Espêice Fia

Frutos de um mar clássico

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Ondas clássicas no quintal de casa não têm preço. Foto: James Thisted.

Tenho sono leve. Profundo só mesmo quando o cansaço é grande. E quer melhor que cansaço depois de uma sessão de surf clássica?

Nos dias de hoje, três horas e meia de queda já é mais que o bastante. A cabeça ainda aguentaria bem mais, mas é bom tomar cuidado com a carcaça de 4.3 (43 anos).

Ótimas ondas já no dia anterior. Surf pela manhã e trabalho com shapes à tarde, evitando a caída naquele final de tarde justamente para estar com mais energia na manhã seguinte, ou seja, nesta manhã de hoje.

Linhas clássicas entram no cenário paradisíaco. Este era um surf de que tanto falo, surf de US$ 3 mil por um simples “di grátis”. Ondas fortes e tubulares. Vejo Peterson Rosa esticando-se para alguns tubos. Mais além, meu filho Igor, que também já havia surfado alguns tubos, lhe dá um abraço.

O Bronco viu o meleque pequeno, foi um dos amigos que gastou energia brincando com ele nas áreas dos campeonatos em volta do globo. Como é bom ver isso. O tempo passa rápido, ainda bem que aproveitamos e ainda aproveita.

Na série seguinte Gustavo Santos entuba uma, duas, sei lá quantas vezes na mesma onda. Só o vi passando batido para sair lá embaixo. Um surfista que eu não conhecia comentou: “poxa, o carinha ali fez a mala.” E eu disse: ”é meu querido, aquele ali conhece!”.

Outro brother vem em uma quadriquilha pequenina acelerando. Um bodyboarder rema ligeiramente em sua frente e esmigalha um pouco o lip. A frustação acontece, mas se o bicho tivesse dado a última acelerada, acho que possívelmente teria passado por dentro do canudo triangular que se formara em sua frente.

Tudo é fração de segundos. E segundos podem rolar para os dois lados, o bom e o ruim. Vi alguns wipeouts violentos. Fração atrasada e madeeeeeeeeeeeeeeira! Vi uns caras despencando e dando cambalhotas que nem pererecas em estrela. Algumas pranchas quebradas, mas tudo era válido, pois estava clássico.

Néu de Franceschi se aproxima com a correnteza e diz estar de saída: “Poxa bicho, estou desde cedo e já bem cansado”, relata o excelente shaper. Aproveito para pegar uma dicas em laminação de epóxi, pois depois que saísse dali, iria arriscar “encapar” um SUP que havia feito na tarde anterior.

Cassio Sanches aparece com um modelo retrô todo marrom. Bonita prancha. Linda também para o dia. Ricardo Wendhausen acelera em uma parede “zique-zagueando”. Lhe vi posicionado para um triângulo, no entanto não vi o desfecho, pois pulei para série seguinte.

Dropei atrasado, entubei fundo e saí no bafo. Nossa, essa valeu a caída. Escorreguei mais pra baixo do line-up e vejo um nativo em uma prancha amarela totalmente old school em seu style. A cena era “cool”, típica em ondas down the line. Bodyboarders entubavam fundo. Jorge Baggio pegou os seus. Aliás, ”deep in the barrel”  é com ele mesmo.

Binho Nunes se apresenta. No dia anterior haviamos marcado de nos encontrarmos cedo. Legião Urbana cover bombou na noite anterior. Não faz mal, chegou um pouco tarde, mas no momento certo para outra sessão da onda, que é a mais espetacular. Binho relatou sobre a potência de uma onda e Cristiano Guimarães concordou depois que ele tentou dropar uma esquerda que, de meio metro, dobrou. A bicha ficou quadrada! Uma cavalice.

Cada vez mais triângulos potentes marchavam. Consegui pegar minha melhor onda. Sou pequeno, mas o lip ficou bem acima de meu cucuruto. A saída no spray ardeu nas orelhas. Já sem remada, proveniente do cansaço, perdi duas ondas lindas.

Um bodyboarder foi e voltou em ecstazy depois de tubo também profundo. Na beira da praia, gente aproveitando o sol que até aquele momento estava brilhando. Com o vento Sul entrando e estragando parcialmente as condições do surf, uma turma já esperava com os kites. Era a troca do turno.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.