Bom de Bico

Maratona dos pranchões

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Carlos Bahia, Danilo Mulinha, Halley Batista e Alex Leco no pódio do Club Social Longboard Pro em Itapuama (PE). Foto: Alex Leco.

O ano começou quente para o longboard nacional. Nunca na história da modalidade se viu tantos campeonatos num curto espaço de tempo.

 

De 13 de janeiro a 3 de fevereiro, foram quatro seguidos, sendo três valendo pelo ranking brasileiro da Associação Brasileira de Longboard e o outro como etapa de abertura do Longboard Qualyfing Series, homologado pela ASP.

 

A ABL fechou os dois primeiros eventos com a empresa Club Social, iniciando na praia do Futuro, Fortaleza (CE). No Ceará, o forte vento não deu trégua e o que se viu foram condições sofríveis para o surf de longboard, com um mar bastante batido e difícil de distinguir o que era uma ondulação e um simples balanço.

 

Jaime Viúdes passeia rumo ao pódio em Huanchaco, Peru. Foto: Carlos Bahia.

Fundamentos tradicionais, como o footwork e o noseriding, ficaram seriamente comprometidos e por isso foram bastante valorizados quando alguém conseguia realizá-los. Dessa forma, dois nordestinos aproveitaram para se destacar.

 

Geraldo Lemos e Robson Fraga, o “Siri”, mostraram intimidade com as condições e despacharam muitos favoritos, principalmente Geraldinho, que estava em casa e abusou da verticalidade para chegar à decisão contra o Phil Rajzman.

 

O cabra estava arretado, surfando com pressão e arrancando notas altas dos juízes para eliminar Siri em uma das semifinais. Phil me venceu na outra semi, numa disputa bastante acirrada onde nós dois surfamos de forma mais completa, usando tanto a verticalidade como a linha horizontal.

 

Tanto foi assim que Phil acabou virando nos segundos finais com um hang five, emendado por um curto hang ten e outro mais longo, para depois explodir a junção na beira.

 

Na final, Geraldo não encontrou as ondas que lhe levaram até lá e Phil teve mais sorte nas suas escolhas. Com sangue frio e competência, faturou a primeira etapa.

Pernambuco Do Ceará, o circo partiu para Pernambuco, na paradisíaca Itapuama, local que fica bem próximo ao polêmico Porto de Suape, responsável pelo desequilíbrio ambiental que resultou no ataque de tubarões na costa do Recife.

 

Apesar da proximidade, naquela área nunca houve registros de ataques e, apesar do grilo, a galera surfou tranquilamente. As condições das ondas estiveram bem melhores do que na etapa anterior, principalmente pela manhã, antes de o vento entrar.

 

Apesar de pequenas, as ondas estavam limpas, o que facilitou um surf polido, com ênfase nas manobras clássicas. Como perdi nas oitavas, preferi ir embora, pois em dois dias viajaria para o LQS no Peru, então não acompanhei ao vivo o desenrolar do campeonato.

 

Danilo Mulinha venceu Carlos Bahia em uma das semifinais e Halley Batista passou por Alex Leco na outra, numa bateria bem apertada. Vale ressaltar nessa etapa a boa competitividade tanto de Mulinha quanto de Leco.

 

Mula pelo sangue frio em virar os resultados sempre nos minutos finais de todas suas baterias. Já o local de Maresias vem apresentando uma evolução muito boa na parte tática e suas últimas apresentações demonstram isso.

 

Na decisão, o atual campeão brasileiro fez valer a boa fase e virou em cima de Halley, que praticamente surfava em casa, já que é local da vizinha Maracaípe.

Essa etapa também contou com a categoria Feminino Profissional. Atalanta Batista, campeã brasileira de 2011, venceu em casa. A bicampeã brasileira Mainá Tompson ficou em segundo, seguida da paranaense Thiara Mandelli, em terceiro, e Aline Chaves em quarto.

 

Eu não assisti a essa final, mas, pelo que tenho visto ultimamente, parece que os juízes vêm entendendo, principalmente no Feminino, a importância de valorizar uma linha mais polida, com a técnica se sobrepondo à força.

 

Isso estimula um surf mais plástico e preserva elementos tradicionais, embora as manobras de lip e junção sejam fundamentais.

 

Matar baratas e base arreganhada definitivamente não combinam com longboard, principalmente com o surf das meninas. Com essa análise mais crítica no julgamento, a categoria feminina só tem a ganhar e já vem mostrando grande evolução com isso.

Huanchaco Muita gente voou direto para o Peru, sem nem passar em casa, afinal a etapa 6 estrelas do Longboard Qualyfing Series começaria três dias depois. Em sua terceira edição, o Huanchaco Longboard Pro Peru já vem se tornando tradicional no calendário dos longboarders brasileiros.

 

Além da oportunidade de competir em ondas perfeitas, o tratamento da organização, mídia e do povo peruano supera as expectativas. Os atletas são tratados com muito respeito e por isso muitos fazem questão de voltar lá. A cidade de Huanchaco é bastante acolhedora, com preços acessíveis e boa comida. Infelizmente este ano as ondas estiveram pequenas, embora sempre perfeitas.

 

Nos dois últimos dias, o mar ganhou mais pressão e o que se viu um grande show de longboard. Acostumados a competir no formato homem-a-homem no circuito brasileiro, a galera sofreu em baterias de quatro surfistas nas três primeiras fases, principalmente com a demora entre as séries. Muito nego bom perdeu sem poder mostrar o que sabe. Coisas da competição.

 

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Brazucas em festa no Peru. Foto: Divulgação.

A grande jogada era trabalhar rápido e abrir a bateria bem, sem esperar muito pelas séries. Isso significava ter já no começo pelo menos uma nota mediana para não ficar chupando o dedo depois, porque em muitos momentos o oceano simplesmente parava.

A primeira semifinal foi entre dois saquaremenses. O campeão da etapa de 2010, Rodrigo Sphaier, e seu parceiro inseparável de tour, Jeferson da Silva. Uma bateria altamente técnica, com ambos abusando também da tática.

 

Rodrigo vem cada vez mais preciso nas suas apresentações, fruto das experiências acumuladas no WLT. Fez um campeonato impecável até então, com muito estilo, principalmente no noseriding.

Carlos Bahia supera contusão com ótimas performances no início da temporada. Foto: Alex Leco.

 

Jeferson acabou levando a melhor no jogo de xadrez e arrebentou nas ondas que escolheu. Na outra semi, eu enfrentei Piccollo Clemente, local hero de Huanchaco e campeão do ano passado. Nós dois vínhamos muito bem durante todo campeonato, marcando notas altas em todas as baterias, e entramos na semifinal com tática semelhante – tentar abrir a bateria mais para o lado esquerdo, que seria uma onda mais longa – e depois se posicionar mais em frente ao palanque, onde as ondas estavam mais constantes no último dia.

 

Peguei a primeira, abri com um hang ten, mas ela não conectou na seção debaixo. O peruano veio na de trás e conseguiu a conexão. Na volta para o fundo, encontrou uma boa em frente ao palanque e fez um high score. Trabalhei em baixo dele e diminui a diferença, mas sem conseguir reverter a situação.

A final foi um passeio do Jeferson sobre Piccollo. O brasileiro desfilou toda sua técnica com segurança. Mostrou que sabia o que estava fazendo tanto na parte tática quanto na leitura da onda. Amadureceu como competidor e mereceu demais a vitória por ter tido muita personalidade nas baterias mais decisivas, ou seja, na semi e na final.

 

A premiação, como de costume, aconteceu numa grande festa durante a noite e todos os brasileiros foram convidados a subir no palco durante a cerimônia do pódio. Depois da entrega dos troféus, a galera dominou o microfone e, com acompanhamento musical da banda que animava a festa, cantou o hit mais tocado no momento, a música “Ai se eu te pego”, do cantor Michel Teló. Uma cena muito engraçada, inteiramente correspondida pelo público, que mostrou a enorme confraternização que acontece nos campeonatos de longboard.

Noronha Dois dias depois, estávamos embarcando para Fernando de Noronha para a terceira etapa do circuito brasileiro. Um campeonato que tinha tudo para ser histórico, não fosse o flat que assolou a ilha, um fato raro nesta época do ano em Noronha.

 

Valeu o esforço do presidente da ABL, Geraldo Cavalcante, em colocar um evento para a galera lá. Segundo ele, ano que vem estaremos na ilha novamente para a segunda edição do campeonato e a esperança é de que a Cacimba do Padre mostre todo seu potencial para a versatilidade do longboard moderno.

Ondas de no máximo meio metro definiram Picuruta e Adriano Lima na primeira semifinal, com Carlos Bahia e Phil na outra. Picuruta esteve bem durante toda competição e foi bom ver o Gato de novo no pódio, lugar ao qual ele está mais acostumado.

 

Passou por Adriano rumo à final, que também estava bem encaixado nas marolas da Cacimba. Na segunda semi, Phil passou por Bahia, que vinha de recente cirurgia de menisco e acabou sentindo a lesão quando aterrissou de um floater numa onda que tinha potencial de virada.

 

Vale destacar o esforço de Bahia em todos os campeonatos, pois seu objetivo era apenas retirar a lycra de competição e acabou fazendo dois pódios. Na final, o mar deu uma boa melhorada, mostrando um erro da direção de prova ao colocar as baterias na parte da manhã, quando a maré seca dificultou ainda mais o trabalho dos competidores.

 

O erro foi ainda mais intrigante pelo fato de que no dia anterior a organização se preocupou com esse detalhe, iniciando as disputas apenas a partir das 14 horas. Phil achou todas as boas da bateria, deixando o Picuruta com um honroso vice. Fez dois high scores, pegou alguns tubinhos, mandou hang ten, ou seja, venceu sem sombra de dúvidas.

No final do campeonato, o mestre Serapião fez a cerimônia do encontro das águas para encerrar um campeonato que, no final das contas, foi apenas a porta de abertura para o longboard no Hawaii brasileiro. 

A ABL está apenas no seu segundo ano de existência e já vem mostrando um grande trabalho. Através das experiências realizadas, estão sendo analisados os erros e acertos para que as coisas aconteçam da melhor forma possível para os atletas.

 

Um espaçamento maior entre as etapas se viu necessário, uma vez que alguns não tiveram condições financeiras de competir em todos os eventos, ainda mais com um internacional no meio das etapas nacionais. A diretoria, formada por competidores, busca sempre pleitear junto ao presidente, melhores condições para os surfistas.  O uso do sistema de replay, obrigatório em todas as etapas da ABL, vem fazendo grande diferença no julgamento.

 

O evento de Noronha, excepcionalmente, não contou com replay e transmissão ao vivo pelas dificuldades em viabilizar um primeiro evento da entidade na Ilha, fato que foi compreendido pelos competidores. Um quadro-base de juízes também vem sendo formado para melhorar cada vez mais a qualidade das decisões.

 

Além disso, meetings técnicos entre comissão técnica e atletas vem se tornado freqüentes e tem ajudado muito no esclarecimento de questões importantes para avaliação dos critérios de julgamento. 

O circuito está apenas começando, uma vez que temos previsão para mais cinco etapas. Uma das principais metas é emplacar etapas no sul do Brasil. Paraná e Santa Catarina estão na mira. A má notícia fica por conta da saída da Petrobras como patrocinadora do surf brasileiro.

 

Os eventos Petrobras Longboard Classic foram responsáveis diretos por alavancar o longboard nacional e revelar grandes talentos desde 2002, quando teve sua primeira edição na praia da Macumba (RJ). Ainda passou por São Paulo, Bahia e Espírito Santo, com dois eventos anuais.

 

Era o campeonato mais glamoroso e cobiçado pelos competidores, mas os tempos são outros e a ABL foi fundada justamente para suprir a carência de mais campeonatos e acabar com a dependência dos dois eventos anuais da Petrobras.

O surf nacional vive uma crise nunca vista antes, com o calendário da Abrasp e da ASP bastante comprometidos. Na contramão vem o longboard, com um calendário farto, sendo o momento mais importante da modalidade no Brasil.

 

O circuito dá uma pausa até maio, quando teremos mais três campeonatos, sendo um deles homologado pela ASP, mas também através da correria do presidente da ABL. Não vejo a hora de começar tudo de novo. Essa brincadeira está ficando cada vez mais interessante.