Casinha do cachorro

Latida número 1

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Em 1996, Anselmo Cachorrão Venansi já flagrava tudo que acontecia na temporada havaiana. Foto: Arquivo pessoal.

Como toda historia existe um início, meio e fim, tomei a decisão de começar minha coluna contando como o surf apareceu em minha vida, e de que forma tornou-se meu ganha-pão.


Tudo começou por volta de 1983. Na época, eu tinha 13 anos de idade e era um garoto de cidade grande. Vivia em Guarulhos (SP) e praticava o bicicross como a maioria dos garotos da minha geração que vivia em cidade grande.

 

Foi quando, de repente, um novo morador do meu bairro mudou se para perto de casa e logo fez amizade com meu irmão mais velho, que aos 16 anos já andava de skate.

 

Recordo-me que no verão de 1993, o meu irmão Guinho começou a viajar aos finais de semana com seu novo amigo Fernandinho para o Guarujá (SP), e eu ficava chorando para minha mãe só deixar meu irmão ir se eu fosse.

 

Mas infelizmente nada adiantava. Eles partiam todos os finais de semana com as pranchas em cima do rack Stanley amarelo no golzinho preto do Fernandinho. Aquilo era um sonho para um garoto da periferia de São Paulo que quase nunca descia ao litoral.

 

Ver meu irmão com sua própria prancha indo todos os finais de semana surfar era algo que me deixava maluco de vontade de ir junto.

 

Aquilo se transformou num desejo. Era tudo o que eu mais sonhava. Descer com meu irmão mais velho e os amigos para pegar onda. Porém, amargava a vontade de conhecer o Guarujá e o tal do surf que meu irmão não parava de falar.

 

Eu era um pentelho de 13 anos e hoje entendo muito bem que seria mesmo muito chato ter de levar meu irmão mais novo pra ficar com a minha galera uma vez que eu ainda era uma criança.

 

Eis que um belo dia, depois de muita inchação de saco da minha parte, consegui armar uma barca para descer com eles. Porém, com algumas regras. A primeira era que eu não poderia comentar com ninguém sobre nada do que acontecesse, sobretudo com minha mãe. A segunda regra era que eu não poderia encher o saco por nada, senão nunca mais voltaria.

 

Aquilo para mim foi uma alegria tão grande que só acreditei quando o golzinho do Fernandinho chegou à minha casa e eu e o meu irmão prendemos a prancha La Barre toda colorida com uma espécie de teia de aranha pintada no botton.

 

Chegamos ao Guarujá numa das melhores sexta-feira de minha vida. Naquele tempo, o Guarujá era o palco do surf. Lá se respirava surf, a galera sempre marcava presença no calçadão e na sorveteria Brunela à noite.

 

Assim que chegamos, colocamos as malas no apartamento do amigo do meu irmão que ficava na Enseada e saímos direto para Pitangueiras para curtir a night. Nunca mais me esquecerei a sensação de chegar naquele lugar, naquela época áurea.

 

Para quem infelizmente não vivenciou esse período, só tenho a dizer que a maioria dos surfistas que conheço da minha geração, saíram dessa escola de surf.

 

No dia seguinte fomos até a praia de Pitangueiras, e como não havia pranchas para todos tive que ficar na areia esperando o meu irmão cansar. Eu não fazia idéia de que a brincadeira era bem mais difícil do que imaginava.

 

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Decolar com sua bicicleta era um dos passatempos preferidos do fotógrafo na década de 1980. Foto: Arquivo pessoal.

Me lembro como se fosse hoje a primeira vez que fiquei em pé sobre uma prancha. É verdade que só ficava na espuma e não conseguia nem remar. Mas a sensação de ver a água passando rapidamente por baixo dos meus pés foi única.

 

Como surfava nas espumeiras, tinha que desviar dos banhistas, e me lembro de ter atropelado alguns nos dias de mais crowd.

 

Recordo-me também que rolava muita porrada dos locais com os paulistanos. Era sempre a mesma parada. Um moleque colocava uma latinha de cerveja de pé no calçadão e ficava só esperando algum paulistano idiota passar e chutar a latinha pra confusão começar.

 

O moleque ficava sozinho perto da latinha, escoltado de longe por uma galera que esperava o tal idiota chutar a lata para começar a encrenca. Eu morria de medo de apanhar lá no Guarujá, mas graças a Deus nunca aconteceu comigo.

 

Aquela época foi alucinante, escutávamos B52?s, Devo, The Smiths, The Cure, Dead Kennedys. Foi a era do new wave. Época em que pintávamos os tênis Rainha Yate com canetinha colorida. Fazíamos desenhos quadriculados imitando os tênis Vans americanos, que na época só víamos nas revistas de surf importadas.

 

O programa de TV era o Geração 80, e o Armação Ilimitada. Eles traduziam bem a vontade de liberdade que a repressão militar havia deixado nos adolescentes umas duas gerações anteriores à minha.

 

O surf estava em plena ascensão e o filme Garota Dourada veio no momento certo pra fazer a molecada sonhar com o tal surf style.

 

Recordo-me que naquela época estar na moda era vestir-se com calções By Tico, Stanley ou Cyclone, usar camisetas Hang Ten ou Lightning bolt, andar de Caloi 10, ter um skate com rodinhas Powell & Peralta, com shape Hosoi. Além de ter uma carteira e uma calça da OP, um par de tênis Yate quadriculados ou com desenho de ilha com gaivotas.

 

Me lembro também que a gente chamava de boy quem tinha um All Star Converse, e que nada me dava mais medo do que andar sozinho à noite pela rua e encontrar com algum função, nome dado pros ladrõezinhos de tênis da época.

 

Nesse ambiente, eu cresci e me apaixonei pelo surf. Isso me faz lembrar daquela musica, ?que tempo bom que não volta nunca mais?.

 

Foi muito bom enquanto durou. No momento estou curtindo essa nova fase, viajando e vivendo do que eu mais amo, o mar. E como já dizia o Cazuza, o tempo não para.

 

Au-au