Leitura de Onda

Calunga e seus anjos

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Aldemir Calunga na Praia do Bode, Fernando de Noronha (PE). Foto: Bruno Veiga / Liquid Eye.

Aldemir Calunga é um cara que você não precisa conhecer para ter simpatia. Os amigos em comum não hesitam nos elogios ao potiguar. Nos bastidores da imprensa ninguém tem uma história que o desabone.

 

Dentro d’água, Calunga tem um espírito positivo e contagiante. Certa vez, um amigo dropou uma bomba em Puerto Escondido graças ao incentivo do big rider.

 

Foi nesse pico, amplamente dominado pelo potiguar, que entubava ali como se estivesse em casa, onde aconteceu um desses acidentes que ninguém espera no surf. 

 

Ao sair de uma onda menor que as montanhas d’água que ele sempre encarou ali, a prancha se chocou violentamente contra a sua cabeça. Provavelmente, o impacto foi ainda mais forte porque a cordinha, que estava esticada, serviu como um elástico, um estilingue.

 

O impacto fez com que ele perdesse os sentidos e afundasse. Esta é a situação mais dramática da vida de um surfista, o momento em que ele vê a sua existência ser ameaçada pela ausência de um fio mínimo de oxigênio no fundo do mar.

 

Certa vez, fui cobrir como repórter o afogamento de um surfista em Ipanema. Cheguei à praia e o que vi foi um marzinho fácil, de meio metro, de leste. Ninguém poderia morrer aqui, cheguei a pensar. A fragilidade do surfista é não ter espaço para, por algum motivo, perder a consciência. O jogador de futebol pode, o tenista pode, fora da água quase todo mundo pode.

 

Mas, felizmente, por obra divina, há casos em que os anjos conseguem intervir a tempo. Calunga estava num mar com lendas do big surf acostumadas a situações críticas. Não estava em Ipanema. Pouco depois do acidente, um havaiano, Lapo Coutinho, Lucas De Nardi e Marcos Monteiro puxaram o surfista de volta à superfície, mas uma série espalhou o grupo. 

 

Marcos Monteiro, que além de excelente surfista de ondas grandes é um experiente guarda-vidas de Saquarema, voltou a segurar Calunga e, com a ajuda dos amigos, não o largou mais até chegar à beira, mesmo com séries enormes na cabeça. Na areia mesmo, fizeram a reanimação do surfista, que ainda tinha pulso. 

 

Fora da água, outros anjos entraram em ação. Petrônio Tavares, dono da Greenish (marca que patrocina Calunga), e o surfista americano Greg Long conseguiram providenciar um rápido socorro médico logo depois do acidente. 

 

Petrônio, aliás, deu um exemplo definitivo de qual deve ser a relação entre um patrocinador e um patrocinado. Desde o acidente, assumiu o comando nos esforços para tratar Calunga: transferiu-o para um hospital com boa infraestrutura, está ao lado do atleta 24 horas por dia e tem informado todas as evoluções clínicas ao Brasil. 

 

 

A última delas, desta quarta-feira, é uma dádiva para todos nós, que torcemos pela recuperação de Calunga: Seu patrocinador informou que ele acordou, chorou e perguntou o que tinha acontecido.

 

Há ainda um caminho a ser percorrido, mas nos acalma saber que os anjos estarão sempre por perto de Calunga.  

 


Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".