Muitas águas

O assassinato da barracuda assassina

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Hummm… Adalvo Argolo lembra da moqueca feita com a pobre barracuda assassina. Foto: Guiga Matos.
O cheiro de peixe impregnava o apartamento número 12 do Edifício Bela Vista, na praia de Pitangueiras, Guarujá (SP). Entrei correndo e deixei minha mochila num canto da sala. Era apenas mais um final de semana na praia  surfando com os amigos, e fui pra cozinha ver que cheiro era aquele…

 

Bom, os irmãos Argolo (Adalvo, Jânio e Brício) estavam passando uma temporada em São Paulo, fazendo negócios e surfando. Na época eu fazia faculdade de publicidade e todo final de semana descia pro litoral, ávido para pegar altas ondas.

 

Como todo bom baiano, eles se descolavam em qualquer situação e aquele cheiro de peixe me sugeria que alguma moqueca havia rolado horas antes. O que eu não poderia sequer imaginar, (e você leitor também) era a maneira como aquele peixe havia parado ali – acompanhe a história e acredite se quiser!

 

Realmente havia boas ondas naquele final de semana e a sexta-feira estava ensolarada. Adalvo, Brício e Jânio logo estavam no outside das Pitangueiras, perto da ilha, pegando muitas ondas. Numa olhada rápida para além da arrebentação, Adalvo notou um movimento frenético na superfície da água.

 

A barracuda possui dentes afiados que podem fazer estragos na pele humana. Foto: Reprodução Silber.com.br.
Curioso como é, acabou remando até lá para ver do que se tratava e, para sua surpresa, um peixe se debatia constantemente.

 

Adalvo chegou a tentar pegar o que seria seu futuro almoço, colocando o bico da prancha sob ele, mas instintivamente o peixe se afastou. Vendo que o negócio estava mais para surf do que para pescaria, o baiano voltou para a linha da arrebentação, onde estava o que ele realmente queria: as esquerdas da ilha.

 

Porém, qual não foi a surpresa dele ao ver que, poucos segundos após sua tentativa frustrada de pescaria, enquanto remava, seu pé fora violentamente atacado, com uma mordida que o fez berrar e chamar a atenção dos outros no outside. Imediatamente, numa dor aguda, Adalvo desceu da prancha e levou sua mão ao pé.

 

Ali, encontrou um peixe simplesmente agarrado com seus dentes em sua carne e, num esforço, abriu a boca do mesmo, o pegando pelas guelras e trazendo para a superfície. Duas ou três porradas no bichinho com a prancha e ele estava morto. Era uma barracuda, e estava prenha. O sangue escorria por sobre a prancha triquilha e o pior, seu pé estava dilacerado pela mordida.

 

Existem cerca de 18 espécies de barracuda que vivem nos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico. Foto: Reprodução Silber.com.br.
Adalvo começou a voltar para praia, remando com o peixe na mão. Ah, ele não ficaria ali não, era uma questão de honra! Chegando na praia, com a prancha de um lado e o peixe de outro, logo chamou a atenção de muitos banhistas – isso porque atrás dele corria um rastro de sangue, muito sangue.

 

Foi direto para o apartamento e num único movimento arremessou a barracuda no freezer. Chegou ainda, em voz alta, a decretar a sentença final: “Fica aí sua desgraçada que eu volto pra te comer…”.

 

Agora Adalvo tinha que cuidar de si. Foi direto para o hospital. Sim, ele levou vários pontos e deixou a todos perplexos e duvidosos daquela história toda. De volta pra casa, começou então o ritual de sua prometida sentença.

 

Agora eram três baianos defronte de uma suculenta barracuda, com ovas e tudo mais, num delicioso almoço regado a muitas gargalhadas e um certo tom de “quem ri por último, ri melhor”.

 

Assim, eu fui o último a comer a barracuda e confesso que também dei muitas risadas depois de escutar toda aquela história. Ainda olhando para os restos do peixe e para os pontos no pé do Adalvo, pensei: esta história ainda vai dar muito que falar… E tem dado mesmo.