Surf & Aventura

Dois gênios, mesma atitude

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Gerry Lopez viveu os dois mundos do surfe: o clássico, puro, dos anos 50 e 60, e depois o inicio das competições. Foto: Divulgação.

 

No dia 7 de novembro, o grande Gerry Lopez completa 69 anos. Lopez foi o maior de todos os surfistas.

Duke Kahanamoku foi grande, lendário, transformou o surfe na virada do século XIX para o XX. Ele espalhou o surfe mundo afora. Mas nos tempos de Duke não havia o surfe maravilhoso de manobras e tubos, quilhas e shapes sofisticados. Nem havia material sintético, poliuretano, resinas e tudo mais. Ficava difícil surfar com habilidade. Duke e sua patrulha do mar foram grandes, maravilhosos, mas por falta de tecnologia não puderam ir mais longe.

Kelly Slater foi o máximo. Como competidor foi o maior. Ninguém ganhou tantos títulos do CT. Nem chegaram perto. São muito difíceis esses mundiais que giram em torno de circuitos anuais. Não é como Copa do Mundo de futebol, por exemplo, onde é um título a cada quatro anos, e é possível treinar e se preparar com competência.

Nos mundiais esportivos de circuitos, eu diria que o italiano Giacomo Agostini foi o maior de todos, pois foi campeão mundial oito vezes nas 500cc e sete vezes na 350cc. Quinze títulos mundiais! Michael Schumacher venceu a Fórmula 1 por sete vezes. E ainda tem Roger Federer e Rafael Nadal, que disputam os maiores feitos no tênis.

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Gerry Lopez, o maior mito de Pipeline. Foto: Reprodução.

Kelly Slater é o máximo porque ele não disputou e venceu os mundiais contra “Zé Manés”. Ele foi fundo, bateu tops do surfe com categoria, disciplina e talento natural. Melhor ainda, Kelly Slater tem aquela competitividade que poucos possuem no esporte, que na hora do vamos ver, é a diferença entre o primeiro e o segundo lugar numa etapa do circuito da ASP ou da atual WSL.

É só procurar no YouTube e ver como ele enfrentava Andy Irons. Ganhava e perdia, mas como grande competidor que era, não deixava se abater depois de uma derrota para o havaiano. Kelly juntava aquela energia da perda do título e a transformava em energia boa a ser usada contra os futuros adversários. Isso é competir.

Gerry Lopez é o maior por várias razões. No final dos anos 90 eu fiz e produzi um documentário sobre os 50 anos dele. Lopez falou de tudo, como é o surfe, o motivo do surfe ser esse esporte encantador que hipnotiza as pessoas, atrai como abelha nas flores, e ainda promove essa comunidade internacional de adeptos do caminhar sobre as águas em grande estilo.

Lopez viveu os dois mundos do surfe – aquele clássico, puro, dos anos 50, 60, de apenas curtição em Ala Moana, onde entubava sem parar, e depois o surfe no inicio das competições mais rigorosas. Para quem não sabe, ele foi campeão estadual de surfe do Havaí aos 14 anos, derrotando qualquer lenda da época de qualquer idade. Não é fácil, estamos falando de Havaí.

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Gerry Lopez e Kelly Slater, dois dos maiores nomes do esporte, lado a lado no Surf Ranch, piscina de ondas criada por Kelly. Foto: Divulgação / WSL.

 

No documentário do cinquentenário do Lopez, ele comenta com emoção e quase lágrimas nos olhos que um dia iria sufar Pipeline, ainda inatingível em meados dos anos 60 para os surfistas. Não havia equipamento para isso. E um belo dia, apesar da repreensão dos mais velhos, Lopez com 18 anos dropou e entubou em Pipe, com aquele estilo maroto dele, belíssimo, braços soltos, tranquilo, muito zen dentro do tubo, como se estivesse andando na calçada da Kamehameha.

O público presente deve ter ficado extasiado e uma nova fase foi iniciada no surfe – “eu tenho que surfar como o Gerry”. Nos precários mundiais da época, Lopez se destacava e foi vencedor em Pipe em 1972 e 1973.

Dizem que quando ele migrou de Ala Moana para o North Shore, já havia um ou outro surfista que dropava Pipe. Não é verdade, ele dizia. O que acontecia era que tentavam, ficavam lá fora se divertindo.

O legal mesmo foi quando Lopez passou a shapear pranchas. E a patrocinar os surfistas que apareciam com potencial. Sim, o patrocínio começou com ele e suas pranchas Lightning Bolt Jag. Eram caríssimas, todo mundo queria uma. Gerry ganhou dinheiro, mas ajudou muito surfista a disputar campeonatos patrocinando-os com um quiver da Lightning Bolt.

Lopez fez muito pelo surfe. Explicou para gerações a maneira educada de se portar nos diferentes picos, como se relacionar com os amigos, como levar uma vida saudável e surfar mundo afora. Foi um dos pioneiros na Indonésia. Recomendo que leiam o livro do Gerry Lopez – Surf Is Where You Find It.

Hoje, Gerry Lopez mora mais tempo no Oregon do que em Maui. Lá no continente, nas montanhas geladas, ele surfa outro tipo de água, a neve, com suas pranchas de snowboard. E se diverte muito com seu filho Alex. Eu perguntei para ele a razão de se mudar para o Oregon, Lopez respondeu “o surfe ainda é minha paixão, mas o crowd e a dificuldade para pegar ondas me desanimaram. A paz que encontro nas montanhas é o que necessito.”. Gênio. Pode se colocar Gerry Lopez ao lado de Pelé, Muhammad Ali, Michael Jordan, Michael Phelps.

Mas eu falei isso tudo por causa da humildade e genialidade também de Kelly Slater que tem um coração maior que as ondas de Jaws. Kelly construiu uma monstruosa piscina de ondas e, como regular, primeiro inaugurou as direitas do local.

E há um mês, as máquinas passaram a bombar esquerdas. Slater, muito gente fina, em reconhecimento ao maior de todos, escolheu o grandioso Gerry Lopez para inaugurar essas esquerdas tubulares da Vila do Surfe de Kelly Slater (confira no vídeo abaixo). Dois gênios, dois caras legais. Foi um gesto espetacular. Não passou despercebido.

Notas

– Uma pena. Doeu muito a derrota do Gabriel Medina logo na terceira fase de Trestles. Puxa vida, eu esperava mais dele, depois dois grandes resultados na Europa para ira ao Hawaii com chances de faturar um mundial. Fico feliz pelo Jadson que achou melhores ondas e mereceu.

– Jordy Smith anda surfando como campeão mundial. JJ Florence é o mais próximo concorrente dele. Ambos estão destruindo na California.

– O Brasil é sensacional no surfe. Os talentos aparecem todos os anos. O QS, segunda divisão do surfe mundial, no começo do ano nos trouxe a grata surpresa de Jessé Mendes estourar e ganhar duas etapas tops e já garantir seu lugar na elite em 2018.

– Agora, no final do ano, foi a vez do Yago Dora. Ele já tinha mostrado o seu surfe no Rio de Janeiro, quando foi convidado e eliminou gente boa, chegando pertinho da final. Yago venceu bem nos Açores e também já garantiu o lugar na elite.

– Na minha última coluna eu criei uma enorme polêmica sobre o que é competitividade. Que falta ainda aquele algo mais para os surfistas nacionais em termos de competição. Eles possuem talento, habilidade, mas competitividade é outra coisa. Aos poucos vamos aprender. E aí vamos dominar por anos o mundo do surfe.

Obrigado pelos comentários e pelas porradas que levei. O debate é isso mesmo, ninguém é dono da verdade. Como eu disse, sou veterano de cobertura de olimpíadas e sei o que é um competidor nato. E no surfe, ajudei, ao lado do Roberto Perdigão a inventar o circuito brasileiro de surf profissional, criei a Abrasp e entendo do assunto. Fiquem tranquilos, mais polêmicas virão por aí. E vocês leitores podem descer o pau ou elogiar à vontade.

Alex Gutenberg
Nos anos 80, foi diretor de redação da Fluir, autor do livro “A História do Surf no Brasil" e um dos fundadores da ABRASP.