Leitura de Onda

A estrela do Tahiti

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Owen Wright, o melhor surfista do Billabong Pro 2011 nas ondas de Teahupoo, Tahiti. Foto: © ASP / Kirstin.

O protagonista da última parada do WT 2011 não é de carne e osso. É líquido, translúcido e assustador, é mocinho e vilão, o bem e o mal. Seduz, mas pode matar. É a onda de Teahupoo. Nos últimos dias, o monstro em forma de cavidade oca levou alguns surfistas ao paraíso e muitos outros às profundezas do inferno. 

 

A etapa foi realizada em condições épicas, com direito a um dia de evento em ondas extremas e outro, em que baterias não entraram na água, absolutamente fora de controle, ao alcance apenas de alguns caçadores de montanha d´água rebocados por jet-skis.

 

Teahupoo este ano seria personagem principal de qualquer filme. Esqueça Taylor Steele. Até Spielberg se encantaria se visse aquilo de perto.

 

 

Raoni Monteiro, onda nota 10 e reconhecimento da comunidade internacional. Foto: © ASP / Kirstin.

Alguns atores contracenaram bem com o monstro líquido. Não foram coadjuvantes. Naquele mar, é todo mundo herói. Ficam sem o prêmio principal, mas ganham medalhas de bravura.

 

A maior delas vai para o australiano Owen Wright, surfista sem medo de ser feliz, que já pagou com os tímpanos a busca do limite em condições extremas. Finalmente foi recompensado, apesar de não ter levantado o troféu mais pesado do evento.

 

Owen decidiu pegar suas ondas mais para dentro do pico. Para atravessar o tubo sem ser pego pela bola de espuma, muitas vezes já descia no corte da onda e adiantava, dentro do salão, com uma técnica de fazer inveja a qualquer regular.

 

Não ganhou, mas saiu de lá como o melhor surfista do evento.

 

A vitória foi parar nas mãos de Kelly Slater, surfista que contracena há anos com o mesmo monstro taitiano e conhece bem seus atalhos mais seguros. O americano lembra Paul Newman, ator que marcava seu personagem com poucos movimentos.

 

Em “O Veredito”, Paul usou apenas as linhas de expressão do rosto, o tom grave da voz e adicionou, por conta própria, dois hábitos na composição do advogado que interpretava: pingar colírios nos olhos e borrifar vaporizador para esconder o bafo de bebida.

 

Em Teahupoo, Kelly usou as linhas consagradas de seu surfe em ondas quase sempre intermediárias e mais seguras, contou com o peso de seus dez títulos mundiais e ainda adicionou, em algumas ondas, um maneirismo para chamar a atenção dos juízes: olhar para trás quando saía do tubo.

 

Kelly, assim como Paul no passado, interpreta para encantar, convencer e ganhar.

 

Mas há vencedores sem troféu. O legal de Teahupoo é ver a onda escolhendo alguns parceiros para contracenar. Um deles foi Raoni Monteiro. O brasileiro encantou o mundo com performances limpas, posicionamento perfeito de backside e o primeiro dez da prova, justamente no dia de condições extremas. Eliminou Adriano e entrou para a história.

 

Raoni só parou diante do melhor surfista do evento, Owen, nas quartas.

 

O resultado faz muito mais que tirar o brasileiro do banquinho da forca momentos antes da degola pós-Nova York. Raoni ganhou, de toda a confraria da ASP, o respeitado selo de excelente surfista de ondas perfeitas e pesadas. Ganhou tapinhas nas costas do mundo inteiro.

 

O manual do novo surfista do tour diz que o selo não é suficiente para garantir pontos em ondas como a de Nova York. Raoni tem surf para chegar em NY e conquistar outro excelente resultado. Mesmo que não consiga, no mundo real, ser reconhecido nas ondas mais difíceis do mundo vale muito mais que somar pontos numa bateria qualquer num mar ruim.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".