Palanque móvel

Oceano em fúria

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Ressaca na Joaquina (SC) traz boas ondas e desastres para a comunidade. Foto: Gustavo Lima.

“Quando sopra o vento terral de manhã vale a pena acordar para ver ” (trecho de uma música Herbert Viana).
   
O mar, o vento, o céu, a natureza é sempre surpreendente. Não sei se é porque é com o mar que, nós surfistas, estamos mais conectados no nosso dia-a-dia e em nossos corações.

 

Me parece ser o oceano um dos seres mais mutáveis da natureza que nos trás, às vezes, imagens e sensações muito boas ou situações desastrosas que nos fazem parar para pensar.

Todo dia vale a pena acordar para ver nem que seja a distância ou pela internet, todo dia é diferente. Saber do mar nos conecta as transformações do mundo.
 
Hoje, segunda-feira 16 de junho, acordei para ver a ondas na Joaquina (SC). Com a pretensão de surfar, ou de pelo menos estar lá presente (pois sabia que o mar estava grande), preparei meu equipamento já com o coração palpitando.

Lá de casa dava para ouvir o rugido das ondas. Vento terral, swell de Leste, céu azul e frio. O visual estava alucinante. O mar mais uma vez mostrava sua força e beleza. Das pedras dava para ver aquelas séries enormes e perfeitas entrando, a correnteza levava em segundos para a praia muitos dos surfistas experientes que tentavam varar a arrebentação.

Às vezes em uma brecha, alguém conseguia passar na remada, e se viam quatro ou cinco surfistas buscando se posicionar no outside para encontrar a sua onda. Umas cinco duplas de tow in, mais longe do costão estavam fazendo a mala e lá de cima dava para ver alguém entocado num tubo ou fazendo um drop de responsa. Visual de encher o coração e preencher o dia de emoção, mesmo sem cair no mar.

Na semana passada eu e Bruno, meu companheiro, acordamos para ver o mar. Swell de Sul, ventinho Sul, céu azul e frio. Fomos rumo ao Sul da ilha, praia do Matadeiro. Já havíamos ido ao Sul umas duas semanas antes e presenciado as cenas de casas a beira do mar na Armação prestes a cair e outras que já tinham tido um pedaço tragado pela água.

A defesa civil estava em ação precavendo moradores de que iriam certamente perder suas moradias. Na Barra da Lagoa já havíamos visto a praia sem areia e os acessos que desmoronaram, deixando rastros de concreto e ferragens expostas.

 

Há duas semanas na praia do Matadeiro, ainda havia um pedacinho de praia, mas muitas casas já tinham perdido seus muros para o mar, tentando reaver parte de seus terrenos os moradores enchiam sacos e sacos de areia para fazer barragens.

Desta vez quando chegamos lá o mar estava quase flat, mas já não havia mais como passar ao canto Sul sem se molhar até o joelho. Quando vimos os destroços da casinha de salva-vidas no chão ficamos chocados. Aí estava o mar mais uma vez mostrando a sua força.

 

Desde este dia entramos num processo de reflexão profunda sobre as mudanças que devem ocorrer em nós e que inevitavelmente irão ocorrer em nosso ambiente vital. As evidências estão mais próximas e claras do que podíamos imaginar.
   
Estes dias ouvimos o prefeito da cidade dizendo que “é preciso conter a natureza”. E isto foi feito, à sua maneira. A praia da Armação agora ganhou um costão de pedra que foi rapidamente construído como medida de urgência, mas que em nada poderá conter a força do mar e pelo que dizem alguns geógrafos pode até intensificar a maneira como o mar vem “comendo” a areia, pois ao bater nas pedras volta com cada vez mais força.

 

Acredito que em muitos aspectos estas mudanças fazem parte do ciclo natural da Terra e da sua transformação continua. A nós como organismos vivos deste planeta só nos resta aprender a nos posicionarmos melhor e aprimorar e estreitar a relação com esta mãe que nos alimenta em todos os planos, físico e espiritual.

 

É hora de pensarmos no que o surf verdadeiramente tem a nos ensinar e de transferirmos este ensinamentos para as nossas relações, para cada momento que vivemos e para as próximas gerações.