Espêice Fia

Pressa sob pedra

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Fábio Gouveia na fissura com sua prancha GR em 1983 na Paraíba. Foto: Arquivo Pessoal.

Não sei de onde vem o ditado “A pressa é inimiga da perfeição”, só lembro de minha mãe buzinando no pé do meu ouvido quando em alguma ocasião me encontrava avechado.

 

Talvez minha primeira sensação disto tenha sido aos 13 anos. Prancha seminova embaixo do braço – uma monoquilha 6 pés round pin da marca paraibana GR (Germano & Ronaldo).

 

Imaginem minha felicidade! Fissurado ao quadrado, daqueles que nem dormia direito, só pensando nas ondas do dia seguinte.

 

Mal havia desembrulhado do plástico e passado na prancha a parafa Waxmate e já me encontrava descendo a inclinação da beira da praia do Bessa, que estava de ressaca em maré seca, ou seja, altas ondas!

 

Aquela ânsia só durou os dez primeiros metros e ”pôu!” tropecei na cordinha e rolei junto em “bunda canástra” (cambalhota) com a prancha. Só escutei aquele créck! Quando virei o fundo da prancha, aquela decepção, a quilha havia sido quebrada na base. Ô tristeza! E o pior foi que morava distante e meu pai que havia me deixado no pico, só voltaria no final de tarde pra me buscar.

 

Graças aos amigos surfei o dia inteiro de prancha emprestada, mas minha quilha quebrada não saía de minha cabeça. Mas tenho certeza que esse episódio não foi nem é exclusividade minha.

 

Quantos moleques fissurados e marmanjos já não devem ter passado por este momento? Quantos ao adentrar em algum pico de pedras não escorregaram sobre elas e quebraram suas pranchas? E quantas pranchas não foram amarradas corretamente nos racks dos carros? E muitas vezes nem chegaram a serem amarradas (risos)!

 

Às vezes acontece, mas a ânsia e a pressa sempre acabam prejudicando. Já tomei um tombo entrando pelas pedras do Pontal de Baía Formosa. Quebrei quilhas, mas na época já tinha uma prancha reserva. Menos mau. Mas quando acontece apenas com a prancha, menos mau também. O ruim é quando rola algo e o cara acaba se machucando, como até mesmo em um acidente de carro.

 

Quando tive meu primeiro carro, às vezes me pegava acelerando para os picos afim de pegar o terral. Mesmo dando graças de nunca ter acontecido nada, sempre lembrava de histórias que amigos contavam de um brother que foi para o surf na ainda pouco explorada Praia Bela, litoral Sul paraibano, e capotou uma Brasília na então estrada de terra. Imagina, o cara capotado no meio do nada em sem surf? Com certeza não valeu nem vale a pressa.

 

Em outras passagens recentes e acredito até mesmo que nesse caso prejudicou a realização do WT móvel em Floripa (SC) é o fato da BR-101 Sul ainda não ter sido duplicada e continuar tão perigosa. A cúpula da ASP sempre ficava preocupada quando marcava a chamada do evento para a praia da Vila, pois sabia que muitos iam acelerar.

 

Em Bells Beach, com o Rip Curl Pro na praia de Johanna, a mesma coisa. Na Great Ocean Road, apenas mão e contra-mão com muitas curvas e poucos pontos de ultrapassagens. Mas sempre tinham os fissurados e apressados para dar aquele treino antes da prova que saíam pisando fundo e fazendo ultrapassagens em locais proibidos e ultra-perigosos.

Presenciei algumas cenas e por sorte nunca ocorreram casos graves. Acho que dos piores mesmo só batidas e atropelamentos de cangurus, pois na Austrália, tem que ficar em alerta e pegar leve na velocidade ao clarear o dia e ao entardecer, hora em que os bichos acabam sempre cruzando as rodovias daquele país.

Ânsia, pressa e indecisão. Essa última, também atrapalha o surf. O mar está clássico, estamos no North Shore de Oahu ou em qualquer costa recortada do nosso litoral com picos próximos ou poucos distantes dos outros. Sabe aquele lema, olha esse, olha aquele, e acaba caindo no pior pico e, ainda por cima, na hora do vento?

Relax, esse assunto fica pra próxima…

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.