Espêice Fia

Fissura em Paracuru

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Fábio Gouveia realiza sonho de infância e dropa as ondas de Paracuru. Foto: Arquivo Pessoal.

Cearense Dunga Neto (à dir.) é o guia da viagem. Foto: Arquivo Pessoal.

Quando fui para Fortaleza (CE) disputar o Brasileiro Masters há duas semanas, a primeira coisa que pensei antes de embarcar foi em viajar dois dias antes do evento para fazer um bate-e-volta até Paracuru.

 

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Este lugar faz parte dos meus sonhos desde moleque, quando o primeiro exemplar da revista Fluir foi às bancas. Não me lembro ao certo, mas a matéria trazia fotos (by Motaury Porto ou Bruno Alves) de uma direita na qual um surfista (talvez o Kadinho) estava ligeiramente encoberto por um lip onde a luz do sol deixava aquele tom de “back light”.

Os anos se passaram, fui várias vezes para Icaraí e para a praia do Futuro competir em eventos nacionais e nunca havia visitado Paracuru. Desta vez não poderia deixar passar, a primeira coisa que me veio em mente foi ligar para o fissurado surfista cearense Dunga Neto.

Fiquei muito grato quando Dunga abdicou de um evento no Rio de Janeiro para nos dar aquela “ciceroneada” pelas praias do litoral Norte de seu estado que são algumas das mais belas do Brasil.

Claro que minha saudade nordestina estava à flor da pele, desde quando despertei, às 5 horas da matina naquele dia. Sol nascendo e terral forte. As marolas de meio metrão pouco tiravam minha animação quando Dunga chegou ao nosso encontro e disse: “Fia, vamos lá, mas tá marola. No meio do caminho a gente olha alguns picos, deve ter uma valinha melhor até chegar a Paracuru”.

Relatei pro Dunga que não teria o mínimo problema, nem que apenas descesse uma onda reto, já valeria a pena. Saímos de Fortaleza e paramos na praia de Icaraí para pegar um amigo de Dunga que ia nos acompanhar.

 

A valinha estava bem interessante, com o fundo excelente. Ondas lisinhas, bem próximas à beira, corriam para aumentar minha ânsia. Quase dou a pilha pra cairmos ali quando Dunga mais uma vez relatou: “Fia, você precisava ter visto no começo da semana, tinham altos tubos aqui!”.

O amigo do Dunga entrou no carro e fui apresentado: “Esse aqui é Babi-Bamboo!”.  Uma de minhas sobrancelhas subiu, porém logo vi do que se tratava. O cara iria nos filmar e seu tripé era um pedaço de bambu. Na mesma hora pensei que mais vale um na mão do que dois voando. Comédia!  Zoações à parte, a engenhoca tinha até cabeça hidráulica!

Brinque! Em uma das extremidades, havia uma roda de carrinho de rolimã coberta por uma tampa de cano PVC com uma borracha em cima. Ele foi logo avisando: “Sem isso não consigo filmar”. As gargalhadas aconteciam na medida em que passávamos pela belíssima praia do Cumbuco.

 

A quantidade de empreendimentos ali era curiosa, pois o velejo do kite vem impulsionando cada vez mais o lugar. Altas pousadas e complexos surgem nas proximidades. Depois de uma obra na estrada de barro, caímos rumo a Taíba pela beira da praia. Passamos a região do Pecém e víamos altas valinhas no caminho, enquanto o porto ficava ao fundo.

 

O visual que eu tinha no final da baía era parecido com aquele das fotos de ondas entrando na Namíbia. Várias esquerdas sequenciais, dunas e visual paradisíaco, até chegarmos a uma bancada de coral denominada Morro do Chapéu.

 

Ondas com meio metrão, porém bem lisinhas. “Parece um mini-Trestles”. Brinquei, com essa minha mania de querer achar lugares parecidos com outros. Ao entrar na água, fiquei até mais convicto quanto aquilo, pois no começo da semana, com ondas maiores, devia estar parecido mesmo.

O começo da onda estava cavado e proporcionava uma ou duas manobras no pocket, caso dropássemos no lugar exato que, aliás, era por trás do pico, já que a onda vinha meio que em forma triangular. Depois ela engordava e uns dois cutbacks podiam ser executados até a junção, que melhor estava nas direitas.

 

Minha esposa nos filmava quando, depois de várias ondas, decidi pegar minha Go Pro para filmar algumas de dentro da água. Foi a vez de Elka relembrar seus bons tempos de bodyboarder na Taíba, onde venceu alguns eventos no final da década de 80. Por mais que eu procure deixar tudo correto, acho que o botão do power da máquina – que estava dentro da mochila – foi acionado durante a viagem, pois havia deixado a bateria carregada na noite anterior (certeza). Botei os pés-de-pato e quando filmei duas ondas, já era, bateria morreu.

Voltei para o surf e ficamos lá ainda por um bom tempo, eu, Elka e Dunga. Quando as séries vinham, dividíamos. Um para a direita, outro pra esquerda, e quem sobrasse vinha na onda de trás. Altas ondinhas, com solzão, terral e água clara. Esse era o aspecto do final da temporada de boas ondas do litoral cearense.

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Cenário paradisíaco de Paracuru. Foto: Arquivo Pessoal.

Elka Gouveia aproveita a viagem e tira o bodyboard da garagem. Foto: Arquivo Pessoal.

Uma breve brisa de maral entrava próximo ao final da manhã quando um surfista local veio ao nosso encontro. Era o bodyboarder “xará”. Mas Fabio estava de prancha também, e surfando muito.

 

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Ao me apresentar, ele mandou: “Mano, tu não se lembra de mim? Te conheci no Aragua, centro de treinamento do Netão lá na praia Mole (SC)! Passei um tempo lá treinando e surfamos um dia juntos”.

Pouco tempo depois, já com bastante fome e pele queimando do sol escaldante, eu disse: “Morando no Sul, acho que estou desacostumado. Vamos pro rango, galera?”.

 

Enquanto Dunga tirava as quilhas de sua prancha para acomodar na traseira de seu 4×4, eu disse: “Dunga, bota essa ‘bixiga’ aí com quilha mesmo!”. Ele, em meio a risadas, indagou: “Cabe não Fia!”. “Cabe sim, Dunga! Vamos apostar uma tapioca como cabe?”.

Falei ainda: “Eu tenho três filhos e sou expert em arrumação! Tu só tem um, começou agora (muitas risadas)!”. Empurra daqui, puxa dali e pronto, encaixou tudo! “Olhe aí, tá vendo, Dunga? Coube tudo! Tá me devendo uma tapioca (risadas)!”.

“Ei Fia, faltou o cajado, referindo-se ao ‘monopé’ de bambu do amigo. Ao pegar a invenção do videomaker, já fui logo perguntando: “quer vender, quer trocar? Estou precisando de um desse pra meu programa, o ‘Rái êite 100 tripe’ (risos)!”. Ele respondeu: “Meu irmão, troco não, quero não!”.

 

Êita, tá que nem aquela música: “Vou não, posso não quero não, minha ‘mulé’ não deixa não”. Foram muitas risadas e Babi-Bamboo disse: “Minha mulher deixa sim, mas a música é: ‘vendo não, quero não’… E só sei filmar com isso, não troco por nenhum tripé de última geração (risos)”.

Quando saímos pela areia, vi o Fabio surfando uma boa esquerda. Caramba, o cara surfa bem no bodyboard e de prancha! É o Kainoa Mcgee cearense!

Antes de chegarmos a Paracuru, paramos em um pequeno restaurante de beira de estrada: “Tem peixe?”. “Tem não, mas o comercial de frango frito está um delícia!”. E não é que estava mesmo?

 

Acompanhado pelo refrigerante de caju…Refrigerante de caju?! Nunca tinha tomado. Mas de caju só vi o nome, pois parecia mais uma “Inca Cola peruana”. De sobremesa uma fruta típica, cajá! E o melhor, tirado do pé de um sítio que o Dunga possui, logo ali próximo. Cafezinho, pra fazer a digestão e nos deixar espertos, e chegamos a Paracuru às 2 horas da tarde, com a maré quase cheia. Horário perfeito.

Uns dois nativos surfavam quando paramos o carro e vimos as pequenas direitas entrando na bancada. “Fia, tá fraco, mas da pra pegar algumas”. “O quê? Ôche, vou pra dentro da água agora mesmo! Trouxe uma ‘rapadura aquática’, biquilha, que vai correr aí nessa seção e vai passar tudo”. Imaginava que por estar marola e pelo horário pós-almoço, o pico não iria craudear, mas foi só nós entrarmos na água que um monte de moleque também entrou.

Mesmo assim, a galera super gente fina, me liberou algumas ondas. Observei um surfista com características do Fabio Silva que, aliás, há um monte em todo o estado. E por falar em Silva, outro dia o encontrei aqui em Floripa e o mesmo relatou que estava indo morar de novo no Nordeste.

 

Maracaípe, talvez praia do Francês. Para mim, todos os lugares são especiais, mas disse: “Jagunço, se eu fosse tu, ia era pra tua terra natal, pois ali é demais!”.

PS: Passar no Ceará e visitar o artesanato da região vale a pena. Muita coisa com ótimos preços, castanhas deliciosas, etc. Visitamos o Mercado Público em Fortaleza e também foi um ótimo passeio.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.