Quanta pressão para escrever esse texto, quanta pressão para ganhar esse título.
Esse sentimento de pressão foi comum a todos nós, brasileiros. É muito louco que o sentimento de “ganhamos” é presente para todos nós, todos se sentem campeões, como se todos nós tivéssemos surfado todas as etapas. Todos se sentiram espancando as direitas de Snapper, todos se sentiram perdendo a liderança no Rio. Sentimos a adrenalina de ganhar em Fiji, sentimos as baforadas de Teahupoo nas costas e batemos Slater na final, e todos abraçamos Alejo agora em Pipe, que foi o “giant killer” super improvável, mais um tempero mega doce para esse título tão sonhado. Pena que sua aparição de anjo do destino não o garantiu na primeira divisão para 2015.
Brazilian Storm agora vai virar Endless Summer, a pressão que tínhamos em quebrar a tão rígida hegemonia se foi. Foi preciso, sim, surfar sempre para marcar os 20 pontos para derrubarmos 38 anos de circuito mundial. Foi mega difícil ser o primeiro país que não tem o inglês como primeiro idioma e ainda termos nítidas dificuldades com isso, a termos culhões para sentarmos nas bancadas ao vivo da ASP e respondermos perguntas complexas e nos sairmos bem dentro e fora da água.
Fomos motivos de chacota, fomos sparrings, fomos assaltados nos julgamentos por diversas vezes e muitas outras atitudes que sempre tentaram achatar o brilho do surf brasileiro. Acabou? Não, não acabou, subimos no degrau mais alto do pódio, mas agora é hora de comemorar. Vamos ver a partir do ano que vem, a repercussão prática do que pode mudar em relação ao profissionalismo todo na subjetividade peculiar do surf. Deixemos em stand by o chororô.
No dia 18, peguei um voo de Salvador para São Paulo, e no banco de trás, três pessoas nitidamente leigas no surf falavam: “E o Medina, hein? Amanhã ele pode ser campeão mundial… Vocês lembram do Teco? Teco o quê mesmo? Padaratz, não é isso? Tinha o Fábio alguma coisa também, esses eram da nossa época”. E o surf tomou proporção enorme, a emissora do plim plim encarregou-se de trazer de volta ao grade público os tempos de “Armação Ilimitada”, “Top Model” e outros grandes sucessos que embalaram gerações passadas.
O país voltou a olhar para o surf, só que agora com status de Senna, de Guga Kuerten. Passamos de life style alternativo para também almofadinhas com o troféu máximo do olimpo do esporte. Carentes de ídolos, os leigos abraçaram o surf como religião. Num país atochado de escândalos de roubalheiras sem fim, economia ruindo, o que o brasileiro acaba resgatando nessas horas, muitas vezes, é o sentimento patriota através do esporte. O que a seleção brasileira de futebol não conseguiu fazer, Medina (claro, numa proporção menos popular em algumas classes sociais) conseguiu resgatar: orgulho de ser brasileiro.
Ainda teremos muitas reportagens, análises e reflexões sobre o feito épico. Só que agora vamos escrever para a tribo do surf raiz, para quem realmente entende e acompanha o assunto: só o verdadeiro surfista sabe o sentimento. Uma tradução de uma frase antiga, mas que para os amantes do esporte, seja competitivo ou não, sabe o que isso representa para nós.
Fanáticos saudáveis, como eu, sentem, se arrepiam, choram e sabem que não estamos diante de um ídolo de plástico. Estamos diante de um ser que pisou em Marte antes de qualquer um. Um feito tão representativo no esporte que merece uma reflexão até do próprio protagonista do fato. Talvez Medina ainda não tenha tido tempo de se dar conta, de mensurar o quão grande isso significa.
Blindado, focado, concentrado e, sobretudo, muito novo, acho que a ficha vai cair mais pra frente, pois além do título, por si só, ele vai sentir que a comunidade surfistica internacional no fundo também estava carente por um novo ídolo. O próprio Slater mencionou em uma de suas tantas entrevistas nos períodos sem onda em Pipe, que o surf está cansado de Mick, Parko e ele próprio e, nada melhor do que essa energia nova, tão alegre como a brasileira, para quebrar essa hegemonia de tantos anos.
Slater, que aliás, foi um cavalheiro em ir na bateria final na cabine de transmissão em português, deixou escapar que é um mortal, dizendo que se importa com os comentários dos “malas” fãs brasileiros que o ficam desrespeitando nas redes sociais, etc e tal. Kelly, meu irmão, você já leu os comentários nos sites gringos o que falam do Medina? Mermão, esses caras são terroristas de fóruns e estão ali só pra tacar pedra na geni. Um cara de 42 anos, um rei do jogo psicológico, ficar “bravinho” e “incomodado” com esse tipo de coisa, sendo um mito do esporte. Ah, para, né, Careca? Com todo respeito, tu caindo nessa historinha é meio que voltar ao reino dos mortais.
Fanning, quem mais incomodava, foi mais uma vítima de Alejo, que, depois de Medina, foi protagonista desse capítulo inesquecível no surf mundial. Da mesma equipe de Gabriel, outro cara mega educado, que sabe perder (como se fosse fácil perder), mas que mantém a linha a serenidade e que sabe bem reconhecer a supremacia quando é superado.
E o que dizer do desenrolar do campeonato? Tem coisas que realmente só pode ser Deus pra comandar mesmo. Final entre Medina e Julian? Mais uma garfada nos instantes finais?
Declaradamente amigos e superados da final fatídica em Portugal, onde Julian foi nitidamente favorecido pelos juízes, seria mais um desfecho para deixar para 2015 um gostinho de cenas do próximo capítulo? Tudo bem, todos dividindo um pouco do bolo e da felicidade num dia de glória para o surf brasileiro. Afinal, deixar a Austrália ou os Estados Unidos sem algum título, seria demais. Mas, estamos de olho.
Realmente foi um show de surf, de Tom Carroll na bateria dos legends, passando por Filipe Toledo mostrando que será mais um que brigará por títulos em todas as condições, pela montanha russa de emoções de Alejo que fez a alegria do amigo, mas perdeu a vaga na primeira divisão.
Só que o momento mais sublime foi quando Medina, eu, você, todo o povo brasileiro ergueu aquela taça. Carentes de ídolos ou não, cada um tem seu motivo para ter essa alegria, quem ama o surf de verdade e sabe o que isso representa, pode sentir-se campeão junto com ele, lutamos, conseguimos, o título é de Medina, a alegria é nossa, Deus também pega onda.
Medina, obrigado, chorei, choramos. O mundo é NOSSO!
