Muitas águas

Clone da primeira prancha

0

Mark Jackola exibe um shape de madeira balsa em foto enviada do Hawaii especialmente para o artigo de Motaury. Foto: Arquivo pessoal.

Muitas vezes os encontros mais inesperados em nossas vidas acontecem também nos locais mais surpreendentes.

 

Há alguns anos, quando eu ainda morava na Lagoa da Conceição, em Floripa, numa de minhas idas ao correio, curioso como sou e chegado a uma boa conversa, enquanto a fila lentamente andava, acabei notando no envelope do sujeito à minha frente e que dizia o nome do destinatário.

 

Para minha surpresa, que realmente me deixou perplexo, o nome era Mark Jackola!!!

 

Cara, não acreditei! Não se encontram Mark Jackolas por aí em qualquer fila. Se aquele sujeito à minha frente fosse mesmo o Mark Jackola que conheci, seria absolutamente impressionante encontrá-lo depois de mais de 20 anos.

 

Mark foi o shaper de minha primeira prancha de fibra de vidro, minha querida Lightning Bolt, com direito ao raio e tudo mais!

 

Sim, como não me lembrar de um cara bigodudo, cabeludo, com cara e sotaque de gringo, que juntamente com seu amigo e parceiro Thyola, pegaram os detalhes no dia da encomenda da minha primeira monoquilha? Isto em dezembro de 1976, quando encomendei a dita cuja!

 

Tem certas ocaiões que nos acompanham por toda a vida, e a encomenda de minha prancha foi uma delas.

O nome dele estava grafado em minha prancha, ao lado da longarina: Jackola; Mark Jackola.

 

Comecei a olhar discretamente para o cara na minha frente e não é que parecia mesmo o Jackola? Só faltava o bigodão!

 

Na dúvida, resolvi arriscar e até a pagar um mico na frente de todo mundo na fila caso me enganasse, mas cutuquei o ombro do suposto Jackola e falei logo assim: “Ué, onde foi parar seu bigode, Jackola?”.

 

Ele olhou para mim, sorrindo, e com um ar de interrogação tipo: “de onde conheço este ?folgado?”. Para facilitar as coisas pra ele, fui logo emendando. “Cara, não acredito, se você for mesmo o Mark Jackola, você foi o shaper da minha primeira prancha, uma Lightning Bolt monoquilha, de fundo azul, com borda de filete vermelho e branco em cima. Ah, e com o raio vermelho de cima a baixo!”. Muito calmo e surpreso, ele ficou olhando minha euforia. Quando abriu a boca, o sotaque o entregou.

 

“Sou eu mesmo, como você se chama?”, disse ele com seu ?gringanês? típico como em 76. Não havia dúvidas, eu estava diante de um dos mestres dos poliuretanos, Mr. Mark Jackola!!!

 

A querida Lightning Bolt me acompanhou por anos a fio, levou-me por cima de muitas águas e abaixo delas também, aprendendo a arte de deslizar sobre as ondas.

 

Como todos sabemos, a escolha da prancha ideal faz toda a diferença no surf. E o shaper é uma peça fundamental neste processo.

 

Não sei quem foi seu shaper ou sua primeira prancha, mas posso garantir que deve estar bem fresco em sua memória sua primeira prancha, nova ou usada, nacional ou importada, fabricada na década de 1970 ou nos anos 2000.

 

Elas, nossas pranchas, são o elo entre nós e as ondas e devemos aos shapers, glassers, lixadores, air brushers e toda mão que tocou para produzir nossos queridos ?foguetes?, inclusive a loja e o vendedor, todo respeito e consideração!

 

Mark ainda ficou morando um bom tempo em Floripa, na Lagoa, e tivemos a oportunidade de trocar altas idéias e nos tornarmos amigos.

 

Mas o mais incrível ainda estava por vir: como estava começando a frequentar cada vez mais a praia da Vila em Imbituba, atrás de ondas maiores e mais adrenalina na vida, tive a idéia de fazer uma gunzeira 8?2? shapeada pelo meu primeiro ?escultor? de pranchas.

 

Detalhe: resolvi fazer a mesma pintura da minha primeira Lightning Bolt e ser monoquilha, no melhor estilo ?sunseteira?.

 

Comprado o bloco, entreguei nas mãos do Jackola. Ele, que foi morador no Hawaii por tantos anos, seria a pessoa ideal para fazer um ?clone? de minha primeira prancha em forma de gun para que eu pudesse surfar a Vila lá de trás. As mesmas mãos que shapearam minha primeira prancha iriam fazer agora minha querida gunzeira! Quanta espectativa!!!

 

Deixei Mark fazer a prancha no tempo dele, sem pressa, para que a ?escultura? ficasse irretocável. Então, um dia o telefone tocou e lá estava a voz com sotaque ?gringanês?: “Motaury, pode vir pegar sua gunzeira”. Brother, que sensação maravilhosa!

 

Não estava mais em 1976 e nem era minha primeira prancha, agora estávamos em 2001, e 25 anos depois, estava diante de uma verdadeira obra prima. A prancha estava maravilhosa, linda, ?reluzente?.

 

A sensação foi como da primeira vez: um misto de alegria, adrenalina, mistério e paixão. Passaram-se algumas semanas e, numa quarta-feira, estiquei sozinho para a praia da Vila para testar meu ?foguete?.

 

No caminho, escutando no som do carro meu louvor predileto, relembrava e agradecia a Deus por tudo que já havia experimentado no surf neste um quarto de século como surfista e fotógrafo de surf.

 

Das ondas pelo Brasil, pelas Américas e mundo afora, dos mares épicos, amigos e tudo que envolve o mundo do surf. Agradecia pelos livramentos de acidentes e roubadas.

 

Nem imaginava que logo mais estaria para agradecer pelo que viria em poucos quilômetros e alguns minutos à frente… Ao estacionar meu carro na Vila, meus olhos literalmente se maravilharam no que via… ondas na série com 3 metros, horário do almoço, sol, água azul e ?quente? para os padrões aqui do Sul, sem vento e… duas ou três ?cabeças? na água!

 

Foi o tempo de correr pra areia, fazer um rápido alongamento, olhar para o céu, agradecer novamente, e começar a remar pelo canal.

 

A sensação da água deslizando pelos meus dedos, o visual das ondas quebrando perfeitas e bem grandes, o barulho das alvas espumas quebrando simetricamente e até o cheiro da parafina davam todo um frescor num reencontro com minha infância, lá atrás…

 

Já não era nenhum garotinho, mas sim um homem casado e pai de um casal de filhos, o corpo levando as marcas do tempo, os cabelos antes compridos, então agora numa protuberante calvície… porém dentro de mim uma vontade e paixão mais forte ainda, renovados como nunca!

 

Vivi ali, dentro de um período de duas horas, uma das melhores sessões de surf de minha vida! Não tenho fotos daquele mar, apenas lembranças que agora divido com os leitores de minha coluna aqui no Waves. Depois de sair do mar, tendo realmente aprovado a prancha nas melhores condições que jamais imaginaria, abri meu ?livro? predileto ainda no carro, antes de voltar a Floripa, e não é que estava escrito assim:

?Mas os que esperam no Senhor renovarão as forças, subirão com asas como águias; correrão, e não se cansarão; caminharão, e não se fatigarão.? Is 41.13

 

Aquilo de fato acabara de se cumprir bem diante de meus olhos. A vida foi passando e não foi a idade que me desgastara, mas sim a força do Senhor que me renovara, interna e externamente.

 

Mark Jackola, onde você estiver agora, pois não mora mais em Floripa, deixo aqui um grande abraço e um convite para surfarmos algumas ondas pelo litoral de Santa Catarina. E mais uma vez e sempre: obrigado Senhor, tu tens sido minha fonte de Vida, Vida em abundância. E para aqueles que estiverem lendo este texto, fica a mensagem de acreditarem que acima do tempo e das circunstâncias da vida, vive o Renovo. Aloha.