ainda não acontece, pois é fácil para qualquer “macaco véio” saber em qual momento está se usando essa “jogatina”.

Neste caso, a sensibilidade dos jurados poderia fazer a prioridade mudar de mãos, pois assim poderíamos ver mais surf. Quem não queria ver o Miguelzinho passar aquela bateria? Com certeza ele deve ter ficado encanado, talvez parecido como fiquei em 88 e é incrivel como os competidores “rodados’ ainda acham brechas mínimas para vencer dentro da regra.

Já havia observado esta fato durante o evento do Tahiti também, não lembro agora em qual disputa, mas acho até que locutores chegaram a compentar o caso semelhante. E quando falei que em momentos destintos surfistas usam mais ou menos a regra, o próprio Kelly é um exemplo disso. O cara ainda está incrivelmente no páreo, mas hoje usa muito mais as artimanhas do que em seu início.

Em parte, pelo competidor voraz que é e talvez porque se não fizer isso, a turma de chegada assume o posto mais rapidamente.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.