Leitura de Onda

A era das mini mini-models

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Bruno Santos, tube rider nato de Niterói, único brasileiro a vencer em Teahupoo, Tahiti. Foto: © ASP / Robertson.

Eu já era um surfista convicto quando Gerry Lopez mandava em Pipeline, com sua grande e emblemática prancha Lightning Bolt. Sobrava muito bico, mas ele sabia como fazer. Conhecia todos os atalhos permitidos para o seu foguete.

 

 

Bem antes de eu nascer, em 1961, Phil Edwards já tinha remado para a história, dando início, em Pipe, ao surf pesado em ondas tubulares com um navio pesado e de difícil controle.

 

O tempo passou. Nos últimos anos, graças ao aperfeiçoamento brutal da técnica de surfar Pipe e outras searas agudas, as pranchas começaram a perder tamanho. 

 

Em 2009, numa semana de Pipe de água marrom, Kelly Slater apareceu com uma prancha quadriquilha 5’4, larga, esquisita. Foi vice porque na final os tubos desapareceram. Dane Reynolds é outro que, enquanto esteve no tour, deu-se ao luxo de experimentar a redução de quiver. 

 

No Brasil, nossos  tuberiders mais prestigiados também adotaram modelos pequenos, que os obrigam a aprimorar o drope mas favorecem tubos mais extensos e profundos.

 

Troquei uma ideia com Joca Secco, shaper que conheço e confio desde que me tornei um surfista convicto. Minha primeira prancha dele foi uma Hidrojets, comprada seminova, em meados de 80, no lugar em que eles trabalhavam, numa ladeira de Copacabana. Hoje, tenho uma prancha dele.

 

Como shaper de Bruno Santos, um de nossos astros em ondas tubulares, Joca pode falar sem puxar o bico sobre a mudança de paradigma nas pranchas, especialmente em ondas tubulares. 

 

“A redução nas pranchas ocorreu porque a linha mudou, ou seja, a maneira de entubar mudou radicalmente. Antes, nos anos 70, o surfista dropava, fazia o botton turn e buscava o tubo. Depois, nos anos 80, acrescentaram, depois do drope, uma freada ou estolada para aí pegar o tubo. 

 

Hoje, o surfista dropa muito mais deep, não faz o botton turn e, uma vez dentro do tubo, busca alternativas para ganhar velocidade para sair, ficando o mais profundo possível. 

 

Eu, particularmente, tive a sorte de perceber isso antes, porque trabalho com o Bruno Santos desde que ele tinha 12 anos. Como ele veio de Itacoatiara e sempre gostou de ondas pesadas, especializou-se em dropar o mais deep possível, pois em Itacoatiara a onda quebra perto da beira e, desta forma, ele poderia ficar mais tempo dentro do tubo. Para isso, ele tinha que ter uma prancha pequena, com um encaixe muito rápido na onda.

 

Por anos, escutei as pessoas falando: “como o Bruninho consegue usar pranchas tão pequenas?Muitos achavam que era devido à sua baixa estatura, mas a redução foi para ajudá-lo a ficar cada vez mais deep”.

 

A eterna dúvida sobre o alcance dessas modificações, se estariam ao alcance dos amadores, não tem resposta. Quando Slater apareceu com a quadriquilha, declarou que o mercado tinha que atentar ao fato de que muitos equipamentos adequados aos tops não deveriam ser vendidos a surfistas comuns, uma vez que a técnica exigida era muito específica. 

 

Joca prefere não fechar questão, diante da possibilidade de encontrar um amador em forma. “Tudo vai depender da facilidade de posicionamento e da agilidade no drop. É o surfista quem tem que sentir se pode ou não diminuir o tamanho da prancha.”

 

Não existe um padrão. Gabriel Pastori, outro surfista de Joca, levou este ano para o Hawaii uma prancha menor que a das temporadas anteriores para tubos de até 12 pés. “Logo no primeiro dia, ele pegou uma bomba em Off The Wall que está concorrendo à onda do inverno.” 

 

Joca, no entanto, acredita que o tempo do exagero das pranchas pequenas já passou. “Em Sunset, por exemplo, não é recomendável surfar com pranchas pequenas (embora estejam naturalmente menores do que já estiveram). Há um limite, mesmo para os profissionais. O Kelly, neste ano, experimentou uma 5`10 quadriquilha lá, mas estava visivelmente com o equipamento errado. Conseguiu surfar porque ele é o Kelly, mas se estivesse com a prancha certa receberia outras notas.”

 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.  

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".