Leitura de Onda

Bede, um raro homem comum

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Bede Durbidge, um surfista diferente. Foto: © ASP / Cestari.

Meu inbox acordou com um e-mail da lista de discussão de amigos com o título “pai x surfista”. Eu já tinha ouvido o Bede Durbidge falar que ficaria fora da etapa de Portugal para ver o nascimento de seu primeiro filho, mas aquilo me pareceu tão esperado que não chamou atenção. Fui despertado pela mensagem do Klebinho, que além de surfista é um ótimo pai.

O texto dizia: “Para mim, ele dá um belo exemplo dos valores da vida e da importância do pai no momento mágico do nascimento”.

Bede Durbidge é atual o sexto do mundo, tem o emprego dos sonhos de quase todos os leitores deste site e vem de uma final em Trestles. Num mar difícil, acabou de perder precocemente na França. Fosse ele apenas uma máquina de competir, como quase todos os outros que estão no tour, simplesmente avisaria à mulher que veria o bebê alguns dias depois do nascimento, passada a etapa de Portugal.

Mas não: preferiu largar a fama e os dólares de mais uma etapa pelo mundo da paternidade. É uma das coisas insubstituíveis da vida. Um clichê, mas uma sensação realmente sem preço.

Como toda a comparação no surf passa pelo Kelly Slater, o surfista de Krypton também tem uma filha. Chama-se Taylor, e hoje tem 14 anos. É fruto de uma relação antiga do surfista com Tamara, e hoje mora em Cocoa Beach. Kelly talvez não tenha visto tanto a sua filha como os pais mortais. É o preço da genialidade, o ônus de ser o melhor do mundo.

Não dá para condená-lo. Gênios muitas vezes não têm opção a não ser viver pelo esporte. O mundo espera sempre o melhor deles. É como se eventualmente a contribuição de seu talento para a humanidade transcendesse a importância individual da paternidade.

Bede também é um grande surfista, mas encontrou espaço para ser pleno como pai. E isso é louvável, sobretudo porque ainda assim ele consegue competir contra Kelly. Isso tem valor.

O australiano sabe não ter sido ungido pelo talento sobrenatural de seu maior adversário, mas usa as ferramentas que têm à disposição com inteligência e humildade. É também um cara perseverante, que acredita sempre.

Em 2006, venceu sua primeira etapa na elite, em Trestles, e foi chamado pela revista Surfer de “assassino gentil”, por conta de seu estilo low profile e calmo. Um ano depois, vivia o inferno da falta de patrocínio. Em vez de abandonar o tour, pegou US$ 50 mil emprestados no banco, hipotecou a casa e seguiu as etapas do WCT. Terminou como top 5 e patrocinado.

Bede sabe que não é o queridinho da mídia nem do mercado de surfwear. Hoje, é bancado pela Fox, uma gigante que veio do motocross. As velhas marcas ligadas ao surf jamais lhe deram a devida bola. A mídia historicamente o apresentou como o “surfista que superou as adversidades para se manter na elite” e não como um candidato real ao título.

Até o site da ASP, que valoriza o australiano (até por ele ser um dos blogueiros mais ativos da ASP), dá a sua escorregada inconsciente no link com as fotos dos surfistas do tour: a imagem dele aparece acima do título “Mick Fanning”.

Questionado sobre a falta de atenção da mídia, Bede, o raro homem comum, certa vez disse: “Não ligo. Isso significa menos pressão em mim. Eu sei que posso bater aqueles que são considerados os melhores do mundo”.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves, da Fluir e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".