Muitas Águas

Ondas sabor de chocolate

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Tudo pode acontecer numa trip ao Peru, até mesmo encontrar o país sob muitas águas por conta de uma inundação improvável. Foto: Motaury.

Minha primeira viagem internacional para surfar foi ao Peru, 1984. Depois vieram muitas outras, cada uma única e inesquecível. Como é bom poder viajar, conhecer novos lugares, culturas, pessoas e amigos. Alguns imprevistos também fazem parte.

 

E muitas vezes não estamos preparados, mas a vida é assim mesmo.

 

Num retorno ao Peru, em 1998, convidei meu brother Alexandre Lemos, o Borracha, para irmos ao litoral Norte peruano. A ideia era explorar as ondas da região e depois ainda passar uma semana em Punta Hermosa, arredores de Lima, antes de retornar ao Brasil.

 

O que eu não imaginava era que um local tão árido estivesse sendo castigado por enchentes! Saímos de Florianópolis, depois São Paulo e Lima, de onde pegamos o último vôo para Piúra, Norte peruano.

 

Mas, na chegada o aeroporto estava um caos. Naquele burburinho todo, perguntamos o que estava acontecendo, e informaram que o aeroporto estava praticamente isolado por enchentes. Custamos a acreditar no que estava acontecendo.

 

Era como se uma nevasca estivesse assolando o deserto do Saara. Aliás, quem conhece o deserto de Sechura, também conhecido como deserto de Nazca, sabe que ele é o mais árido do mundo e Piúra fica praticamente no limite geográfico dele. Mas como o nosso planeta anda passando por tantas transformações, nada surpreende mais tanto assim.

 

Não tivemos muito tempo para pensar, poderíamos ficar literalmente presos por dias. Então, rapidamente nos reapresentamos no check-in e pensamos assim: voltar para Lima ou tentar Trujillo, ao lado de ondas como Chicama e outras pistas sem fim para a esquerda?

 

Numa sintonia perfeita com meu parceiro de viagem, decidimos arriscar Trujillo. Lá fomos nós para a esteira colocar nossas pranchas e embarcar rumo ao desconhecido.

 

Uma vez em Trujillo, seguimos para Huanchaco. Descolamos uma pousadinha bem legal. Tinha altas ondas por sinal, bem na frente de “casa”, mas o que nos intrigava era a conversa do proprietário da pousada. Ele dizia que as chuvas tinham praticamente destruído a cidade.

 

Com as chuvas na serra árida, formaram-se gigantescas lagoas de lama, que romperam e desceram com toda fúria ao litoral. O aeroporto foi inundado, a cidade parcialmente estava destruída e, pasmem, até o cemitério havia sido revolvido pela força das águas: corpos putrefatos vagavam pelas praias!

Tudo isso havia ocorrido pouco tempo antes de nossa chegada. Fazer o quê? Pegamos as pranchas e fomos surfar. Em nossas mentes, imagens apocalípticas assombravam. Surfei achando que a qualquer momento veria algum Inca ancestral Inca “compartilhando” o outside conosco.

 

Caveiras e tragédias à parte, passamos dias maravilhosos e ensolarados. Ainda vimos os fantásticos Cabalitos de Totora, provavelmente até mais antigos que o surf praticado pelos reis havaianos. Seria o Peru a origem real do surf no mundo?

 

Bem, de lá partimos para mais uma semana de altas ondas em Punta Hermosa, hospedados na casa de Luisfer. Ainda fomos a San Gallan e o Borracha, infelizmente, estourou o tímpano ao tomar uma vaca em Punta Rocas.
Mas ficamos no lucro, pois talvez ainda estivéssemos na pior por dias ou semanas presos em Piúra.

 

Passou algum tempo e o que vejo como lançamento de um filme magnífico de surf?: Chocolate Barrels, produzido pela Rip Curl, filmado nas ondas de “chocolate” barrentas daquele ano chuvoso ao norte do Peru, mais especificamente nas redondezas de Piúra. Eles se deram bem. No final, nós também!