Muitas águas

A última onda

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Inspirado no Surfista Prateado, os personagens de Motaury pegam ondas cósmicas especialmente espaciais. Foto: Reprodução.

4014. Andraus nunca fora ligado em datas, mas a situação em que a vida chegara era caótica, desesperançosa.

 

A colisão de um meteoro na Terra, dezenas de anos antes, havia deixado tudo diferente. Os avós, quando ainda residiam no então planeta azul, bem relataram a seus pais o trauma que fora a sobrevivência.

 

Na verdade o planeta estava um lixo havia muito tempo e de nada adiantou o trabalho frenético das ONGS espalhadas pelos quatro cantos do globo. O valor do dinheiro falou mais alto e os recursos naturais da Terra já a deixavam praticamente inabitada. Mas, por sorte de sua família, ou obra do destino, algumas estações orbitais foram poupadas do caos e nela viviam raros habitantes.
O surfe era uma atividade que sempre fascinara Andraus. Ele tinha algumas revistas de papel (acreditem, seus antepassados usavam papéis!!!), e nelas viam-se fotos de surfistas em águas translúcidas, em praias paradisíacas. Como as coisas haviam mudado; ele crescera dentro de uma estação orbital, vivendo num mundo sombrio, sem o brilho da vida de outrora.
Piero era seu fiel amigo, um descendente de italianos que amava o surfe como ele. Costumavam “surfar” com seus projéteis ao redor da estação. Mas sempre conectados por uma intrincada tecnologia bio-cibernética e não podiam sequer imaginar se soltar para o infinito e além…
Andraus havia desenvolvido uma turbina para adaptá-la a uma chapa de titânio, com quilhas de cristal. Ao mostrar o projétil para Piero, este ficou mudo, perplexo.
– Nossos antepassados ficariam orgulhosos desta obra de arte, é o renascimento do surfe; o surfe cósmico!!!, comentou o italiano.
– Você não sabe da maior, Piero. Um cometa passa daqui a algumas semanas. Vamos surfar o rabo do cometa. Será a grande experiência de nossas vidas, completou Andraus.
Das escotilhas, olhando para o então planeta cinza, meditando no sentido da vida, imaginavam o que lhes aguardava.
As roupas espaciais aloha hitech com motivos florais… oxigênio e cápsulas energéticas dariam para muitos dias e nada impediria de viverem seu sonho dourado. Havia chegado o glorioso dia; Andraus e Piero com suas respectivas pranchas aguardavam o rastro de gravidade que os sugaria para trás do cometa. Poderiam então realizar tudo o que sonhavam naquela onda cósmica.
Eles se olharam e cumprimentaram com um sinal de mãos que os havaianos faziam há séculos na Terra, fecharam seus capacetes e um turbilhão gravitacional os puxou pra dentro do rastro do cometa.
Havia horas que deslizavam naquela energia, envoltos por micro-partículas num surf até então inédito.
Talvez nem voltassem mais, talvez descobrissem um mundo distante, algum lugar onde  a vida voltasse a ser simples e bela como Deus criou.

Mas poderia também ser a última onda, o último drop, o último tubo.
Andraus ainda se comunicou com Piero: – Se nossos antepassados soubessem no que daria tudo isto, teriam se esforçado mais, se unido num ideal comum de ser feliz, acabado com o egoísmo e a ganância que corromperam a alma do ser humano.

Mas eles seguiram ainda, até onde a “onda” os levou, talvez a  última onda…