O retorno do guerreiro

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Depois de chegar a pensar em desistir de competir no Circuito Mundial, o surfista potiguar Joca Júnior está de volta ao WCT. Aos 31 anos de idade, ele já fez parte da elite mundial em 97, mas uma séria contusão na coxa direita estragou seus planos. Agora, de bem com vida e com o apoio total da mulher, Adriane, Joca, que é surfista de Cristo, está motivado e espera mostrar no WCT o que não pode fazer na primeira oportunidade. Seus principais aliados nesta nova fase, além de um bom surf, serão a maturidade e a consciência de que pode sempre melhorar.

#Você está de volta ao WCT. Qual é a emoção do retorno?
Eu sinto como um dever cumprido, porque no ano que eu sai, eu me machuquei, não pude lutar, permanecer, pelo menos tentar confirmar a minha vaga. Já no ano passado, a ASP deu a vaga para o Keith Malloy, que se machucou nas últimas etapas. Eu me machuquei no meio do ano e estava dentro dos dois (WQS e WCT). Fiquei bem abalado, tentei voltar no ano seguinte e por duas posições não consegui. Agora, a emoção é total. A minha mulher, Adriane, sempre me deu a maior força, dizendo que eu tinha condições e surf para voltar, mas demorou um pouco devido às contusões que eu tive.

Você acreditava neste retorno? Sempre esteve confiante nisto?
Sempre acreditei. Tanto que teve uma época que eu pensei em parar, ficar como o Tadeu (Pereira), correndo só no Brasil, mas eu e a minha mulher conversamos e falei não, vou tentar, pelo menos, até os 32 anos. Não sinto, pelo meu porte físico, o peso da idade. Sou levinho, magro, cabeça tranqüila, no lugar, não sou pró-night. O meu físico não atrapalha em nada. Seu eu jogar bola, eu corro bem. Então eu sabia que pelo surf eu tinha condições. Sabia que poderia voltar.

Qual foi a sua inspiração para voltar?
Eu sempre vi os caras da geração de quando eu entrei no WCT, o Mandinho (Armando Daltro), tudo se dando bem. Eu sabia que tinha condições também. Tem o pessoal da minha geração de mundial amador, o Peterson (Rosa), o Victor Ribas, eu sempre dava maior duro com esta galera nos campeonatos. Eu estava aqui no Brasil e eles se dando bem lá fora. Eu acho que eu fui sempre muito acomodado. Eu tenho talento, sempre tive muita facilidade de fazer manobras, como um aéreo, um reverse, e ficava muito encostado no meu talento e não me dedicava, não era um cara esforçado. Não malhava, não ia para o Hawaii e ficava um tempo pegando onda. Nunca me dediquei mesmo ao esporte. E, a partir do momento que eu vi que estava ficando para trás, comecei a treinar mais, me dedicar, fazer um monte de prancha. Eu vi que o meu surf começou a mudar. E isto foi tarde. Comecei a me tocar muito tarde. Eu era bem preguiçoso neste lado. Agora, a minha inspiração foi esta, dos meus companheiros no WCT, o Mandinho, que a gente entrou na mesma época, eu saí e ele continua até hoje, com méritos, e eu sabia que tinha condições de chegar. E Deus também, que me deu tranqüilidade para correr atrás de tudo.

Como foi a preparação para este ano?
No ano passado eu conheci um professor de Educação Física lá em Natal, o Josenildo Shampoo, da Academia Nadarte, e ele começou a preparar um trabalho especial para surf, específico de remada, para abdômen, para perna, para melhorar as minhas manobras. Ele fez este trabalho para mim, comecei a malhar direto e ele me dando a maior instigação na academia, sempre dizendo você vai chegar lá, você vai conseguir. Ele me via surfando, me dava uns toques, a minha mulher também me filmava. Eu pegava várias pranchas, ia para a praia. Este ano teve um trabalho mais completo, com filmagens, academia, mais pranchas. Isto ajudou bastante.

Sobre as filmagens, a sua mulher está acompanhado você sempre, te ajudando muito?
Infelizmente agora ela está até acompanhando menos. Ela está estudando, está fazendo faculdade (Pedagogia), mas sempre que eu posso, que eu tenho uma folguinha, estou gastando mais grana e voltando para Natal. Exatamente para fazer este trabalho. Ela me filma. Ela está viajando menos. Mas sempre que eu posso estou voltando para Natal, fiz a minha base lá novamente.

E as pranchas?
Eu continuo fazendo pranchas com o Beto Santos, ele faz pranchas ótimas, mas agora no final do ano o Xanadu fez uma prancha que encaixou, ficou muito boa. Foi a primeira prancha que ele fez para mim, provavelmente eu vou fazer outras, mas vou continuar com o Beto Santos também. Eu gosto muito das pranchas dele.
O que espera do WCT em 2001?
Vou viajar tranqüilo, para pegar altas ondas. Foi uma meta que eu alcancei. Não vou colocar pressão. Vou correr o WQS com tudo novamente, para tentar garantir a vaga, porque quando a gente chega no WCT, eu já sei da pressão que rola dos juizes acostumados com Sunny Garcia, Rob Machado, Kalani Robb da vida. Os caras já são bem julgados e se você cai com eles tem de surfar muito para ganhar. O WCT é bem difícil, mas vou tranqüilo, sem pressão. Aproveitar os picos de ondas boas e tentar passar as baterias. Vou dar um gás no WQS também para tentar me manter lá o maior tempo possível. O bom resultado no WCT será consequência desta tranquilidade.

Este amadurecimento, de 96 para cá, vai ajudar na hora das disputas?
Vai, porque hoje em dia eu sei o que tenho de fazer. Não adianta me preocupar porque eu estou caindo com um cara que está no auge da carreira, arrebentando. A gente sabe que se ele não fizer as três ondas boas, vai perder mesmo. Então, eu aprendi a não me preocupar com o adversário. Isto ajuda muito a manter a concentração durante o campeonato. A preocupação é fazer as minhas ondas, fazer o seu surf. Você tendo as três ondas boas é o outro cara é que vai ter de correr atrás para passar a bateria. O amadurecimento ajuda muito.

Fala um pouco da frustração de não poder disputar o WCT em 98.
Quando eu me machuquei, só pensava em me recuperar para garantir a minha vaga de novo. Depois que eu vi que não dava mais, que eu estava machucado, dois meses sofrendo, eu nem pensava mais em WCT. Queria voltar a surfar, porque a contusão foi séria. Tive ruptura grau dois das fibras musculares da coxa direita. Se fosse um pouco pior, talvez eu nem pudesse voltar a surfar. Então em nem pensei no WCT em 98. Pensava em voltar a surfar e com confiança. Porque você volta e fica com medo de que estoure novamente. Mas quando chegou no meio do ano vi que ainda tinha condições de voltar pelo WQS, onde consegui uns resultados bons em 98. Mas não rolou uma frustração de não participar em 98, devido a minha contusão ter sido muito séria.

#Como foi essa contusão?
Eu rompi todas as fibras, e o próximo a romper era o músculo. Eu dei um floater numa onda grande em Portugal e abri escala. O pé da frente ficou em cima da prancha e o de trás saiu da rabeta. A onda me arrastou e eu com a perna em cima da prancha.

O que passou pela sua cabeça quando você não conseguiu retornar ao WCT em 99, por apenas duas colocações?
Ali eu comecei a pensar em ficar mais no Brasil. Vi o Circuito Brasileiro melhorando bastante, vi outras portas abrindo para ficar mais no Brasil. Comecei a pensar mais no Brasil, me organizar para montar o meu negócio, ficar mais em casa. Foi aí que surgiu a conversa com a minha esposa, que deu a maior força para continuar. Decidi dar mais um gás, correr mais dois ou três anos, tentar voltar. Graças a Deus deu certo, a gente traçou as metas, objetivos, coisa que eu não fazia antes. Colocamos estas metas, de ser bicampeão brasileiro, voltar ao WCT.

No meio do ano você ficou desanimado, quando não conseguiu bons resultados nos seis estrelas na África e na Califórnia. Chegou a pensar que não daria mais? E como foi a recuperação?
Olha, no meio do ano eu tive problemas pessoais, de mudança de casa. Graças a Deus eu comprei uma casa muito boa, do jeito que eu queria, espaço para criar cachorro, piscina, e eu fiquei devendo uma parte da grana. Isto nunca tinha acontecido comigo e me preocupou muito. Pensei: “Agora vou ter de começar a me dar bem nos campeonatos, para ganhar dinheiro e pagar o que eu estava devendo”. Foi uma situação que eu mesmo coloquei de pressão e então eu tremia nas pernas nos campeonatos. Foi bem na fase mais importante, dos campeonatos seis estrelas. Depois que eu comecei a acertar mais a situação. Daí peguei esta prancha com o Xanadu, voltei para a casa, teve um tempo sem campeonatos, relaxei, comecei a treinar e quando voltei, estava instigado de novo.

Você chegou a pensar que o ano estava perdido, em relação ao WQS?
Com certeza, depois que passaram os dois campeonatos seis estrelas e eu me dei mal, eu falei: “Agora o WQS complicou e vai ser muito difícil para mim”. Vou ter de fazer final nos quatro estrelas, mas ainda tinha o seis estrelas de Portugal. Comecei a treinar pensando nesta etapa e foi lá que começou a reviravolta.

Faz uma análise da sua atuação nesta temporada?
Eu comecei o ano bem, fui 17º na Argentina, marquei 1000 pontos. Fui quinto em Noronha, depois fiz final em Santa Cruz (Califórnia), fiquei em terceiro. Estava em segundo no ranking. Aí dei esta parada no meio do ano, depois voltei marcando mais 1000 pontos com o 17º lugar no seis estrelas em Portugal. Vim para o Brasil, ganhei o Super Surf (Arpoador), me instigou mais ainda, fui para o Japão, aí fiquei em segundo no quatro estrelas. Daí fiz mais uma final no Brasil, em Santa Catarina. Eu estou somando uma quartas-de-final, 670 pontos, na Virgínia (Estados Unidos) e uma dançada de cara, um 480. Sendo que aqui no Brasil, como só pode somar três resultados, descartei uma semifinal do Rio, 830 pontos, e um nono lugar do Hang Loose, em Maresias, 750 pontos. Então, estou perdendo um 830 e um 750, mas estou somando 480 ainda. Esta mudança que a ASP fez, de só acumular três resultados por região, acho que fui um dos atletas mais prejudicados do Circuito. Senão, teria 8 mil pontos antes do final do Circuito.

O Rio Grande do Norte vai ter dois representantes no WCT. Duas gerações, você e o Marcelo Nunes. O que acha disto?
Vai ser muito bom para o esporte do nosso Estado. E foi uma das coisas que me incentivou bastante no meio do ano. Vendo o Marcelo e o Danilo Costa indo bem no ranking, me motivou ainda mais a me dar bem nos campeonatos. A gente estava pensando se os três conseguissem entrar, iria ser uma situação espetacular para o nosso Estado. Para mim é muito bom. Eu fui o primeiro atleta do Rio Grande do Norte a ser campeão brasileiro, a entrar no WCT e agora eu vejo que esta nova geração tem condições de fazer o que eu fiz. É muito bom ver renovação no meu Estado. Daqui um tempo eu vou parar e sei que os resultados vão continuar.

Você está com 31 anos e disse que não sente o peso da idade. Acredita que vai estar competindo em alto nível até quando?
Pretendo correr os campeonatos até os 35 anos. Pode ser que eu consiga ir até mais. Se eu conseguir ficar mais três anos no WCT, vou conseguir fazer um pé de meia legal e vai encher o saco. Vou querer montar o meu negócio, um comércio, uma representação, sei lá, qualquer coisa que eu possa ganhar dinheiro. Mas estou falando isto agora, porque quando eu tinha 25 eu achava que com 30 iria parar. O surf de competição está na veia, eu gosto de viajar, de competir e enquanto Deus me der saúde para correr atrás dos campeonatos vou estar perturbando a nova geração (rs).

E o que você pensa para o seu futuro?
Com certeza eu vou ter algo ligado ao surf, uma representação no Nordeste, alguma coisa que eu possa ter os meus patrocinadores na região que eu moro. Não dá para largar o surf. A vida toda no meio do surf e sair de uma hora para outra. Mas eu quero ter coisa também fora do surf, uma coisa para a minha mulher fazer, ela está se formando. Quero ter um comércio ou comprar alguns pontos para alugar. Uma renda extra.

As viagens vão continuar? Vai fazer o free-surf?
Claro. Vou competir na Master. No Nordeste tem altos campeonatos, agora tem mundial. Daqui a pouco está aí a nova geração de Masters e, com certeza, quando eu parar no profissional vou estar lá de bengala, dando batidas no meio do mundo.

E a relação com os patrocinadores? Com a Natural Art?
Este ano foi muito bom porque senti tranquilidade. Todo o patrocinador, com certeza, quer e exige resultado do atleta, mas isto não foi passado para mim. Fiquei bem tranqüilo, foi uma parceria muito boa. Espero que a gente renove. O primeiro ano foi muito bom o relacionamento, não só com a Natural Art, mas com a Drop Shoes também.

Queria uma opinião de como você está vendo o surf brasileiro.
O surf brasileiro é só evolução. Cada ano que passa melhorara mais e mais. O que falta para o surfista brasileiro é o título mundial do WCT. Os brasileiros chegarem junto e ganhar mais etapas e com mais constância. Ainda acontece a pressão dos gringos, o surfista brasileiro ainda é visto como terceiro mundista. Isto tem mudado bastante, mas acho que quando o surfista brasileiro chegar com mais moral, vai mudar. Falta ser mais constante, conseguir bons resultados em ondas boas, para os gringos não terem o que falar.

E sobre o Circuito Mundial?
Eu acho que tem muito campeonato no WQS. Tem de viajar bastante. Acho que deveria ser limitado o número de etapas, para você não ter de viajar tanto para conseguir uma vaga, e no Brasil principalmente. Como agora só estão contando três etapas, acho que ao invés de ter seis campeonatos quatro estrelas, faz três seis estrelas. Isto é que vai ajudar mesmo os brasileiros a entrar no WCT. Eu, por exemplo, fui totalmente prejudicado com este sistema. Então não adianta fazer seis campeonatos. Sobre o WCT, está muito bem, com as melhores ondas do mundo e a tendência é esta, melhorar cada vez mais. Esta nova geração que está chegando, com a profissionalização cada vez maior, só vai fazer crescer.

Acha que o Brasil vai fazer um campeão mundial logo?
Eu não sei se logo, mas, com certeza, a próxima geração vai ter mais chances de ter um campeão mundial, porque eles não vão ter o Kelly Slater. A próxima geração está mais parelha, com bons surfistas brasileiros e também bons gringos, mas nada que seja uma grande promessa como foi o Slater, o Rob Machado, o Occhilupo, o Tom Curren. Temos surfistas no Brasil despontando com chances totais de serem campeões mundiais.

Como foi o seu início?
Comecei a surfar em Ponta Negra. Eu morava no interior do Rio Grande do Norte, fui morar em Ponta Negra e na minha rua tinha um cara que consertava prancha (Tatá), eu só queria saber de jogar bola, mas ficava vendo o cara consertar as pranchas. Um dia ele me emprestou uma prancha e comecei a surfar, com 14 anos, comecei tarde, com pranchas emprestadas.

Começou a competir quando?
Um ano depois de começar a surfar eu corri meu primeiro campeonato. Fui quinto lugar, revelação. No quarto campeonato eu já comecei a viajar para Fortaleza, ganhei o Norte-Nordeste, já fui para a Bahia, daí comecei a ganhar um amador atrás do outro. Teve uma época que eu ganhei 17 campeonatos amadores seguidos. Até que apareceu o patrocínio da Opeste, era o Joãozinho Carvalho (hoje assessor de imprensa da Abrasp e ASP South America). Depois surgiu o patrocínio da Stanley e eu viajei para o sul para correr os campeonatos.

Dados do atleta
Com 31 anos de idade, José Genésio Bezerra Júnior, o Joca Júnior, começou a surfar aos 14 anos, na praia de Ponta Negra (RN). Entre suas várias conquistas estão o título brasileiro amador em 89 (e o vice em 88) e a participação no Mundial Amador no Japão, em 90, ficando em nono lugar. Como profissional, é Top 5 do Circuito Brasileiro Profissional nos últimos seis anos. O melhor ano da carreira até agora foi 96. Garantiu o título brasileiro e paulista e foi o terceiro colocado no WQS, garantindo a vaga no WCT de 97. Este ano venceu a etapa da praia do Arpoador (RJ) no Super Surf e chegou até a última etapa disputando o título. Ficou a apenas 20 pontos do primeiro lugar. Também foi fundamental para que a Natural Art conquistasse o título brasileiro por equipes. E no Circuito Brasileiro de Duplas, garantiu o inédito título junto com Jojó de Olivença e Jair de Oliveira. A conquista da vaga para o WCT de 2001 foi sofrida. Depois de ser anunciando durante as disputas no Brasil como garantido, ele teve de esperar até a última etapa, no Hawaii, para comemorar aliviado.