Leitura de Onda

Heroínas

0

 

Stephanie Gilmore, uma heroína do esporte. Foto: Rildo Iaponã.

Stephanie Louise Gilmore sempre me chamou atenção. Como se não bastasse a beleza de suas curvas, retratada num ensaio recente para a ESPN, a australiana desenha arcos tão suaves na onda que eu ratifico o que muitos já disseram: cabe nos dedos de uma mão o número de homens com um surfe mais equilibrado que o dela. 

 

 

O que me admira e surpreende é que Steph – peço licença para tratá-la com intimidade – faz mais que lembrar as suaves curvas impressionistas desenhadas na água pelo conterrâneo Joel Parkinson.

 

Ela vai além, perigosamente além: é dona de uma fúria competitiva inevitavelmente comparada à de Kelly Slater. E digo, sem medo, que isso é assustador porque nem ele, que

Silvana Lima só volta a competir no ano que vem. Foto: Tony D’Andrea.

é o cara, reuniu as duas qualidades tão destacadas.

 

 

Numa fatídica noite de dezembro de 2010, Steph foi atacada por um assaltante com uma barra de ferro e fraturou o pulso, além de sofrer cortes por todo o corpo. Um trauma que faria muita gente apertar no freio, criar fobias, essas coisas. Não ela. 

 

Pois Steph passou o ano passado se recuperando e, na entrega do troféu de campeã mundial à Carissa Moore, disse que o emprestaria a ela por um tempo, mas iria recuperá-lo. Falou com uma certeza tão desconcertante que intimidou as adversárias.

 

Bom, a temporada de 2012 começou, e Steph atropelou uma a uma, para disparar na liderança do circuito. A pressão que ela impôs me lembrou uma declaração de uma triatleta, campeã mundial, sobre estratégia: “Se você quiser ultrapassar alguém, não passe devagar. Atropele, faça-o se sentir psicologicamente derrotado pela diferença de velocidade.”

 

 

Em cinco etapas, Steph venceu duas, foi vice em uma e ficou em quinto noutra. Nada mal para quem já foi tetracampeã mundial e está louca para recuperar o reinado. Terá pela frente a nova geração do esporte – nomes como Tyler Wright e Laura Enever. Agora, é hora de ver a sua capacidade de ser imune ao tempo, como vem sendo o seu espelho competitivo, Slater.

 

Silvana Lima Santiago da Silva veio de um mundo diferente, o Ceará. Lembro até hoje de um amigo comentando depois de voltar de uma temporada de surf no Nordeste: “Tinha uma menina em Paracuru quebrando, surfando mais que todos os homens dentro d´água, mesmo com uma prancha horrorosa.”

 

Meses depois, eu soube que o shaper Udo Bastos trouxe a pequena notável, filha da dona do quiosque da praia, para a sua base de treinos no Rio. Dali para os títulos e, depois, para a vaga na elite foi um pulo. Era muito talento e verticalidade concentrados numa menina só.

 

Silvana chegou ao World Tour como um diamante bruto. Venceria logo a primeira etapa, em Snapper Rocks, não fosse um erro tático. Aos poucos, foi lapidando o surfe como quem ajusta um discurso, uma mensagem, a um propósito. Para ela, era mais fácil: teria apenas que editar, cortar, em vez de adicionar. É muito mais fácil eliminar excessos que criar o talento. 

 

Mas, no meio do caminho, tinha um corpo. Nas últimas duas temporadas, a pequena heroína Sil – também peço licença para usar o apelido – vem lutando contra sucessivas contusões. A última, no joelho, rendeu-lhe uma cirurgia e a ausência na temporada de 2012. Mas grandes figuras ressurgem, renascem, sempre. Silvana vai brigar pelo título em 2013.

 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.

 

 


 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".