Renato Hickel

Papo reto

0
600x431

Renato Hickel é comissário do Tour masculino da World Surf League (WSL). Foto: Joli.

 

Está chegando a hora da etapa brasileira do Championship Tour, o Oi Rio Pro. Depois de passar pela Austrália, palco de três eventos, a elite mundial aterrissa no Rio de Janeiro (RJ) em meio a muita polêmica.

A poluição das águas da Cidade Maravilhosa, a forte ressaca que prejudicou a estrutura montada na praia do Postinho e as fracas condições do mar nos últimos anos são alguns dos assuntos mais debatidos no momento.

Em entrevista exclusiva concedida ao Waves, o brasileiro Renato Hickel – comissário do Tour masculino – falou sobre as críticas sofridas pela etapa no Rio e os desfalques de Joel Parkinson e Kai Otton.   

Também aproveitamos o bate-papo para falar sobre a badalada piscina desenvolvida pela companhia de Kelly Slater, uma das sensações do surfe mundial na atualidade. Será que a World Surf League pensa em promover uma etapa no Tour lá? Confira a entrevista.

Há algumas semanas, o australiano Adrian Buchan – representante dos atletas da WSL – fez algumas críticas ao evento no Rio. Um dos pontos abordados por “Ace” foi a poluição das águas do Rio de Janeiro. Como vocês, da World Surf League, receberam essas críticas?

Quando um cara dá uma entrevista, esses sites sensacionalistas como Stab e Beach Grit distorcem o que a pessoa está falando. Por um lado, para gerar polêmica. O Ace poderia estar falando, por exemplo, do local de realização de prova no Rio de Janeiro, e aí já interpretam como se fosse o Rio como um todo e lançam uma chamada dizendo que o Rio está recebendo a sua última chance.

Sobre a qualidade da água, a WSL lançou um programa chamado “Pure”, que, entre outras coisas, visa preservar os oceanos. Dentro da empresa, seria contraditório querer colocar provas do circuito em locais com condição de água duvidosa. Dito isso, acho que existe um componente natural sobre o problema da água no Rio e que ficou exposto no ano passado, que foi a forte chuva. Assim, em qualquer lugar do mundo a água fica suja. Em duas semanas de muita chuva na Gold Coast, a água fica suja nos point breaks, inclusive já tive uma infecção auditiva. No Havaí é a mesma coisa. Já tivemos vários anos em que choveu bastante lá e a água ficou uma porcaria, a galera com medo de tubarão, de infecção… No Rio aconteceu isso no ano passado. Aquela lagoa da Barra é poluída, e tem aquele canal a céu aberto cortando a Olegário Maciel, que é a rua em que os competidores mais transitam, seja para almoçar, jantar ou fazer compras no mercado. Todo mundo passa por aquele fedor de um canal que não entendo por que nunca foi coberto. No ano passado estava pior ainda e havia esse mau cheiro na água. Óbvio que se há uma virose no campeonato e várias pessoas contraem, vão culpar a água. Só que ninguém pode ter certeza de que o problema das doenças foi por conta da água. Inclusive teve gente que nem surfou e ficou assim – com febre, vômito e diarreia por um dia -, casos do Wood (chefe de segurança) e Xandi Fontes (coordenador da WSL South America).

Agora, com essas ressacas do mar, houve o rompimento do muro de proteção da estação de tratamento na lagoa e parece que ocasionou ainda mais o despejo de esgoto no canal. O Xandi e o pessoal da Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) acham que o problema da proliferação de algas na praia é resultado disso. Nos últimos dias o cheiro estava horrível, e o pessoal da Comlurb vinha pela manhã, tirava 5 ou 6 toneladas de alga da praia, mas na manhã seguinte havia mais.

Só para ilustrar, em Margaret River, que é um lugar sem prédios, com poucas casas, um dos lugares mais lindos que eu conheço no mundo, com águas muito limpas, a gente tomava café de manhã no resort e na frente do pico acumulava alga. Não havia esgoto ali, mas essas algas traziam um mau cheiro parecido com o de esgoto.

Óbvio que há poluição no Rio, e uma das razões de a gente ter colocado Grumari como opção para a prova é justamente criar uma alternativa concreta para esse problema, ou seja, se a água estiver com mau cheiro, o que geralmente acontece quando o swell está de leste e traz a poluição do canal, nós vamos evitar baterias no Postinho. E se a água estiver cristalina no Postinho, mas não as ondas não colaborarem, podemos ir para Grumari também, se a bancada lá estiver melhor. Portanto, vamos analisar duas opções no Postinho antes de levar as disputas para Grumari: a qualidade da água e a qualidade das ondas.

980x611

Etapa no Rio de Janeiro é alvo de muita polêmica. Foto: WSL / Alexandre Salem.

Os atletas também teriam questionado a qualidade das ondas do Rio. O que acha disso?

A WSL já havia mudado o campeonato do Barramares para o Postinho a pedido dos surfistas. Caras como Taj, Josh Kerr, os irmãos Hobgood e muitos outros, sempre que vinham ao Brasil, ficavam surfando o dia todo no Postinho quando o evento era no Barramares. Os tops gostam de ondas com impacto. Às vezes até brinco com eles. Quando está perfeito e bonitinho, está uma porcaria. Quando está fechando e oco, aquelas ondas que só eles sabem surfam, aí eles adoram.

Nesses últimos cinco anos, se competimos 30 dias no Postinho, o mar estava bom em três ou quatro. O restante foi médio ou muito ruim. Então, quando você começa a levar porrada, passa a pensar se esse lugar é realmente bom, se é o melhor lugar para competir. As condições não vinham sequer dando chance para que os atletas virassem uma bateria, então o fator sorte aumentava, e por isso alguns competidores do Tour se rebelaram.

E o Grumari? Acredita ser uma boa opção?

Pelo pouco conhecimento que tenho, ela é uma onda mais cheia. É uma onda que geralmente eles não gostam. Mas vale ressaltar que surfei pouquíssimas vezes lá, por isso falei que tenho pouco conhecimento. Digo isso em comparação a um beach break tubular como Hossegor, Puerto Escondido e até mesmo o Postinho, quando está bom. Mas tomara que os bancos de areia estejam funcionando e que eles gostem.

Caso a etapa não agrade novamente, existe a possibilidade de ser a última chance, como foi especulado na Austrália?

Acho que não. No momento, a intenção da WSL é permanecer no Rio. Vamos torcer para que a prova este ano seja um sucesso, apesar de todas as adversidades. Imagina se esse problema com o palanque no Postinho acontecesse um dia antes do evento? Aí, sim, seria complicado, pois não haveria tempo para ampliar a estrutura em Grumari. Por sorte, tivemos tempo para um plano B, que foi reforçar a área em Grumari e construir um palanque menor no Postinho.

Também não havia a intenção de tirar a prova de Santa Catarina quando fomos para o Rio de Janeiro em 2011. Tivemos uma proposta melhor, a Billabong ainda estava envolvida na época e decidimos levar a etapa para lá. Tudo ainda foi de encontro ao momento do Rio, com toda aquela badalação de Copa do Mundo e Olimpíadas.

Se aparecer uma proposta financeira atraente para levar a um outro lugar com boas ondas, nada impede que saia do Rio. Mas, no momento, não vejo motivo para tirar a prova de lá. Se o problema é com a água, vamos ver este ano, com Grumari sendo opção. Se for viável e os atletas gostarem, podemos fazer a prova no ano que vem só lá. Ninguém da WSL está pensando em sair do Rio, não existe nenhum movimento na empresa para isso.

615x390

Grumari surge como alternativa para fugir da poluição nas águas da Barra da Tijuca. Foto: Pedro Monteiro.

 
Muitos pedem Saquarema, outros torcem pelo retorno de Santa Catarina. Quais essas possibilidades?

Saquarema é uma opção porque faz parte do Rio de Janeiro e tem uma onda com qualidade. Já tivemos uma prova lá e inclusive Taj Burrow venceu. É uma opção, sim, assim como seria uma opção levar para Floripa. Se tiver um governo ou uma prefeitura que faça uma proposta atraente, é possível. Muitos achavam impossível uma terceira prova na Austrália, mas o governo de Western Australia veio com uma proposta muito atrativa, com mobilidade para North Point e The Box, e o evento acabou acontecendo. Estamos caminhando para o último ano de contrato em 2017 e agora especula-se se Margaret vai continuar ou não.

Tivemos alguns desfalques de última hora no Rio, como Joel Parkinson e Kai Otton. Parko alegou tratar de uma lesão no joelho, mas competiu numa etapa do QS em Keramas. Haverá alguma multa aos atletas?

Não haverá punição. O problema do Parko é completamente diferente do Kai. No caso do Parko, temos uma situação rotineira no Tour, que é a lesão. Alguém poderia argumentar, por exemplo, que o Filipe poderia ter ido para Margaret River. Como ele tinha de voltar para a Califórnia (onde mora atualmente) para se tratar, ele disse que não iria para Margaret. Eu havia conversado com o Parko sobre esse problema no joelho e ele chegou até a pensar em não ir para Margaret, mas terminou indo e até teve um bom resultado lá. Depois de Margaret, ele foi direto para a Indonésia, em uma trip da Billabong, e começou a sentir. Ele já tinha se planejado para ir a esse evento em Keramas, que, aliás, deu altas ondas. Parko disse que teria de fazer uma microcirurgia para raspar a cartilagem do joelho. O que aconteceu foi que ele sofreu uma lesão no Quik Pro (Snapper Rocks) e agravou uma contusão que já tinha antes. Lembro que em 2015 ele por duas vezes ameaçou não ir a uma etapa para fazer essa operação, mas acabou não fazendo. Se a gente estiver duvidando da lesão do Parko, basta analisar que, atualmente, com o Mick fora do Tour, Gabriel e Adriano sem bons resultados, Kelly não se achando, ele era um sério candidato ao título mundial. Ele não iria jogar fora uma chance dessa num ano em que ninguém sabe quem será o campeão mundial – tirando o Wilko, que fez a limpa na Austrália, mas muitos duvidam que vá manter esse ritmo, principalmente nas ondas de reef, onde ele mesmo diz que é fraco. Diante desse cenário, realmente eu duvido que o Parko tenha desistido de vir ao Brasil por não estar com vontade.

Já o problema do Kai Otton é a Zika. Ele e a esposa tiveram o segundo filho recentemente e já planejam o terceiro. O Kai está preocupado, apesar de eu achar exagero, já que nos informamos com os médicos e existe uma maneira de um homem, quando for embora do Brasil, descobrir se contraiu ou não o vírus. Se contraiu, ele deve esperar por seis meses até ter outro filho. Dizem que dois meses já bastam, mas eles recomendam triplicar esse tempo.

Assim como falei do Parko no ranking, falo do Kai Otton. Olhe para o ranking e veja que ele não tem nenhum bom resultado. Não arrumou nada na perna australiana, então, neste momento, ele deve estar pensando: “Para eu permanecer no Tour, tenho que me dar bem nos outros sete eventos ou ralar no QS. Se ele estivesse confortável no ranking, até poderíamos dizer que ele não quis vir ao Brasil, mas, nesse caso, não vejo má vontade por parte do Kai, e sim uma preocupação excessiva.

640x350

Kai Otton não vem ao Brasil por medo da Zika; Joel Parkinson, que vai passar por uma pequena cirurgia no joelho, também desfalca a prova. Foto: Divulgação / WSL.

Outros atletas manifestaram esse medo da Zika?

Essa dúvida começou com as meninas. Muitas pensaram em não ir ao Rio, mas reunimos os médicos da WSL e eles tomaram informações de outros esportes, principalmente olímpicos, já que estamos nos aproximando das Olimpíadas no Rio. Decidimos que se algum atleta não fosse ao Brasil, teria de entrar em contato para avaliarmos cada caso individualmente e não haveria punição por isso.

Inclusive pedi que os atletas refletissem bastante antes da decisão, pois, se não viessem ao Brasil, teriam de pensar também em Fiji, onde a Zika já chegou; no Taiti, onde especula-se que um dos tops contraiu o vírus no ano passado, e em outros lugares. Segundo os estudos, o vírus está em cerca de 30 países, inclusive na Flórida e em Nova York (EUA). A previsão é de que a Zika chegue com força neste verão norte-americano.

Numa reunião, a Tatiana Weston-Webb disse que o Havaí já tem casos também. É um problema que vem afetando bastante os países tropicais.

1297x710

Segundo Renato Hickel, piscina desenvolvida pela companhia de Kelly Slater está no planos da WSL, mas a qualidade da onda ainda não é suficiente para receber uma etapa valendo pontos. Foto: Reprodução.

 
Mudando de assunto, é verdade que a World Surf League planeja promover um evento na piscina desenvolvida pela companhia de Kelly Slater?

Sim, é verdade. Nunca escondemos a nossa intenção de seguir adiante com os projetos nas piscinas. Essa da companhia do Kelly foi a melhor já produzida. Os comissários da WSL, Kieren Perrow e Jessi Miley-Dyer, já estiveram na piscina na última semana e surfaram lá. No momento, acreditamos que ela ainda não tem qualidade suficiente para receber uma prova do CT. Existe a possibilidade de um evento especial, como existe em qualquer piscina. Na década de 80, fizemos em Allentown, na Pensilvânia (EUA), que o Carroll (Tom) ganhou, depois fizemos um especial na piscina de Myiazaki, onde julguei a competição e o Fabinho (Gouveia) foi o campeão. Eram piscinas infinitamente piores do que essa onda da companhia do Kelly, que é uma coisa impressionante, principalmente quando a primeira onda entra, segundo o Kieren. Só que ele disse que a onda é praticamente um tubo, muito difícil de manobrar, e é muito longa. Já conversamos com Kelly em Fiji, no ano passado, e ficamos trocando ideia sobre como seria o julgamento. Até chamamos o head judge. Queríamos discutir o que seria empolgante também para o público, pois pode ficar monótono. Como você vai diferenciar qual onda foi melhor? Vai ter que pegar pequenos detalhes para separar o joio do trigo. Numa piscina, o ideal para uma competição seria uma onda em que o atleta possa colocar em jogo todo o seu conjunto de manobras, inclusive o tubo. E talvez não tão longa, pois assim é bom para quem está surfando, nem tanto para quem está assistindo, se for sempre a mesma coisa.

Especulou-se fazer uma competição por equipes, em que cada atleta do time entrasse na onda em um determinado trecho, como se fosse um revezamento. Um surfaria os primeiros 200 metros, outro entraria em seguida e daí em diante. Resumindo, a WSL apoia o desenvolvimento das piscinas, acredita que isso tem um grande futuro e pensa em promover um evento especial, mas acredito que a possibilidade de fazer uma prova do circuito valendo pontos ainda esteja distante.