Leitura de Onda

Nós contra o mundo

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Adriano de Souza exige o 10 mas dão 9 durante o Rip Curl Pro 2011, Supertubos, Portugal. Foto: © ASP / Kirstin.

A mais justa síntese que li sobre Adriano de Souza até hoje estava escondida num pé de página do site da revista Australian Surfing Life, na seção de comentários de uma infame matéria com viés crítico sobre surfistas que comemoram notas.

 

 

O leitor dizia mais ou menos o seguinte: “Aprendi como amar o Adriano. Talvez ele tenha incorporado a vibe do 2Pac no surf”. E finaliza com o trecho de uma letra do rapper, que eu preferi não traduzir:
“It´s just me against the world, babe”.

 

Adriano incorpora, dentro d´água, o espírito do guerreiro típico: não puxa o bico, encara adversários mais fortes com sangue no olho e treina para estar sempre na ponta dos cascos, no limite de sua capacidade técnica e física. Assim, ganha como favorito e azarão.

 

A esta altura do campeonato – com uma liderança provisória do circuito, três vitórias em etapas e uma pá de conquistas importantes – Adriano certamente já percebeu que o leitor da Australian Surfing Life tem lá a sua razão.

 

Australianos e americanos não estão no WT para botar cereja no bolo de brasileiros ou de qualquer outro estrangeiro que se candidate a tomar o lugar cativo deles.

 

Quando são obrigados a escrever sobre uma vitória brasileira, normalmente fazem elogios econômicos e são generosos em polêmicas. Na brava conquista de Adriano em Portugal, os textos foram todos construídos em torno de Kelly Slater. Uma das matérias publicadas diz que a comemoração do brasileiro ao sair de um tubo na final pode ter lhe rendido um ponto extra.

 

Podem argumentar que Adriano, até a final, não era o melhor surfista do evento. Mas, todos sabemos, vitórias inesperadas, pelas bordas, acontecem aos montes nos eventos da elite.

 

Nem mesmo na conquista de Gabriel Medina na parada anterior do tour, na França, os saxões seguraram a caneta. O garoto vinha sendo apontado favorito em todas as línguas faladas na praia desde as primeiras fases do evento. Mas, num dos textos sobre a vitória do brasileiro, polemizaram em cima da nota 10 de Medina na disputa contra um admirado Taylor Knox.

 

E, claro, não dá para deixar de falar do caso do floater, que virou um rumoroso “floatergate” depois da vitória de Adriano no Rio de Janeiro. O resultado apertado daquela bateria de quartas foi transformado injustamente num crime inafiançável.

 

Curioso é que os sites de surf dos países dominantes não editaram qualquer vídeo ou escreveram matéria – como fizeram com a história das comemorações – sobre os inúmeros casos de floaters bem pontuados que vencem baterias até hoje.

 

Pode parecer contraditório, mas a postura desses sites não é digna de revolta. No mundo competitivo, não tem moleza. Nenhuma nação quer perder seu lugar ao sol, e os veículos especializados apenas reproduzem a expectativa de seus leitores.

 

Estamos ocupando, com mais freqüência que o desejado, um espaço que era restrito a eles. E não dá para dizer que não merecem ocupar esse espaço: são países que produziram, por décadas, e continuam produzindo surfistas monstruosamente talentosos. Kelly Slater, que ruma merecidamente ao seu 11º título, é o exemplo mais bem acabado desse domínio.

 

Mas não tem jeito. O Brasil vai chegar lá. Não temos medo de meter o pé na porta, somos intrometidos, quase intrusos. E vamos chegar comemorando: afinal, a euforia, a vibração e a alegria inocente são atributos elogiáveis de nosso povo.

 

Não por acaso, a tal matéria infame da Australian Surfing Life sobre comemorações diz que, agora, outros surfistas estão dando socos no ar como Adriano. A lista inclui até Mick Fanning, o último bicampeão da tradicional escola aussie.

 

Bom sinal. No futebol, o primeiro soco no ar para comemorar um gol foi de Pelé, em 1959, quando o Brasil começava a mostrar ao mundo o poder de seu futebol. Hoje, o Brasil é penta, e qualquer  artilheiro de time de várzea do País de Gales comemora gol igual brasileiro.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".