Muitas Águas

O tesouro de cada um

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Motaury Porto encontra condições clássicas e muitos tubos no litoral mexicano. Foto: Motaury Porto.

Recebi um telefonema do santista Daniel Miranda e já estava eufórico mesmo antes da ligação terminar. Havia sido convidado para mais uma surf trip. Iria ao México, na companhia do também santista Amaury Piu Pereira, desbravador do circuito mundial ao lado de Teco Padaratz e Fabinho Gouveia.

 

Já conhecia os caras, mas uma viagem é a melhor oportunidade para estreitar os vínculos de amizade. Num piscar de olhos, estávamos na Aeroporto de Guarulhos (SP) embarcando para a terra dos hermanos. 

 

Apesar de já conhecer parte do litoral mexicano, nunca tinha visitado aquela região. Nossa missão era surfar ondas secretas e perfeitas. Eu registraria tudo.

 

Fizemos a última conexão e descemos em Puerto Vallarta, lugar muito procurado por mergulhadores e turistas. Alugamos um carro, pranchas em cima e pé na estrada.

 

Daniel e Piu brincavam que estávamos indo para um point tão escondido quanto Puerto Escondido há 15 anos.

 

Ficamos hospedados numa pousada bem simples. Praticamente com os pés na areia. O mar roncava forte e os decibéis em nossos ouvidos eram proporcionais à expectativa e curiosidade.

 

Para completar, uma tempestade elétrica durante a noite gerou raios estrondosos e eles explodiam a poucos metros de nosso quarto.

 

Amanheceu um novo dia com silêncio e sol. Para minha surpresa, um coqueiro ao lado da pousada estava em cinzas depois de partir ao meio por um raio.

 

Um olhar mais atento e ondas, muitas ondas! Ninguém no mar. Tomamos um café rápido e pouco tempo depois estávamos sozinhos em um line up com ondas de 1,5 metros, tão ou mais perfeitas quanto as de Puerto.

 

Com uma alegria contagiante, Piu e Daniel foram pegar suas ondas. Eu tratei de achar o melhor e mais criativo ângulo para os clics. Estava maravilhado com o primeiro dia de viagem. 

 

Alguns locais curiosos me viram com o equipamento e vieram bater um papo. Fiz amizade, disse que era brasileiro e eles responderam que nunca haviam visto alguém ali com aquele propósito. Fui recebido com hospitalidade e tudo ia muito bem. Ia…

 

De repente, sai da água um “tiranossauro”! Verdadeiro monstro em forma de surfista. O cara era um armário. Veio até mim bufando. Pensei: “Ferrou, esse cara quer encrenca”. Mandei em portunhol mesmo: Buenas, amigo? O cara respondeu em inglês, com xingamentos. 

 

Tentei novamente apaziguar a situação: Good morning, what’s your name?

Ele retrucou algo como: “Meu nome é o caramba, de onde você vem? O que é isso? Sai fora!”.

 

Deus me deu uma paciência incrível. Respondi com calma e educação: Meu nome é Motaury. Sou fotógrafo de uma revista de surf e esse é meu trabalho. Estou aqui com alguns amigos locais mexicanos que acabei de fazer. Fui muito bem acolhido. De onde você é mesmo?

 

Ele começou a ficar mais calmo e perguntei o porquê do incômodo. Bom, passados alguns minutos, os verdadeiros locais do pico, que assistiam a cena com atenção, tomaram uma atitude. Um deles veio até o gringo e falou: “Esse cara é brasileiro e muito bem vindo aqui, você também. Vá pegar suas ondas e deixe o cara fazer o trabalho dele. Afinal, qual o problema?”. 

 

Ofereci um aperto de mão para o “my friend”. Ele aceitou e voltou para a água murmurando. Antes de partir, pediu: “Please don’t say the name of this place”. (Algo como, cara, não divulgue o nome e a localização deste point por aí). “OK bro, relax”, mandei de volta.

 

Ele foi pegar as ondas dele. Eu continuei fotografando. Fizemos vários amigos mexicanos e as duas semanas foram espetaculares. 

 

As ondas subiram muito. Piu e Daniel superaram seus limites e, de quebra, conhecemos lugares como El Paraiso, Rio Nexpa e região.

 

Ainda no vôo ao Brasil, feliz pelo sucesso de nossa empreitada e pela vibe da trip, abri meu livro de meditações diárias e veja só o que estava diante meus olhos: “Porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração.”

 

Parei para refletir. Aquele gringo quase me proibiu de fotografar aquilo que considerava seu tesouro. Claro, eu representava uma ameaça. Onde estará nosso tesouro em nossas vidas?

 

Em 2002, a convite do meu amigo surfista e jornalista Alceu Toledo Junior, fui gentilmente convocado para ser colunista do Waves, maior site de surf do Brasil e da América Latina.  Portanto, completo 10 anos de colunas no site no final de 2012. 

 

É realmente incrível compartilhar experiências e opiniões e ser aclamado e açoitado por críticos impiedosos. Tudo isso é maravilhoso e faz parte desse belo momento de democracia e liberdade de expressão que vivemos no Brasil. 

 

Não precisamos nem vamos ter as mesmas opiniões. Afinal, até entre nossos familiares e amigos mais próximos existem divergências de opinião.

 

Formado em comunicação social pela UNIP, com experiência acadêmica e prática em jornalismo, sempre acreditei que a verdade dos fatos impera sobre nosso subjetivismo. 

 

Agradeço ao Juninho e ao Waves pela oportunidade de me expressar com sinceridade e liberdade. Tenho minha própria opinião sobre esta questão de localismo. Quem sabe um dia falo abertamente sobre o assunto neste espaço.

 

A onda que fotografei não é mais novidade e eu recomendo para sua próxima viagem. Isso claro, se você gosta de ondas grandes e tubulares.

 

Outra coisa que aprendi nas últimas duas décadas e meia: “Melhor é o pouco com o temor do Senhor do que um grande tesouro onde há inquietação.” – Provérbios 15.16

 

Hasta la vista e buenas olas!