Leitura de Onda

Outro esporte, outro herói

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Raoni Monteiro totalmente atirado em Fiji. Foto: © ASP / Robertson.

Ladeiras de 6 metros, perfeitas e brutais, explodiram nesta quinta-feira histórica na bancada de Fiji. Lembrei inevitavelmente os desenhos de caderno da infância, quando a proporção entre o surfista e a onda não era relevante. Alguns dos melhores atletas do mundo foram reduzidos a minúsculos pontos pretos nos gigantescos salões verdes de Tavarua.

 

Os organizadores do Volcom Fiji Pro realizaram apenas duas baterias do round 2, deixando o melhor do dia para o freesurf. Falou-se em excesso de vento, risco para quem estava no palanque e segurança dos surfistas. Daqui, de longe, pareceu que perderam oportunidade única de realizar o que seria um dos mais fantásticos dias de competição da história do WCT.

 

O surf precisa de ondas como as que quebraram em Tavarua. Outro dia, conversava com um amigo que já organizou eventos sobre os problemas do esporte, do ponto de vista de negócio. A solução passa pela emoção do espectador, pela palpitação, pela sensação de risco diante do enfrentamento de um fenômeno tão belo e aterrorizante.

 

Embora não tenha tocado o evento, a Volcom acertou em cheio ao manter as câmeras online para o freesurf. Documentou uma sessão histórica, que estouraria a audiência leiga de qualquer tevê aberta, se fosse exibida ao vivo. 

 

Surfistas de ondas gigantes de carteirinha, como Ian Walsh, Ramon Navarro e Kohl Christensen, dividiam espaço com alguns competidores mais afeitos a tubos do tour – irmãos Hobgood, JJF e outros.  Dropes espetaculares, caldos monstruosos, pranchas quebradas a todo momento e, mais importante que tudo, muitos tubos gigantes.

 

Foram realizadas apenas as duas últimas baterias do round 2. O melhor momento do dia de competição foi protagonizado – mais uma vez – pelo bravo Raoni Monteiro. 

 

Atrás de uma nota para virar a bateria contra Kai Otton, Raoni segurou sua prancha no trilho de uma bomba, no inside, e andou muito tempo dentro do tubo. Na saída, viu que o lip gigante fecharia furiosamente, mas não se intimidou: optou pela “doggy door”, na tentativa de passar pouco antes do lip. Por um segundo, não conseguiu. 

 

Toneladas de uma gigantesca massa d’água explodiram sobre suas costas. Ele tentou se manter em pé, mas o joelho pagou o preço. Saiu da água como uma forte torção, mas aplaudido por todos como herói. Se não se contundisse, apostaria todas as minhas fichas nele. 

 

O drama de Raoni, que perdeu o patrocínio no fim da temporada passada, merece reflexão. Em condições extremas, quando o surf vira espetáculo e passa a ser um esporte vendedor, o local de Saquarema é um surfista nitidamente diferenciado. Um dos melhores do mundo.

 

Provou sua técnica com a nota 10 em Teahupoo gigante no ano passado, consolidou a sua fama nesta quinta em Tavarua. Se esta é a condição em que mais desejamos ver os melhores do mundo, Raoni merece um olhar atento e mais cuidadoso do mercado. Ali, onde importa, dentro do salão oval de Teahupoo ou de Tavarua, ele tem – e terá sempre – um enorme valor.

 

 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.

 

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".