Torcedor Fanático

Companhia aérea ilimitada

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Gabriel Medina tem deixado o mundo do surf de cabeça virada. Foto: Ted Grambeau.

Acho uma tremenda chatice esse papo de Kelly Slater nas redes sociais. Abro qualquer revista de fofoca e parece que leio as mesmas coisas.

 

A real é que Kelly precisa ser comparado a Pelé mais uma vez: um mestre com a prancha nos pés, mas às vezes trapalhão com as palavras e algumas atitudes fora das "quatro linhas".

 

O filho do Tio Sam esforçou-se bastante durante a carreira para parecer normal, não um ser arrogante e preconceituoso que não sabe que Buenos Aires não é a capital do Brasil. Mas convenhamos que, vez ou outra, ele deixa escapar que não é a exceção à regra.

 

Quando sua máscara cai, Kelly dispara verbetes mais ásperos. Todo mundo sente-se traído pelo rei, normal, afinal quem é súdito não gosta de ver o rei de calças curtas – as súditas até podem gostar, com o perdão machista da piada.

 

Dentro da água ele até consegue abrir o tempo que estava nublado, alisar o mar antes mexido, tirar tubo onde só se viam aéreos e ainda trazer uns golfinhos para baterem um papo com ele na bateria. Se alguém viu a bateria de Slater contra Taj Burrow no US Open em Huntington Beach, Califórnia, sabe do que estou falando. Foi algo realmente mágico e que faz do sujeito um ser especial.

 

Bom, para fechar o parêntesis do azedinho Careca, quem faz com que eu perca o restante dos meus cabelos é o Gabriel Medina. Como um Peter Pan voador, ele estraçalha as ondas por cima, por baixo, de back, de front, vacando, seja como for!

 

É enorme a vantagem que ele leva em condições onde o surf progressivo é possível. Claro que dá para ver muita coisa ainda para ser retocada, mas Medina surfa para cima, com projeção acima da média, aliás, com projeção singular, onde só os tops dos tops conseguem produzir uma velocidade sem aquele desespero parecido com um cavalo de turfe nos metros finais.

 

É verdade, mas o brasileiro é bom demais nas merrecas. Normalmente somos baixos, leves e nosso quintal é medíocre na maior parte do ano. Talvez por Medina ter surfado muito em Maresias (SP), tenha uma pequena vantagem nesse ponto. Mas o dom que tem esse garoto não é daqueles que treinador vai precisar ficar passando vídeo, corrigindo quadril, posicionamento. Vai precisar só aprimorar as técnicas de bateria, rodar o mundo com aéreos em ondas grandes e lisas, entubar fundo e com estilo e, quem sabe, trocando de base.

 

E digo isso também dos extraterrestres juniores Miguel Pupo, Jessé Mendes, Filipe Toledo, Ian Gouveia, Caio Ibelli e companhia aérea limitada. Hoje é Medina que está nessa evidência máxima, mas o resto dessa galera vai vir junto e com muita força.

 

A divisão de acesso do circuito mundial parece que foi feita sob ‘medina’, ops, sob medida, para nossos atletas chegarem ao Dream Tour. Se o Careca não está contente com algumas ondas de médio calibre, tudo bem, ele sempre vai fazer falta, mas então deixa de cornetar e vai para Fiji quieto, vamos adorar ver os vídeos depois.

 

Outro “probleminha” é essa guerra da mídia. Ficamos tão antenados com o que dizem os sites e revistas gringos, que quando algum jornalista lá de fora fala bem dos nossos atletas, já o carregamos no colo, desenrolamos o tapete vermelho e achamos que parte da luta está vencida. Calma lá galera, o buraco é bem mais embaixo.

 

Nossas ondas são ruins, nosso idioma nativo não é o inglês, nós consumimos os produtos deles e nos pódios normalmente olhamos de baixo para cima. Sempre estivemos em uma posição confortável para eles. Somos aquele amiguinho mais pobre, com cara de maloqueiro, que você brinca na rua, mas sabe que se você levá-lo para um jantar em casa sua mãe pode achar que ele não é um bom elemento só por ter tido menos condição do que você (visão horrível, mas acontece).

 

Quando esse papo começa a querer mudar, eles realmente se sentem incomodados e começam a guerra psicológica. Se começarmos a ficar no alto do pódio e desenrolar bem o inglês, é sinal de alerta. A quebra da hegemonia antigamente vinha em doses esparsas, mas ao olhar a grade das quartas-de-final e ver que mais da metade deles são atletas brasileiros, dentro da casa deles, dentro do palco deles, é a constatação de que o menininho pobreta está estudando forte e está em umas de bater realmente de frente com toda a cena armada por muitas décadas.

 

Então, nada contra os créditos positivos quando um jornalista gringo ou algum atleta de renome internacional falar bem de nosso esquadrão, mas temos que ter o discernimento de que ser óbvio e realista já devia fazer parte do cardápio de boas maneiras deles faz tempo.

 

Tapinha nas costas e chute no traseiro, estamos calejados!