Leitura de Onda

Salve Jordy

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Para Tulio Brandão, não há argumento na Terra que sustente uma avaliação abaixo da nota 10 na derradeira onda de Jordy Smith, na bateria em que perdeu para Julian Wilson. Foto: © ASP / Kirstin
 

Mick Fanning venceu em Bells sem surpreender, sem encantar, mas com sua conhecida e incrível capacidade de surfar uma onda irretocável.

A vitória lavou a alma dos australianos – enfim, depois de três etapas, um local venceu em casa. Longe de terras aussies, não consigo imaginar aficionados em surfe exultantes com a celebração de um surfe conhecido, previsível do início ao fim, ainda que cirurgicamente preciso.

A ASP poderia aproveitar o intervalo entre Bells e Rio para estudar detidamente a última onda de Jordy Smith, na bateria em que perdeu para o australiano Julian Wilson. Aquilo é surfe de verdade, aquilo encanta espectadores, provoca reações imprevisíveis mesmo em plateias leigas.

Valorizar devidamente essa performance é salvar os espectadores do tédio.

Jordy precisava de praticamente um dez. Não há argumento na Terra que sustente uma avaliação abaixo da máxima na derradeira onda do sul-africano.  

De outro lado, sobram motivos para a nota máxima: o carving apresentado, com as bordas plenamente enterradas na água, afogadas pela pressão de seu corpo (e não apenas o trecho da prancha correspondente ao pé de trás, como fazem alguns tops); a transição perfeita para um violento tail slide; e a finalização precisa com um aéreo reverse.

Eu trocaria o dez de John John Florence pelo nove e tal de Jordy. Sem medo.

Jordy sabe que um dia vencerá Bells. Ali, é o melhor surfista. Questão de tempo. Mas, enquanto o sino não vem, ele merece aplausos.

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Ainda que surfe muito, Mick Fanning deixa, ainda, uma leve impressão de que vencerá apenas enquanto seus adversários caírem insistentemente da prancha, adotarem estratégias vencidas ou escolherem ondas erradas. Foto: © ASP / Cestari.
 

De volta ao campeonato, Mick foi preciso durante todo o evento. Venceu todas as suas baterias, pontuou alto em várias delas, errou muito pouco. Como sempre. Grande surfista, excelente competidor, atual campeão do mundo, bem avaliado pelos juízes, ele logo percebeu que a linha se encaixava nos critérios de Bells e, a partir das semis, de Winkipop, onde o evento foi finalizado.

Na semi, passou apertado por Julian Wilson. E, na final, fez os 16 e tal necessários  para barrar o muitas vezes insuficiente espírito competitivo de Taj Burrow, que perdeu mesmo com a maior nota da bateria.

Ainda que surfe muito, Fanning deixa, ainda, uma leve impressão de que vencerá apenas enquanto seus adversários caírem insistentemente da prancha, adotarem estratégias vencidas ou escolherem ondas erradas.

Gabriel Medina não conseguiu encontrar um bom ritmo num evento liderado por surfistas regulares. O último goofy, Owen Wright, caiu nas quartas. O resultado só ressalta o feito de Occy, o último surfista de base canhota a vencer naquelas águas, em 1998. É um monstro.

O líder brasileiro, no entanto, teve a sorte dos campeões, ao ver seus adversários diretos na luta pelo topo caírem, um a um, para surfistas mal ranqueados. Chega ao Rio na ponta, apesar da aparentemente insuficiente nona posição em Bells.

Medina tem que fazer valer seu jogo em casa e esquecer a pressão exacerbada da liderança. É um garoto talentoso, um competidor duro, que costuma atropelar sem dó as velhas estrelas do tour. Basta seguir sua vocação natural para a vitória.

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Faz algum tempo, Adriano de Souza está numa seleta lista dos melhores surfistas de Bells Beach, liderada por Jordy Smith. Foto: © ASP / Cestari
 

Adriano de Souza não realizou o sonho de defender o título em mais uma final, mas fez mais um ótimo evento. Surfou tão bem quanto competiu – a tática perfeita no round 5 contra Gabriel Medina é digna de cartilha de competição.

Nas quartas, a exceção: estava mais encaixado à onda de Bells que Taj Burrow, mas cometeu um erro fatal de escolha de ondas.

Mineiro pode voltar a ganhar em Bells. Faz algum tempo, está numa seleta lista dos melhores surfistas daquela onda, liderada por Jordy Smith. A cada ano que passa, seus arcos em carving ficam mais potentes e elaborados.  

Filipe Toledo surfou bem, mas, em Bells, sua linha progressiva não foi tão valorizada. Perdeu para o surfe maduro de Adriano com uma performance moderna e vibrante, mas menos afeita àquela onda.

Agora, a parada é no Rio. Os brasileiros – dentro e fora da água – têm que fazer valer o favoritismo. Sim, em casa, Medina, Adriano e companhia são as estrelas.

Após três etapas, a corrida pelo título está aberta, e o país está dentro dela. 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".