Leitura de Onda

As apostas do ano

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O Jockey Club Brasileiro fica pertinho de casa, no Rio. Volta e meia, pego a bike e dou uma chegada lá. Não para apostar o que eu não tenho, claro, e sim porque minhas filhotas gostam de ver os cavalinhos na pista. 

 

Apostei apenas uma vez, há coisa de uns 13 anos, quando fui incumbido da espinhosa missão de cobrir o Grande Prêmio Brasil de Turfe, para o finado Grande Prêmio do Brasil.

 

Na semana anterior ao evento, prevenido, colei no jornalista que era o papa do turfe. Quando já tínhamos acabado o trabalho, ele me chamou no canto e deu a dica valiosa para o páreo seguinte: “Jogue no cavalo 4, é barbada. Você vai ganhar.”

 

Hesitei um pouco, mas não dava tempo de pensar. Catei o fotógrafo que estava comigo e fomos ao guichê, entregar os últimos 30 merréis de nossas carteiras para a simpática atendente. Dói menos quando levam o seu dinheiro com simpatia, pensei.

 

Começou o páreo. E lá foi meu cavalinho, disparado, três corpos de vantagem, até cruzar, triunfante, a linha de chegada. A primeira coisa que veio à cabeça foi o desespero: “Por que eu não fiz um empréstimo gigante no banco e apostei tudo? Estaria em Fiji, agora. Em seguida, bateu o alívio, por ter garantido os 30 merréis de volta e mais uma merreca de prêmio.

 

Ufa. O surf – por sorte – não está na lista de esportes com apostas em dinheiro. Assim como minhas filhinhas com cavalinhos, contento-me apenas em curtir os surfistas correndo as pistas d’água, torcendo por um ou outro, fazendo análises, mas sem perder as calças por isso.

 

Com apostas, o esporte – que já sofre o suficiente com os desmandos da subjetividade – decretaria a falência. Mas, sem valer dinheiro, acho saudável o jogo de adivinhação. 

 

Montei, abaixo, um páreo com todos os brasileiros ao lado de alguns surfistas apontados como candidatos ao título mundial de 2012. Sobre cada surfista, escrevo um comentário. A numeração dos surfistas não obedece qualquer lista pessoal de preferência; é apenas o número da baliza que seria corresponde a cada um: 

 

Grande Prêmio 2012

 

1 – Adriano de Souza Alguém imaginava que ele ganharia em Portugal? Alguém imaginava que ele lideraria o ranking de 2011? Ele imaginava. Ele imagina também que vai ser campeão mundial. Alguém duvida? Surfista maduro e intenso, competidor inteligente, domina todas as condições, anula o jogo mental de Slater e tem mais sangue nos olhos que Mike Tyson.  

 

2 – Gabriel Medina Avassalador. Uma assustadora imagem do futuro, hoje. Criativo, potente e imprevisível. Chances vivas de título mundial já em 2012. Terá que se acostumar com o novo momento. Ano passado, comemorou vitórias imprevistas para um rookie. Este ano, será obrigado a confirmar o favoritismo, acostumar-se com os holofotes e passar por cima de derrotas imprevistas. A temporada é de provação, mas também pode ser de título.

 

3 – Miguel Pupo Ganhou créditos importantes para 2012 com a vitória em Noronha, em condições clássicas. Tem o surf mais bonito entre os novos goofies e domina de trás para frente a cartilha dos brasileiros voadores. Vai avançar muito em 2012. 

 

4 – Alejo Muniz Tem uma infindável reserva de qualidades fundamentais: estilo, competitividade, foco, domínio das manobras modernas, só para falar algumas. Disputou palmo a palmo com o excelente Julian Wilson o título de estreante do ano. Se descobrir a chave para atravessar a porta das semifinais, sua consistência o empurra para as cabeças. 

 

5 – Jadson André Seu ano dependerá dos juízes. Já superou há tempos o estigma de surfista de uma manobra só, que lhe foi imputado após a vitória em Imbituba. É moderno e versátil. Mas os juízes ainda achatam suas notas, talvez por conta do estilo. Devem ter se esquecido de Gary Elkerton e tantos outros monstros que brilharam no circuito. Parece preconceito. E é. 

 

6 – Heitor Alves Outro com notas achatadas. É moderno, e, em 2011, surfou bonito de backside. Heitor, em vez da fúria, usa a resistência pacífica de Gandhi. Vai lá, questiona educadamente, ouve ponderações e melhora. Os juízes estão encantados, e o respeitam cada vez mais. Sofreu com contusões. É capaz de ir mais longe.  

 

7 – Raoni Monteiro A temporada de Raoni em 2011 foi consistente. Isso deveria estar em contrato: quem tira aquele tubo nota 10, no maior Teahupoo da história, não pode perder o emprego. Jamais. Agora, seu principal adversário está fora d’água: o custo da temporada. Surf, ele tem de sobra.

 

8 – Kelly Slater Eterna barbada. Surfista que dispensa comentários. Se estiver disposto a competir na próxima temporada, pode se reinventar pela enésima vez e pintar em Snapper Rocks com um repertório ainda mais moderno, para rivalizar com os garotos.

 

9 – Julian Wilson Finalizou o ano de modo mais contundente que o australiano Owen Wright. Vai brigar por vitórias em muitas etapas, e não me surpreenderia se brigasse também pelo título. Combina como poucos manobras modernas dentro de uma linha clássica. Aprendeu a competir na elite, depois de patinar no início da temporada. É um surfista com gana. 

 

10 – Owen Wright No meio do ano passado, o WT era dele e do Slater. Depois de o americano se distanciar na liderança, o brilho de Owen se apagou. Slater fez com o australiano o que já fizera com diversos outros adversários: enfraqueceu-o, oprimiu-o, usando como arma as vitórias. Owen ainda é novo, e pode voltar a vencer. Tem uma habilidade fora da curva em tubos para a esquerda. Será sempre um candidato em ondas como Teahupoo, Tavarua e Pipeline. Surfa bem também em ondas pequenas, apesar da altura.

 

11 – Joel Parkinson O surfista com arcos renascentistas finalizou bem a temporada de 2011. Em Pipeline, esteve brilhante. Se a beleza de um surf vencesse baterias, Joel seria Slater. Suas chances de título dependerão da avaliação dos juízes de seu surf clássico. Se ainda o valorizarem, está na briga. Tende a patinar um pouco em ondas de menor expressão. 

 

12 – Jordy Smith O posto de candidato a título está ameaçado, depois de um 2011 medíocre. Excelente surfista, potente, inovador nas manobras, fez uma temporada opaca, digna de quem não sonha com o título, apesar da vitória em casa. Viu novos valores surgirem e ainda não reagiu. Tem condições de reverter o quadro e se encaixar entre os candidatos reais ao caneco.

 

13 – Taj Burrow Está cansado de perder para Kelly Slater. Ainda é um dos melhores do mundo. Tem condições técnicas de vencer qualquer um, a qualquer momento, mas já estourou há tempos sua cota de erros em momentos cruciais. Ainda tem chances de brigar pelo título, mas a cada ano que passa elas são menores.  

 

14 – John John Florence Ainda novo, já é o melhor surfista de ondas agudas do mundo. Provou sua condição de forma arrebatadora, ao vencer, em final épica, o conterrâneo Jamie O’brien, no WQS da Volcom, em Pipeline, dias atrás. Sua habilidade fora da curva nos melhores tubos do mundo lembra a de Andy Irons. Florence perpetua a tradição havaiana.

 

 

15 – Mick Fanning Entra na lista, depois do aviso dos leitores. É o cara que tem mais chances de ganhar se nenhum dos atletas citados entre os favoritos brilhar consistentemente. Fez isso nos dois títulos mundiais: ganhou quando patinaram. Do meu ponto de vista, se algum dos candidatos confirmar o seu surf, a vida fica mais difícil para Fanning. É um surfista rápido, certeiro, extremamente focado e talentoso. Não surpreende, mas está sempre ali, pronto para vencer.

 

Se Slater se aposentar, o ano estará completamente aberto. Dos 14 surfistas do páreo, pelo menos a metade tem condições reais de chegar ao título mundial. Será um ano sem barbada.

 


Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".