Espêice Fia

A indecisão que mata

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À procura dos tubos de Slabs, Bananas Point é abortado em missão no Marrocos. Foto: Arquivo Pessoal.

Direitas de até 2 metros são deixadas para trás e acabam estragadas pelo vento. Foto: Arquivo Pessoal.

Dúvida cruel. Uma das piores coisas no surf é o cara ter um mar clássico bem em frente e, diante de outras ondas em mente, rodar, rodar e acabar em um mar pior. Ou melhor, rodar, rodar, até que as horas passem e o vento estrague as condições.

Quem nunca se viu diante dessa situação? Seja no litoral paulista, catarinense, carioca ou em qualquer estado do Nordeste. É comum em costas recortadas, com alguns picos ao curto alcance ou com cerca de uma hora de distância.

O fato é que em muitas vezes, depois de rodar, o sujeito chega à conclusão: “poxa, devia ter caído logo naquele primeiro pico”.

Em 86, durante o OP Pro na praia da Joaquina, o mar amanheceu clássico. Estava com alguns amigos da Paraíba que tinham viajado até o evento em uma caminhonete cabine dupla.

Ao chegarmos com o sol raiando, ao invés de cairmos antes de o evento começar e já fazer a cabeça, decidimos ir conhecer a famosa praia da Guarda. Foi duro partir vendo aquelas paredes com a brisa do terral jogando aquele véu pra trás das cristas das ondas.

Mas a expectativa de ver a Guarda era tremenda e, em nossas mentes, só víamos um mar clássico. E esse era o jeito que estava, até nossa chegada, cerca de uma hora e meia depois de partirmos da Joaca.

Impressionante, já com um certo crowd no pico, o vento Sul bombou forte, estragando nossos sonhos e nos levando aquele dilema: “está vendo, devíamos ter caído logo no primeiro pico”. Nem as boas condições da Prainha, direita ao lado da Guarda, foram suficiente para tirar nosso desgosto.

Fazer o quê? E o pior é que não serviu nem de aprendizado. Assim como episódios como este acabam não servindo para muitos também.

Os anos passam e sempre em alguma época passamos por este dilema. Ano passado no Marrocos, em trip com Marcelo Trekinho, Binho Nunes e Marco Giorgi, já havíamos surfado ondas clássicas em um pico chamado Slabs.

Os tubos quadrados não saíam de nossas mentes, mesmo com nosso guia nos dizendo que o mar não estaria bom ali naquele dia, fomos teimosos e abortamos o ótimo surf em “Bananas Point”, com paredes esverdeadas e cerca de 2 metros nas séries.

Partimos cerca de quarenta minutos para o Norte, atrás do Slabs, e quando chegamos, dito e feito: estava ruim. Parece que foi só mesmo para tirar aquela miragem da mente, mas acabamos voltando mais 40 minutos e com aquela rebordose de ficar rodando de carro para cima e para baixo. Resultado? O vento entrou forte estragando parcialmente as condições e causando desânimo em metade do grupo.

E no North Shore de Oahu? Aí sim, é tanto pico que nego fica doido, com indecisão total. Se bem que se tratando de Hawaii, o crowd na temporada é intenso e muitas vezes esse é o quesito em questão.

O mar pode estar épico, mas a cabeçada também está. Logo na busca por um lugar com menos gente, acabamos muitas vezes rodando e rodando feito baratas tontas, pois muitas vezes não adianta, dia clássico a cabeçada é grande em todo lugar.

Mas depois de muitas idas e vindas, quando penso em passar a ter uma indecisão perante aos picos e dias bons, decido tal como aprendi nas competições aos trancos e barrancos, ou seja, se a onda vier e você estiver liderando a bateria, não a deixe de pegar, pois assim seu adversário pode pegar e virar o resultado.

Neste caso, a mesma coisa, se o pico está bom, caía logo, é o certo pelo não certo.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.